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Creches – escolas infantis – escola infantil – creche – crianças – atividade infantil – pré-escola – maternal – ensino infantil – brincadeiras de criança – creche convenidada com a prefeitura de Curitiba –
Creches – escolas infantis – escola infantil – creche – crianças – atividade infantil – pré-escola – maternal – ensino infantil – brincadeiras de criança – creche convenidada com a prefeitura de Curitiba –| Foto: Gazeta do Povo

A Escola Estadual Dom Aníger de Maria Melillo leva o nome do bispo da diocese de Piracicaba que participou do Concílio Vaticano II na década de 60. Defensor da família, criou o Movimento Familiar Cristão e era militante ativo contra a legalização do divórcio no Brasil. Era também inovador: criou diversas paróquias, colégio, faculdade, renovou o seminário, marcou época. Durante a ditadura militar, evitou um banho de sangue ao se colocar na marcha com os estudantes da cidade e depois abrigá-los na igreja, o que evitou o confronto com a polícia.

A escola que leva o nome dele é bem avaliada, atende alunos do 6o ao 9o ano, tem sala de informática, laboratório de ciências, aulas de artes, de inglês e não padece do problema das salas abarrotadas. Justamente nessa escola dois alunos do 8o ano - os de 13 anos de idade - feriram gravemente uma professora.

"Enquanto ministrava aula numa das turmas do 8º ano do ensino fundamental (...) foi atingida no rosto por uma porta que havia sido chutada por dois alunos, sofrendo trauma contuso no olho esquerdo que tornou necessária a realização de cirurgia para recolocação do flap da córnea", diz o relato dos fatos que consta no processo.

O caso é um emblema da situação precária da educação brasileira: não acaba aí o drama da professora. Depois de apanhar dos alunos, fazer boletim de ocorrência, ir ao hospital, saber que teria de passar por uma cirurgia com recuperação delicada e dolorida, ela descobriu um erro burocrático que a prejudicaria.

Ao voltar da licença, descobriu que havia sido dada por engano uma "licença saúde" e não uma "licença por acidente de trabalho". Pode parecer uma bobagem, mas há uma diferença enorme, dada pela Lei Estadual 10261/1968. Os dias da licença à qual a professora tinha direito, a do acidente de trabalho, contam integralmente para o cálculo de dias trabalhados para o Estado, o que tem impacto direto em diversos benefícios e promoções, além do tempo de serviço para aposentadoria. Já a licença de saúde não conta como dia trabalhado para esses efeitos.

Bom, tratava-se de um erro burocrático que prejudicava a professora e poderia ter sido corrigido. Ela foi obrigada a entrar na Justiça, o Estado de São Paulo resolveu brigar e a sentença demorou 6 anos para sair.

O Estado argumentou "ausência de nexo causal lógico entre a doença apresentada e as atividades funcionais da autora, mormente considerando que a simples afirmativa lacônica dos autos não esclarece quais afastamentos foram decorrentes de acidente de trabalho". Como a professora não foi ao hospital logo após ser agredida com a porta, foi mais tarde quando percebeu a gravidade, o argumento é que a doença não tinha a ver com a agressão.

No entanto, o próprio Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo - ou seja, o órgão técnico oficial do Estado para decidir essas questões - atestou “limitação de baixa acuidade visual no olho esquerdo pós trauma contuso nesse olho”. O relatório diz ainda que a professora poderia ter ficado cega devido ao descolamento do flop e à úlcera na córnea.

A professora também pediu indenização por danos morais, já que apanhou em seu local de trabalho. O Estado negou responsabilidade: "O fato de eventualmente ocorrerem condutas criminosas no interior de escolas não induz, necessariamente, à culpa do Poder Público", diz a defesa.

O relato não é composto só do depoimento das pessoas. "Não bastasse a inexistência de controvérsia acerca deste ponto, observo que a conduta dos menores, ao que consta, foi flagrada pelas câmeras que integram o sistema de segurança da escola, conferindo fidedignidade ainda maior à narrativa trazida na inicial", diz a sentença de primeira instância.

Falando da argumentação do Estado, a primeira instância concluiu que: "Embora a ré se esmere na tentativa de demonstrar a inexistência de omissão ilícita, certo é que a autora foi seriamente machucada por dois alunos dentro de seu local de trabalho enquanto regularmente ministrava aulas numa turma de ensino fundamental.” A desembargadora relatora, Flora Maria Nesi Tossi Silva, fez questão de negritar e grifar esse trecho no acórdão.

O Estado foi condenado a pagar R$ 30 mil a título de danos morais pela agressão, a angústia de poder ficar cega e o tratamento dolorido que durou meses.

Também se determinou a conversão da "licença médica" em "licença por acidente de trabalho". É pitoresco que esse fato, um reconhecido erro burocrático da escola, que não mandou um documento ao departamento de perícias, tenha chegado ao ponto de virar um processo judicial. Mais interessante ainda que se utilize argumentação sobre o conceito, como se ele fosse subjetivo. A lei do funcionalismo público de SP diz textualmente:

Artigo 194 - O funcionário acidentado no exercício de suas atribuições ou que tenha adquirido doença profissional, terá direito à licença com vencimento ou remuneração.

Parágrafo único - Considera-se também acidente a agressão sofrida e não provocada pelo funcionário, no exercício de suas funções

Justiça foi feita, ainda bem. Não sei se a professora teria entrado com a ação de danos morais caso o Estado lhe tivesse concedido a licença correta. Levando em conta a agressão, os ferimentos e a recuperação, será que era mesmo necessário transformar tudo numa batalha judicial com argumentos como os que vimos?

Imagino que 6 anos, a duração do processo, sejam uma eternidade para a professora agredida. Também sou obrigada a pensar quais as consequências do descaso sobre todas as pessoas que ficaram sabendo da história, sejam professores, funcionários, alunos ou a comunidade.

É muito triste que se lide com a violência escolar de forma que foi classificada pelo TJ-SP como "desídia", substantivo feminino que significa disposição para evitar qualquer esforço físico ou moral, ociosidade, preguiça, indolência, negligência, falta de zelo, desleixo.

É um único caso, muitos gostam de chamar isso de "isolado", mas o fato é que não há casos isolados, eles estão em um contexto que é impactado por eles. A burocracia existe para servir as pessoas e não como um fim em si mesma que nos deve subordinar a todos.

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