| Foto: GAZETA
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Preciso, antes de tudo, confessar que não sou da turma que se apavora com a história de doutrinação em escola. Primeiro porque passei por isso e não funcionou. Depois porque não estão conseguindo ensinar nem tabuada, imagine doutrinar direito.

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Quando era criança, estudei a vida toda em colégios que tinham ideologia política distinta daquela do meu pai. Não adiantou nada. Como toda boa filha, acabei com uma visão política diferente daquela do meu pai e também diferente do colégio. Confesso que por puro capricho, mas antes de tudo sou filha. Dane-se a política.

Estudei em colégio de freira a vida toda. A gente tinha aula de religião, o que muita gente hoje acha absurdo. Para mim, é bom quando se ensina religião só na aula de religião mesmo. Desde a década de 90, quando virou moda Teoria Crítica Freestyle de tudo quanto é coisa, se ensina religião na aula de história, geografia, literatura e até de matemática. Há quem chame de doutrinação.

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Discordo do termo doutrinação porque a palavra implica que a coisa funcione. Não funciona, só bagunça, enche a paciência e ocupa com bobagem o precioso tempo que deveria se dedicado ao aprendizado das futuras gerações. Todo mundo teve na vida aquele professor metido a revolucionário ou a professora que era muito fã de algum político. Sou paulista, tive várias professoras janistas, não desejo a ninguém. Nem podia reclamar porque minha bisavó era janista. Não é disso que estamos falando mais.

O professor que passa filme ou debate política em vez de dar aula sempre existiu, foi uma minoria folclórica e servia para a gente poder rir de alguém na escola. Estamos um passo adiante, em que as crenças individuais de gente que pode estar bem intencionada são os parâmetros das matérias em si. Aí a coisa começa a ficar sinistra. Exemplos: cobrar resultado correto em matemática é racismo e ensinar matemática avançada a alunos que acompanham é capacitismo. Não pode mais nem um nem outro.

O conhecimento é o que é, não se dobra à nossa visão de mundo nem à nossa sensibilidade e assim deve ser. Trancar crianças num mundo idealizado produz a geração do parque de areia antialérgico. De um lado estão os justiceiros sociais que se ofendem com tudo. De outro, os que querem combater a doutrinação com sua própria doutrinação. Felizmente, ainda sobrou no mundo quem carrega o piano em vez de viver de lacração. Vamos a eles.

Sou muito fã do psicólogo social Jonathan Haidt, da NYU-Stern, grande estudioso da psicologia moral, psicologia política e ética nos negócios. Uns anos atrás, ele se uniu a um especialista em educação que até então eu não conheci para escrever um artigo interessantíssimo chamado "The Coddling of American Mind", algo como Mimando a Mente Norte-Americana.

Já abriam o artigo com um tema que começou a me interessar desde a virada do século, quando virou vanguarda, o controle de linguagem. "Em nome do bem-estar emocional, os estudantes universitários estão cada vez mais exigindo proteção contra palavras e ideias de que não gostam. Explicamos porque isso é desastroso para a educação e saúde mental". Fez tanto sucesso que virou o livro com o mesmo nome do artigo, assinado por Jonathan Haidt e Greg Lukianoff há uns 3 anos.

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Greg Lukianoff já era ligado à FIRE (Foundation for Individual Rights in Education), fundação que luta pela liberdade de expressão na educação. Esta semana, ele lançou uma espécie de vacina para os males que aponta no livro. Por enquanto, é apenas um primeiro rascunho. Deixo até o link para vocês porque ele agradece opiniões de leitores e creio que muitos gostariam de falar com ele.

Boas intenções implementadas por meio de ideias ruins preparam uma geração para o fracasso. Copiei isso do livro de Haidt e Lukianoff, mas podem espalhar que a frase é minha. Sabemos bem o que não queremos. Tanto a igreja identitária quando os anti-doutrinação sabem tudo o que são contra. E somos a favor de quê? Parece que já temos uma luz, os 10 passos pela liberdade educacional.

