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O bispo Georg Bätzing, um dos líderes do “caminho sinodal” alemão.
O bispo Georg Bätzing, um dos líderes do “caminho sinodal” alemão.| Foto: Synodaler Weg/Maximilian von Lachner

Os bispos alemães fizeram sua visita ad limina na semana passada, levando ao Vaticano todas as maluquices do seu “caminho sinodal”. Segundo o Crux, em vez de encontros separados com os chefes de cada dicastério romano, como é o costume dessas visitas de bispos a Roma, desta vez houve um evento único com a participação de todos os departamentos da Cúria; só o papa Francisco não participou, pois já havia encontrado os bispos alemães na véspera.

De acordo com o informe divulgado pelo Vaticano na sexta-feira, o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, falou do risco de o caminho sinodal alemão levar a uma reforma da Igreja, não uma reforma na Igreja; depois, os prefeitos dos dicastérios para a Doutrina da Fé, cardeal Luis Ladaria, e para os Bispos, cardeal Marc Ouellet, também expuseram suas preocupações a respeito do que vinha sendo feito na Alemanha. Eles propuseram que as solicitações tresloucadas dos alemães fossem incorporadas ao tal “sínodo sobre a sinodalidade”, em vez de um processo próprio, e finalmente surgiu a ideia de uma moratória no caminho sinodal alemão, que os alemães negaram.

Em resumo, ninguém conseguiu nada: nem os alemães receberam o endosso do Vaticano às suas ideias, nem o Vaticano conseguiu frear a loucura coletiva que parece ter tomado conta da Igreja na Alemanha, com algumas notáveis exceções que ainda mantêm a cabeça no lugar.

Tempos atrás, um amigo me recomendou a leitura de um artigo que, segundo ele, explicaria a diferença de tratamento que o papa Francisco concede aos tradicionalistas em comparação com as dissidências “progressistas” (muito entre aspas) que se espalham pela Igreja. Em “The limits of dialogue”, Austen Ivereigh recupera um texto antigo do então padre Jorge Bergoglio, escrito nos anos 90 e chamado “Corrupção e pecado”. “O pecador – mesmo quando não está pronto para se arrepender – sabe que é pecador e anseia por lançar-se na misericórdia divina. Essa é a diferença crucial: o pecador, ainda que de forma obscura e inconsciente, permanece aberto à graça, enquanto o corrupto nega ser pecador. Absorvidos por seu orgulho, eles se fecham à possibilidade da graça”, diz Ivereigh, descrevendo o pensamento do atual papa. E, enquanto o remédio para o pecador é a misericórdia, o remédio para o corrupto é ser colocado “em crise”. Para os tradicionalistas, isso teria ocorrido com Traditiones custodes.

Mas não parece que os sinodais alemães estão também indo por esse caminho? Eles julgam que, em relação à doutrina moral, são eles que estão certos enquanto a Igreja está errada, e que essa doutrina tem de ser reformada para cumprir melhor o desejo divino para a humanidade. Se Ivereigh estiver certo e aquele texto de Bergoglio for realmente a chave para entender como o papa lida com dissidências, deve estar próximo o momento de submeter os alemães à mesma “crise” aplicada aos tradicionalistas. Dicastérios vaticanos já avisaram que o caminho não era por ali, o próprio papa avisou que o caminho não era por ali, e eles não ouviram. Insistem em sua convicção de serem eles os autênticos “entendedores” de como os preceitos evangélicos devem ser aplicados à doutrina moral. Já não estamos diante do pecador consciente do seu erro. Em nome da coerência, os alemães merecem seu “momento Traditiones custodes”.

Nem os alemães receberam o endosso do Vaticano às suas ideias, nem o Vaticano conseguiu frear a loucura coletiva que parece ter tomado conta da Igreja na Alemanha

José Gomez terá um bom sucessor à frente da USCCB

Timothy Broglio, presidente eleito da conferência episcopal norte-americana, em foto de 2005, quando era núncio apostólico na República Dominicana. Foto: Orlando Barría/EFE
Timothy Broglio, presidente eleito da conferência episcopal norte-americana, em foto de 2005, quando era núncio apostólico na República Dominicana. Foto: Orlando Barría/EFE

A conferência episcopal católica norte-americana se reuniu em Baltimore na semana passada e elegeu sua nova cúpula para os próximos três anos. Normalmente, o voto para presidente é mera formalidade, porque o atual vice-presidente costuma ser o eleito. Mas o arcebispo Allen Vigneron, de Detroit, completará 75 anos antes de o próximo triênio acabar, e portanto estava inelegível. Isso deixou o campo aberto para que os bispos indicassem dez candidatos, a maioria deles de tendência mais conservadora.

Após três rodadas de votação, o eleito foi o arcebispo Timothy Broglio, que está à frente do equivalente norte-americano do nosso Ordinariato Militar. Não foi uma surpresa – ele tinha perdido a disputa pela vice-presidência para Vigneron três anos atrás. Eu não o conhecia, e minha pesquisa rápida indica que o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, deixa a USCCB em boas mãos. Broglio se posicionou a favor da objeção de consciência no caso das vacinas contra a Covid-19 que utilizam linhagens celulares oriundas de fetos abortados (algo de que tratei extensivamente em meu blog de ciência e fé, o Tubo de Ensaio), criticou políticas identitárias dentro das forças armadas dos Estados Unidos, e é criticado pelos “progressistas” por focar demais em temas como a defesa da vida e da noção tradicional de casamento.

