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Interior da igreja da Virgem de Begoña, na China, construída por franciscanos espanhóis antes da tomada do poder pelos comunistas.
Interior da igreja da Virgem de Begoña, na China, construída por franciscanos espanhóis antes da tomada do poder pelos comunistas.| Foto: Javier García/EFE

A essa altura do campeonato, até os muros dos palácios do Vaticano já se convenceram de que o acordo com a China se mostrou um fiasco total – a não ser, claro que você se chame Pietro Parolin ou tenha algo a ganhar com a manutenção das coisas como estão. A liberdade religiosa não avançou um milímetro para os católicos que desejam estar em comunhão com o papa, e não com o Partido Comunista Chinês. E a ditadura de Xi Jinping não pensa duas vezes antes de passar por cima do que quer que tenha sido acertado com a Santa Sé.

Ainda que os termos exatos do acordo continuem sendo mantidos sob sigilo, sabe-se, do pouco que foi oficialmente divulgado, que China e Santa Sé não recorreriam ao unilateralismo completo na nomeação ou transferência de bispos, em uma tentativa de criar pontes entre a Igreja Católica real, aquela submetida a Roma, e a tal Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC), que responde ao governo. No entanto, Pequim, além de seguir adiante com a perseguição aos católicos que não se ajoelham no altar de Mao Tse-Tung, prendendo padres e bispos e destruindo igrejas, não está cumprindo sua parte nem mesmo naquilo que ficou público a respeito do acordo.

Ou o acordo é ruim em si mesmo, ou Pequim o está desrespeitando na cara dura. Em ambos os casos, não há como simplesmente dizer “continua-se para diante”

Em novembro do ano passado, monsenhor Giovanni Peng Weizhao, que foi nomeado bispo de Yujiang pelo papa Francisco em 2014 e ficou preso por seis meses naquele mesmo ano, foi “transferido” para a “diocese” de Jiangxi – uso aspas porque Jiangxi é uma circunscrição não reconhecida por Roma; é coisa da APCC –, onde passou a ser bispo auxiliar sob as ordens de Pequim. Tudo isso sem que o Vaticano, o papa ou o Dicastério para os Bispos fosse consultado. A resposta da Santa Sé foi deprimente: manifestou “surpresa e pesar”, afirmou que Peng foi pressionado duramente pelas autoridades locais, e disse esperar “que episódios semelhantes não se repitam”. E pronto. Um mês depois da renovação do acordo, os chineses mostravam quem mandava.

Quem vê o copo meio cheio vai dizer que pelo menos o Vaticano reclamou publicamente, porque quando os “episódios semelhantes” se repetiram nem mesmo isso ocorreu. Agora, no comecinho de abril, Shen Bin, até então bispo de Haimen, tomou posse na diocese de Xangai, que estava vacante desde 2014 – desde então, a diocese ficou apenas com um bispo auxiliar, Thaddeus Ma Daquin, em prisão domiciliar desde 2012. Mais uma vez, sem o aval do Vaticano para a transferência (menos mal que agora as duas dioceses envolvidas são reconhecidas por Roma); no entanto, em vez de acusar a reincidência, a Santa Sé baixou o tom. Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa vaticana, apenas disse que Roma havia sido comunicada (vejam bem: comunicada, não consultada) alguns dias antes, mas que soube da posse apenas pela imprensa; fora isso, não havia mais nada a comentar.

Se a coisa está assim no topo, imaginem nas bases. E os católicos chineses realmente estão muito encrencados, porque continuam na clandestinidade, sendo perseguidos pelo regime comunista e vendo seus templos demolidos, com uma crueldade adicional, pois agora a máquina de propaganda de Xi Jinping pode acusar esses católicos (injustamente, claro) até mesmo de estar contrariando o papa, que afinal de contas assinou um acordo com o governo, não foi? O pior é que não faltou quem, como o cardeal Joseph Zen, avisasse o Vaticano sobre o erro que seria tentar o apaziguamento com um regime completamente hostil à religião, um regime que, se não consegue eliminar uma fé, faz o que pode para cooptá-la.

Três dias depois de o acordo ter sido assinado, em setembro de 2018, o papa Francisco falou sobre o tema enquanto voltava dos países bálticos. “A escolha faz-se em diálogo; mas a nomeação é de Roma; a nomeação é do papa. Isto é claro”, disse o pontífice. Mas agora Xi Jinping cola um enorme #sóquenão em cima desse comentário. “Quando se faz um acordo de paz ou uma negociação, ambas as partes perdem algo. Esta é a regra: ambas as partes... E continua-se para diante”, havia dito Francisco antes desse comentário sobre a nomeação. Pois ainda estamos esperando para ver o que a China perdeu com este acordo, porque até agora aparentemente só os católicos fiéis a Roma é que perderam. A situação da Igreja na China preocupou muitos papas antes de Francisco, todos eles incapazes de encontrar uma boa saída. Que, apesar de todos os avisos, lá em 2018 Francisco tivesse esperança de que este acordo finalmente desataria o nó é compreensível, mas quase cinco anos depois, olhando o que realmente aconteceu, não há como manter as coisas como estão. Como eu disse tempos atrás, ou o acordo é ruim em si mesmo, ou Pequim o está desrespeitando na cara dura. Em ambos os casos, não há como simplesmente dizer “continua-se para diante”.

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