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O cardeal-arcebispo de Bruxelas, Jozef de Kesel, em foto de 2017.
O cardeal-arcebispo de Bruxelas, Jozef de Kesel, em foto de 2017.| Foto: Philcotof/Wikimedia Commons

Em fevereiro de 2021, a então Congregação (hoje Dicastério) para a Doutrina da Fé respondeu com um “não” a uma questão (formalmente chamada de dubium) enviada ao Vaticano: “A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?” A nota explicativa, publicada com a aprovação do papa Francisco, lembra que bênçãos são um tipo específico de sacramentais, que por sua vez são “sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, são significados e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida”, como explica o Concílio Vaticano II. Portanto, “para ser coerente com a natureza dos sacramentais, quando se invoca a bênção sobre algumas relações humanas, é necessário – além da reta intenção daqueles que dela participam – que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça”. Justamente por isso, continua a nota, “não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”.

Discriminação? Certamente que não, diz a nota. “A declaração de ilicitude das bênçãos de uniões entre pessoas do mesmo sexo não é, e não quer ser, uma injusta discriminação, mas quer relembrar a verdade do rito litúrgico e de quanto corresponde profundamente à essência dos sacramentais, assim como a Igreja os entende”, afirma o cardeal Luis Ladaria, recordando o ensinamento da Igreja segundo o qual Deus ama as pessoas homossexuais tanto quanto quaisquer outras, e a Igreja lhes pede o mesmo que pede a qualquer pessoa que não esteja em um matrimônio, ou seja, uma vida de castidade. A resposta do Vaticano, aliás, “não exclui que sejam dadas bênçãos a indivíduos com inclinação homossexual, que manifestem a vontade de viver na fidelidade aos desígnios revelados de Deus, assim como propostos pelo ensinamento eclesial”.

Tudo bem explicadinho, sem ambiguidade alguma, mais direto impossível. Mas não é que os bispos da região de Flandres (a “metade holandesa” da Bélgica) e o cardeal-arcebispo de Bruxelas resolveram fingir que a resposta vaticana não existe? Eles decidiram montar um rito completinho de bênção para relacionamentos homoafetivos, usando em sua defesa trechos da exortação pós-sinodal Amoris Laetitia – que, aliás, é citada também na resposta da Congregação para a Doutrina da Fé, já que no ponto 251 Francisco afirma que “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”.

Enquanto puderem, bispos como os de Flandres continuarão jurando fidelidade ao papa e à Igreja, enquanto no dia a dia vão trabalhando para esconder a doutrina até que ela seja ignorada e esquecida

Para tentar contornar a proibição vaticana, o documento belga permite que leigos conduzam esse momento de oração, o que tecnicamente não faria dele um sacramental, mas convenhamos, a intenção continua a ser de “aprovar e encorajar uma escolha e uma praxe de vida que não podem ser reconhecidas como objetivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados”, justamente aquilo que o Vaticano proíbe. Além disso, segundo o jornal católico britânico The Tablet, a pessoa escolhida para ser um “ponto de contato” interdiocesano com a população LGBT afirmou sem rodeios a um jornal católico holandês que a palavra zegenwens, usada no documento, deve ser entendida como bênção, sim senhor. O pior é que os próprios belgas estão admitindo que já faziam isso. Ainda de acordo com o The Tablet, um teólogo da Universidade Católica de Louvain disse a um canal de tevê belga que os bispos estão apenas oficializando o que muitos deles já faziam às escondidas.

“Isso ainda vai terminar em cisma”, alguns poderão pensar. Continuo achando que não vai, e expliquei o motivo em uma das minhas colunas sobre o “caminho sinodal alemão”. Quem faz isso não está interessado em se separar da Igreja; se fosse assim, era fácil, bastava pular fora e se juntar a qualquer outra comunidade eclesial que já faça essas bênçãos, casamentos, o que for. A verdadeira intenção é demolir o ensinamento católico para que já não sobre ninguém proclamando a verdade sobre o matrimônio e a família; e para isso é preciso continuar do lado de dentro, não do lado de fora. Enquanto puderem, esses bispos continuarão jurando fidelidade ao papa e à Igreja, enquanto no dia a dia vão trabalhando para esconder a doutrina até que ela seja ignorada e esquecida.

Falando em “caminho sinodal”, os belgas não estão sozinhos nessa; os alemães chegaram a fazer um “bençaço”, “benzaço”, sei lá eu como chamar um “mutirão” de cerimônias para uniões homoafetivas feito poucos meses depois de o Vaticano publicar aquela resposta. Bom, eu podia jurar que essa fase de ouvir uma proibição direta, e depois ir lá e fazer exatamente o contrário, olhando para trás com uma risadinha, acabava por volta dos 2, 3 anos de idade. Acho que não era bem isso o que Jesus tinha em mente quando disse que devíamos ser como crianças.