São 10 princípios concretos a se aplicar na reforma proposta em vários Estados norte-americanos no ensino fundamental e médio. Greg Lukianoff chama as iniciativas de "Reforma do Pensamento" e coloca as bases para garantir a liberdade de pensamento e crescimento intelectual dos estudantes:

1. Nenhum discurso, pensamento ou crença forçados.
2. Respeito pela individualidade, dissidência e santidade de consciência.
3. Professores e administradores de ensino fundamental e médio devem demonstrar humildade epistêmica.
4. Estimule a mais ampla curiosidade, habilidades de pensamento crítico e desconforto com a certeza.
5. Promova a independência, não a dependência moral.
6. Não ensine as crianças a pensar em distorções cognitivas.
- As principais são: raciocínio emocional, catastrofismo, generalismo, pensamento dicotômico, leitura de mente, rotulagem, filtragem negativa, descontar acertos, atribuição de culpas.
7. Não ensine as 'Três Grandes inverdades'.
- A inverdade da fragilidade: o que não o mata o torna mais fraco.
- A inverdade do raciocínio emocional: sempre confie em seus sentimentos.
- A inverdade entre nós e eles: a vida é uma batalha entre pessoas boas e más. 8. Leve a saúde mental do aluno mais a sério.
8. Resista à tentação de reduzir os alunos complexos a rótulos limitadores.
9. Se está quebrado, conserte.
10. Esteja disposto a formar novas instituições que capacitem os alunos e os eduquem com os princípios de uma sociedade livre, diversa e pluralista.

Lendo rapidamente, parecem óbvios os 10 pontos colocados por Lukianoff para garantir a liberdade intelectual e de expressão no ensino fundamental e médio. Não são. Na verdade, nós esperamos algum tipo de educação moral das escolas e só nos damos conta de que isso não é bom quando a moral ensinada colide com a nossa. Tendemos a confundir amor e boa intenção com um projeto de futuro.

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Todos nós queremos proteger nossos filhos daquilo que achamos danoso e expor somente ao que consideramos positivo para eles. Eu, se pudesse, faria um pacto com Deus para passar todas as dores do meu filho por ele, não vou mentir. Ah, mas vai ficar mimado. Dane-se, pelo menos não vai sofrer. Isso não é um projeto de futuro para um ser humano independente, capaz de conviver numa sociedade diversa e às vezes conflituosa. É só meu coração mesmo. Tem gente que confunde as duas coisas, como relata Greg Lukianoff:

"Isso me leva à coisa mais frustrante que vi desde a publicação do artigo original. Sabemos que a ansiedade, a depressão, a automutilação e o suicídio aumentam entre os jovens e aumentam dramaticamente. É cruel saber que os alunos de hoje já estão ansiosos, deprimidos e em risco de, no entanto, defender filosofias políticas que pressupõem:
- A maioria dos alunos em muitas escolas são opressores e oprimidos devido à cor de sua pele, gênero, sexualidade, status socioeconômico e / ou nacionalidade e, portanto, não apenas a vida é manipulada contra esses alunos, mas também porque eles são ativos participantes em prejudicar outros alunos;
- Palavras, argumentos e imagens podem ser tão prejudiciais que os alunos devem ser protegidos de muitos deles para evitar danos psicológicos graves;
- Alguns alunos estão em uma guerra contra a opressão, onde não têm amigos, mas sim “aliados” - o que implica um arranjo utilitário condicional, não um vínculo profundo e pessoal;
- Os alunos devem estar sempre atentos a desprezos, pois eles sempre significam algo muito mais pernicioso do que um simples gafe; e
- Uma única piada de mau gosto, um comentário idiota ou um tweet imprudente a qualquer momento poderia, e até deveria, atrapalhar futuras carreiras acadêmicas ou profissionais."

Proteger nossos filhos de tudo aquilo que julgamos inadequado ou ruim é nosso impulso natural. Impor crenças e um estilo de vida que consideramos o melhor também é. Isso não significa que eles devam ser blindados do conhecimento sobre o mundo onde vivem nem privados da possibilidade de aprender a se virar nesse mundo. É essa a proposta para as escolas norte-americanas. Talvez um dia consigamos pensar em algo semelhante por aqui.