Outra boa notícia é que o vice-presidente eleito também pende mais para o lado conservador: o arcebispo William Lori, de Baltimore. A má notícia é que Lori tem 71 anos e, daqui a três anos, estará na mesma situação em que Vigneron está agora: um vice-presidente que não poderá ser eleito presidente porque está perto da idade de aposentadoria. Ou seja, em 2025 teremos um cenário muito parecido com a atual, e provavelmente haverá vários candidatos ao posto mais importante da conferência. E, se projetarmos para a próxima eleição o que acabou de acontecer, temos de olhar para o perdedor da disputa pela vice-presidência: Kevin Rhoades, bispo de Fort Wayne-South Bend.

Pelo que pesquisei, Rhoades é o principal autor de um documento recente da USCCB sobre a Eucaristia que está muito bem escrito, expondo com clareza a doutrina da Igreja sobre o sacramento, afirmando explicitamente que quem está em estado de pecado mortal não pode receber a comunhão, precisando da reconciliação com Deus por meio da confissão. O documento não entra em questões específicas, como a de divorciados em nova união civil ou de políticos defensores do aborto, mas o texto dá subsídio suficiente para alguém juntar os pontos e chegar às conclusões óbvias. Se Rhoades acabar eleito em 2025, deverá representar uma continuidade bem-vinda para a liderança do episcopado norte-americano.

E se dom Hélder Câmara for mesmo canonizado?

A catolicosfera conservadora está rasgando as vestes a respeito da continuação do processo de canonização de dom Hélder Câmara, que foi arcebispo de Olinda e Recife. A catolicosfera “progressista” já botou o carro na frente dos bois e chegou a afirmar que ele tinha sido declarado “venerável”, o que ainda está longe de acontecer, pois exige a aprovação, em Roma, do decreto de virtudes heroicas.

Eu prefiro suspender meu juízo. Muito do que li sobre dom Hélder se baseia num “dossiê” de um site chamado Corrispondenza Romana e que traz coisas realmente assustadoras, mas que em vários casos carecem de fontes primárias que exigiriam uma pesquisa mais aprofundada. O que eu sei é que, se o que está lá for verdade, em algum momento o Espírito Santo intervirá e impedirá que a Igreja eleve dom Hélder à glória dos altares. Mas, se ele for canonizado, por mais choro e ranger de dentes que ocorra, o fato é que nas canonizações também está empenhada a infalibilidade papal; você pode não adotá-lo como santo de devoção, se for sacerdote pode escolher não celebrar sua memória se for facultativa, só não pode dizer que a Igreja ou o papa erraram. De qualquer maneira, ainda tem muita água a passar por baixo dessa ponte.

Se o que se diz sobre a adesão de dom Hélder Câmara à esquerda radical for verdade, em algum momento o Espírito Santo intervirá e impedirá que a Igreja o eleve à glória dos altares

Respondendo a leitores

Na minha coluna da semana passada, alguns leitores fizeram comentários que eu julgo merecedores de um esclarecimento. Um comentarista que se identifica apenas como “CSC” disse que “abortistas não vão numa fila da Eucaristia, a não ser que tenham se arrependido”. Na verdade, vão sim, especialmente se forem políticos em campanha desesperados pelo voto católico, como fez a Manuela D’Avila em 2018. Não duvido, por exemplo, que as militantes “pelo direito de decidir” também entrem na fila da comunhão.

O que nos leva ao comentário da Clarissa Battistin: “Quem é católico sabe que os sacerdotes não podem negar a eucaristia a ninguém. Apenas podem orientar, mas não podem negar se o ‘pecador’ entra na fila da comunhão”. Na verdade, podem e devem. Diz o cânon 915 do Código de Direito Canônico que “não sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto”, e é tarefa do padre ou bispo celebrante cuidar para que essa regra seja cumprida. Já citei aqui a orientação do Vaticano, redigida pelo então cardeal Joseph Ratzinger, aos bispos dos Estados Unidos em 2004:

“Quando a cooperação formal de uma pessoa se torna evidente (entenda-se, no caso de um político católico, sua consistente defesa e votos em favor de leis permissivas sobre aborto e eutanásia), seu Pastor deve procurá-lo, instruí-lo sobre o ensinamento da Igreja, informá-lo de que ele não deve se apresentar para receber a Sagrada Comunhão até que encerre essa situação objetiva de pecado, e avisá-lo de que ele terá negada a Eucaristia. ‘Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito (...), o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la’.” (o destaque é meu)

Há inúmeras razões para isso, mas destaco duas: o padre tem a obrigação de zelar para que a Eucaristia seja tratada com dignidade; e, como nos diz a Escritura, comer indignamente o Corpo de Cristo é comer a própria condenação – ou seja, o padre ou bispo está cuidando do pecador público ao negar-lhe a comunhão, impedindo que ele afunde ainda mais no pecado. Pode ser desagradável, pode causar problemas se envolver alguma personalidade pública, mas é como está nos Atos dos Apóstolos, é mais importante obedecer a Deus que aos homens.

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