A péssima geração brasileira

Dias atrás, tivemos o tal evento da “Economia de Francisco”, em Assis, que contou com a presença do próprio papa. A delegação brasileira, pelo que soube, foi uma das maiores, mas queria muito saber de quem foi a ideia de levar pessoas que com toda a certeza acabariam politizando o evento, como a ex-presidente da UNE Carina Vitral, candidata a deputada estadual em São Paulo pelo PCdoB, e Renato Freitas, nosso vereador de Schrödinger, que pode estar ou não cassado, dependendo da decisão que está prevalecendo no momento. Acho sensacional que se tente engajar novas lideranças na construção de uma economia mais baseada na Doutrina Social da Igreja, mas qualquer pessoa da Comunhão Popular, por exemplo, estaria mais apta a essa tarefa que a dupla mencionada.

A líder estudantil e candidata, ainda por cima, usando uma camiseta de campanha do ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado (como a Gazeta o descreve nos seus editoriais) Lula, foi lá tirar foto com o papa e ainda puxou grito de guerra – há fotos e vídeos, que o leitor pode encontrar na internet, eu é que não vou poluir a coluna com isso. Uma pena que o papa tenha deixado isso ocorrer dessa forma, mas erro muito maior é o de quem se aproveita da fé para propósitos políticos (especialmente quando tais propósitos batem de frente com o ensinamento católico) e, como tartaruga não sobe em árvore sozinha, também de quem organizou o evento, fez os convites a quem não os merecia e permitiu todo esse espetáculo deprimente.

Se o padre Júlio Lancellotti não acha que Santa Marina era um homem trans, menos mal. Mas, se é assim, por que ele não deixou isso explícito logo que o assunto apareceu?

Padre Júlio Lancellotti volta a falar sobre documentário que retrata santa como transexual

Horas depois de a coluna da semana passada ter sido publicada, a jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, trouxe a queixa do padre Júlio Lancellotti a respeito das críticas sofridas por sua participação como narrador do documentário curta-metragem São Marino, que retrata Santa Marina como transexual. O sacerdote, que até então vinha evitando falar sobre o tema, afirmando que a nota da Arquidiocese de São Paulo era a palavra final sobre o assunto, se defendeu afirmando que também não abraça a tese do filme sobre a santa. “Nunca falei que a santa era LGBT (...) A minha narração é a narração oficial da história da Santa Marina (...) O documentário que vai fazer as suas interpretações, que não são minhas. O que eu relato é a vida oficial dela (...) Eu não falei nada diferente disso”, diz o padre – mas é ele quem aparece no trailer do documentário afirmando que “Marino foi canonizado como Santa Marina”, não é?

Se ele não acha que Santa Marina era um homem trans, menos mal. Mas, se é assim, por que ele não deixou isso explícito logo que o assunto apareceu? O padre se compara à própria santa, vítima de calúnia, mas, ao contrário dela, que havia feito uma promessa de não revelar sua verdadeira identidade, ele podia muito bem ter dito lá atrás que não endossava a interpretação adotada pela documentarista, e teria evitado muitos mal-entendidos. O padre Lancellotti ainda se queixou de que “O que fica sendo veiculado é que ‘padre narra história de santa trans’”; bom, aí ele que reclame com a colunista que escolheu para ser sua porta-voz, porque foi a própria Monica Bergamo quem tascou como título de sua primeira coluna sobre o tema “Padre Julio Lancellotti vai narrar curta sobre santa trans”, abrindo o texto com a frase “O padre Julio Lancellotti estreará como narrador em um curta-metragem que trata Santa Marina como uma figura LGBTQIA+”.

Repare o leitor que eu disse muitos mal-entendidos, mas não todos. Porque ainda segue cheirando mal essa participação. A diretora do documentário, Leide Jacob, deixa claro em suas entrevistas que o documentário não se limita a expor interpretações díspares sobre a vida de Santa Marina; o filme defende com vigor uma dessas interpretações e trata como farsa aquilo que o sacerdote narrou. Se o padre Lancellotti sabia disso desde o início, então ele pode reclamar o quanto quiser, mas sua presença no que acaba sendo uma calúnia contra a santa foi totalmente imprópria. Se não sabia e ficou sabendo depois, sempre haveria a opção de se desvincular do projeto, pedindo para outra pessoa refazer suas narrações, por exemplo. Se não fez isso, é como eu disse semana passada, independentemente do que ele realmente pense sobre Santa Marina, ele acaba emprestando seu prestígio a uma obra de desmoralização da Igreja.

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