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Para luloafetivos, doméstica evangélica idosa é a cara do fascismo
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Antes de entrar no assunto, é necessário esclarecer quem são os luloafetivos, essa nova geração de idólatras com papo de garotão do Colégio Equipe que se meteu na política. Eles não são os lulistas que você conhece do século passado nem da primeira eleição de Lula. Há entre os dois grupos uma diferença fundamental que é a de ser do contra ou andar na moda.

O lulista raiz era minoritário, revolucionário, pobre ou jovem demais. Geralmente, as quatro coisas ao mesmo tempo. Era uma força política que jamais havia desfrutado das benesses do poder, ficava sendo oposição sempre. O luloafetivo é o que embarcou depois da era Romanée Conti do PT. Ser petista é o que está na moda, portanto obrigatório. Quem não for petista é cafona ou, como diz o luloafetivo, fascista.

Isso não tem nada com política, é a antipolítica autoritária e excludente do parque de areia antialérgica da sociedade. A política, no entanto, ainda tem seus fãs. Entre eles, muita gente que tenta compreender a lógica do voto numa sociedade polarizada, fraturada e mergulhada na nova dinâmica das redes sociais. Muito provavelmente você tem parentes e amigos que votam de forma diferente do que você apostaria.

Thais Maschio, militante de esquerda, resolveu contar que a avó dela é bolsonarista. Ela faz campanha para Ciro Gomes e conta que a avó, uma senhora evangélica que criou os 4 filhos e a neta como doméstica e lavadeira, apóia Jair Bolsonaro. Adivinhem qual foi a reação dos Che Guevara de apartamento:

Para o petista raiz, a relação com Jair Bolsonaro não é nenhum tabu. Os dois foram aliados no primeiro mandato de Lula, só romperam porque o PT decidiu fazer a Reforma da Previdência e Bolsonaro era contra a retirada de direitos de funcionários públicos. Bolsonaro fez campanha para Lula e foi defendido pelo PT quando era acusado de "discurso de ódio". Queriam cassar o então deputado por pregar o fuzilamento do tucano Fernando Henrique em praça pública. Neste podcast você ouve a gravação histórica em que o líder do PT na Câmara o defende.

O que isso diz sobre Lula e Bolsonaro? Que são políticos, só isso. É natural da política a formação de alianças dentro da realidade de cada momento. Num presidencialismo de coalizão, como o nosso, você vai ver todo candidato descer a lenha no centrão. É o velho populismo de que tanto gosta o eleitor brasileiro. Mas, no final das contas, o governo será tocado por uma mistura de Renan Calheiros com Sarney, Temer, Kassab, Jucá, Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto. Todos eles sabem disso.

O centrão irá do céu ao inferno a depender do que o populista da vez diga à sua torcida. Como os políticos do centrão fazem qualquer discurso ideológico, ninguém nunca sabe direito o que eles pensam e vida que segue. Ser anistiado pelo populista da vez limpa o centrão de todos seus pecados desta vida e, se houver, até de vidas passadas. Pode não ser correto nem moral, mas é a lógica da nossa política. Qualquer que seja a sua ideologia, você vai votar em alguém que se submeteu a esse jogo, o único que existe.

A busca pela pureza moral é incompatível não só com a política brasileira, mas com a natureza humana. No entanto, é o que mais vemos os luloafetivos fazerem. Quem não tiver um orgasmo ao apertar 13 com certeza na urna, é fascista com certeza. Nessa lógica, meia dúzia de playboys decide que uma senhora evangélica que trabalhou a vida toda como faxineira e lavadeira é fascista porque eles querem. Estes são os que se autodenominam defensores da democracia. Reproduzo algumas pérolas:

Para o movimento luloafetivo, a elite metropolitana que se julga moralmente superior a todo o universo, existem algumas verdades:
1. Não amar Lula acima de todas as coisas é estar mal informado.
2. Pobre é burro.
3. Evangélico é burro.
Eu quero só ver o quanto de bolo e conversa vai precisar dessa vez para desfazer o ranço contra o PT que o parque de areia antialérgica está criando. Talvez nem o próprio Lula se salve.

O mais divertido das respostas é a dualidade dos luloafetivos. Boa parte nega que luloafetivos chamem de fascista quem vota em Bolsonaro. Escrevem isso logo embaixo de alguém que acabou de chamar a senhora evangélica de fascista porque vota em Bolsonaro. A realidade não importa para as turbas sedentas de sangue.

E como as senhoras domésticas e cristãs poderiam deixar de ser fascistas aos olhos dos luloafetivos? Deveriam deixar de apoiar Bolsonaro? Não basta. O único ato capaz de lavar todos os seus pecados e dar a você uma nova vida é o batismo adorar Lula acima de todas as coisas. Para vocês terem uma ideia, isso anistia até quem assinou o AI-5 e diz com orgulho que assinaria de novo.

