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Vamos parar de tentar salvar o Brasil – entrevista com Paulo Cruz
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Numa época em que todo mundo quer dar opinião mas pensar e respeitar parecem ser grandes esforços, meu desejo é que todos tivessem pelo menos um professor como o Paulo Cruz. Formado em Filosofia e mestre em Ciências da Religião, tem o dom de discutir temas polêmicos de olho no conhecimento e não na convergência de opiniões. Nessa entrevista, falamos de tudo um pouco: religião, evangélicos na política, racismo, movimento negro, agressividade na política, moral e família.

"Evangélico é o que está na TV, evangélico é aquele que aparece lá pedindo dinheiro. Então, conseguiram demonizar a coisa. Tem muita gente fazendo muita coisa boa e muita gente fazendo coisa ruim, mas aquilo que aparece é o que eles estão tentando rotular." - Paulo Cruz

Uma das grandes discussões dos últimos tempos tem sido a força dos evangélicos na política, mas a elite intelectual brasileira ainda não se dedicou a estudar o fenômeno e, muito menos, a multiplicidade de denominações e diferenças entre os cultos. Na cabeça de muita gente, é possível dividir as igrejas entre as tradicionais e as que pedem dinheiro, uma simplificação grosseira.

Paulo Cruz lembra que, após a Reforma Protestante, chegou a haver uma discussão sobre ter uma centralidade, uma autoridade como a da Igreja Católica ou deixar todos livres. A opção de Martim Lutero foi a de deixar todos livres, a prioridade era dar ao máximo possível de pessoas acesso ao texto da Bíblia, até então de certa forma controlado por uma estrutura centralizada.

Essa multiplicidade da forma de viver a religião se une, no Brasil, a questões sociais. As igrejas, com todos seus problemas, desempenham um papel social que já se entendeu como do Estado ou da família e acolhem a multiplicidade de contradições que habitam esses espaços. A estranheza do encontro entre evangélicos e política acontece principalmente diante da postura agressiva e de confronto de alguns cristãos, inclusive líderes.

Na igreja, a pessoa é de um jeito e age de uma forma completamente diferente nas redes sociais. Ou assume uma persona na igreja, ou assume na rede social ou assume uma persona nos dois espaços e não se revela inteiramente em nenhum.

"Qualquer pessoa que tem um perfil na rede social tenta ecoar o que está falando para os pares, para quem pensa como ela. E aí tem aquele negócio do seguidor, do like, do lacre, entende? Então a pessoa às vezes está atrás disso e na igreja não tem isso." - Paulo Cruz

Para o professor, esse contexto tem ainda um outro componente: ainda não sabemos lidar bem com as redes sociais. É uma novidade para nós tanto a tecnologia como a forma de relacionamento e, de alguma maneira, há quem tenha a ilusão de conseguir dividir a própria imagem, ser canalha na rede e santo no domingo na igreja. Principalmente nos debates políticos, a falta de conteúdo leva muita gente a carregar na forma para parecer que tem razão.

"Nós temos uma formação política no Brasil muito ruim, muito ruim. Pode parecer pretensioso o que eu vou dizer, mas o que a gente vê na discussão política é um monte de achismo, de preferência de clubinho, de time, politico-partidária, ideológica. Então tem pouca gente analisando as coisas, tem pouca gente olhando friamente para os fatos." - Paulo Cruz

O desconhecimento leva ao maniqueísmo e, muitas vezes, à submissão a um grupo. "Toda imprensa não presta, quem presta é o fulano", exemplifica ao defender que está na hora em parar de depositar tanta confiança em terceiros e em coisas que não tem nada a ver. "Nós, interiormente, temos que corrigir muita coisa. Vamos parar de tentar salvar o Brasil o tempo todo", argumenta. Os grupos têm sempre certezas absolutas, mas a certeza do que o outro precisa fazer para consertar a própria vida.

É meio por esse caminho que Paulo Cruz acabou arrumando encrenca com o movimento negro. Foi integrante na juventude, teve a fase dos protestos e de tentar arrumar briga com a polícia, mas mudou a visão quando começou a vida profissional e viu que seus problemas e anseios não tinham lugar dentro do movimento negro.

"O próprio movimento negro tem de ser uma coisa plural, uma coisa diversa, porque a gente consegue dialogar com muitos públicos diferentes inclusive" - Paulo Cruz

O professor diz que muita coisa mudou porque as pessoas já vêem na informação uma arma poderosa, não apenas na militância. Alunos do curso dele "O Brasil é um país racista?" dizem desconhecer o fato de que até os anos 1960 os negros brasileiros eram proibidos de se associar a clubes de lazer.

Mas, para ele, a discussão no Brasil fica muito ligada à questão dos direitos civis nos Estados Unidos, enquanto temos uma história diferente e uma necessidade mais premente: igualdade de oportunidades. Há muito foco em dizer que diversas coisas são racismo, em falar de racismo estrutural e em ter penalidades específicas para racismo, mas se enfia num mesmo balaio dois problemas diferentes.

"Para mim, o racismo é um processo consciente. O sujeito que é racista sabe que é. Ele não gosta de negro e ele sabe que não gosta e ele tem motivos para não gostar. Motivos não, loucuras da cabeça dele, mas ele te explica. Se você sentar com ele, ele te diz." - Paulo Cruz

Uma coisa é o ódio racial e a outra, muito mais comum, é o que o professor define como "imaginação moral". O caso, por exemplo, de alguém entrar num hospital, ver um homem negro de jaleco e automaticamente perguntar a ele onde está o médico. É um problema, é discriminação, mas não pode ser colocado no mesmo balaio do racista que tem ódio dos negros.

Para Paulo Cruz, precisamos nos voltar ao trabalho com a imaginação moral das crianças - a dos adultos foi forjada por novelas da Globo. Professor de adolescentes, ele explica que o peso da discriminação racial já é bem menor na geração que hoje tem por volta de 13 anos de idade. Explica que eles têm mais referências conscientes e inconscientes do papel dos negros na sociedade. Fomos de uma geração que viu "Escrava Isaura" à que viu "Pantera Negra", são universos diferentes.

Se é importante a questão cultural, a moral familiar é mais. "Eu nunca achei ruim ser negro, nunca não quis ser negro", conta Paulo Cruz. A força para debater e vencer obstáculos não vem de se imaginar no topo do sucesso social e econômico, vem de ser membro de uma família que ensina aos filhos ter orgulho de quem são e da própria cultura. União, acolhimento e alegria na família são cada vez mais importantes na era em que se busca a felicidade fingindo sucesso nas redes sociais.

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