Eu sou da época do PSOL dissidente do PT, feito de gente brava, que saiu do partido às lágrimas devido ao escândalo do mensalão. Eram críticos ferrenhos de firulas. Jamais imaginei uma liderança do PSOL brigando, por exemplo, por vereador que quer mudar nome de rua. Mas agora estamos na era Boulos, a gourmetização do PSOL.

Um vereador experiente e conhecido de São Paulo, Eliseu Gabriel, do PSB, propôs mudar o nome de uma praça. Em vez de Alfredo Buzaid, ministro no período ditatorial, receberia o nome do cronista Lourenço Diaféria. E todo mundo concordou com isso na Câmara Municipal de São Paulo? Não é bem assim que funciona, explico a vocês o conceito legislativo de "rolo compressor".

Nessa era das bancadas hashtag, que ficam o dia fazendo live dando pau no projeto dos outros, muita gente acha que os parlamentares realmente discutem tudo o que votam. Não discutem e os hashtag menos ainda porque estão fazendo live e postando vídeo. Há dois tipos de projeto em que muito dificilmente um parlamentar causará problemas a outro: nome de logradouro público e homenagem do tipo medalha.

Sabe quando você vê umas medalhas completamente sem sentido em Câmaras e Assembleias Legislativas? Elas sempre serão dadas porque ninguém se opõe à homenagem do outro senão ficaria impossível alguém conseguir homenagear. É uma espécie de acordo de cavalheiros.

O "rolo compressor" é algo com o mesmo espírito mas envolvendo projetos. As lideranças partidárias fazem um pacote de um bom número de projetos, já vi de dez até centenas ao mesmo tempo. Eles são colocados em votação pelo método simplificado e o combinado é aprovar tudo para que o de ninguém seja rejeitado.

O ônus de barrar o que for inexequível, inconstitucional ou simplesmente delirante é sempre jogado no colo do Poder Executivo. Um exemplo clássico é o projeto que cria uma despesa sem citar de onde vai vir o dinheiro. Ele não pode ser feito pelo Poder Legislativo. Mas ele será feito, aprovado, receberá ampla cobertura da mídia e depois ainda chorarão as pitangas quando o presidente, governador ou prefeito vetar acertadamente. Passe a reparar como é comum.

Num desses combinados do tipo "rolo compressor" foram aprovados 22 projetos de vereadores da cidade de São Paulo, sendo que 6 deles eram nomes de ruas e outros logradouros, tipo Unidade Básica de Saúde e escola. Geralmente a prefeitura não veta quando o lugar ainda não tem nome. Mas quando já tem, a não ser em casos amplamente negociados, acaba vetado. É o que ocorreu em São Paulo.

Fica bom para todo mundo. O prefeito mostra que tem pulso, o autor usa seu "jus esperneandi" (direito de espernear em latim porque aqui é muita cultura) para vender seu peixe, a oposição ao prefeito faz a festa nas redes sociais, os defensores dele atacam a oposição nas redes. É aquele circo que a gente sabe.

A novidade dessa vez é o PSOL virar defensor de projeto para mudar nome de praça, algo considerado antes superficial e banal. Melhor ainda é a justificativa: seria alguém que foi ministro da ditadura, portanto defensor do bolsonarismo. Guilherme Boulos bem que tentou emplacar essa, mas a internet não perdoa: e o Delfim Netto?

Alfredo Buzaid foi um dos mais ferrenhos defensores do AI-5, que não assinou. Chegou ao governo depois disso. É mais conhecido, no entanto, pela atuação como processualista na área civil e também como professor e diretor da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco.

É possível sim questionar se, em uma democracia, devemos dar visibilidade a pessoas que apoiaram medidas ditatoriais. Ocorre que eu ainda não entendi o critério de Guilherme Boulos. É um problema Alfredo Buzaid ser nome de praça mas não é um problema apoiar uma campanha que tem como conselheiro econômico Delfim Netto, que assinou o AI-5 e disse ano passado que assinaria de novo. Alguém me explicou: se agachar ao deus Lula limpa até vidas passadas.

Eu lembro bem da ginástica retórica que o então Lulinha Paz e Amor precisou fazer na sua primeira campanha presidencial há 20 anos. Para o PT combativo que falava contra a ditadura dia sim e outro também, o rol de aliados era curioso. Além de Delfim Netto, estavam lá Antonio Carlos Magalhães e José Sarney. "O Sarney mudou", dizia Lula aos quatro ventos. Depois até Paulo Maluf teve seu passado lavado quando apoiou Fernando Haddad, esse símbolo da democracia luloafetiva.

Já a senhorinha evangélica que trabalhou a vida toda como doméstica e lavadeira não tem o benefício da dúvida. Se votou em Bolsonaro, definitivamente é fascista. Se não for fascista, definitivamente é burra, mal informada e manipulada por pastores. Gourmetizar um partido político tem seu preço. Por um lado, o discurso elitista tem sempre mais lugar na mídia e domina as redes sociais. Por outro lado, a jihad dos luloafetivos não tem voto e ainda afasta as pessoas simples, que são a maioria nas urnas.

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