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Milhões de jovens participaram, na Praia de Copacabana, da missa de envio da Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro.
Milhões de jovens participaram, na Praia de Copacabana, da missa de envio da Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro.| Foto: Sebastião Moreira/EFE

“Nós não queremos converter os jovens a Cristo, nem à Igreja Católica, nem nada disso, absolutamente.” Foi o que o bispo auxiliar de Lisboa, dom Américo Aguiar, disse no último dia 6 à emissora de televisão portuguesa RTP em uma entrevista sobre a Jornada Mundial da Juventude, que ocorre ao longo da próxima semana na capital portuguesa. O bispo, que é o presidente da Fundação JMJ – na prática, o responsável pela organização da Jornada –, ainda acrescentou: “Nós queremos é que seja normal que o jovem cristão católico diga e testemunhe que o é; que o jovem muçulmano, judeu ou de outra religião também não tenha problemas em dizer que o é e o testemunhar; aquele jovem que não confessa religião nenhuma se sinta à vontade e não se sinta estranho porventura porque é assim ou é de outra maneira, e que todos entendamos que a diferença é uma riqueza”.

Veja aqui a íntegra da entrevista; como não consegui incorporar esse vídeo aqui na coluna, segue também o trecho em questão, destacado por uma página católica (e que está no minuto 19:30 da íntegra):

Obviamente, é o tipo de declaração que causou justa indignação em muitos meios católicos; para se defender, dom Américo afirmou que a frase havia sido “tirada de contexto” – a explicação padrão em quase 100% desses casos, mas que sinceramente não cola muito diante do que ele mesmo reafirmou ao site ACI Digital, que procurou o bispo. “A JMJ nunca foi, não é, nem deverá ser um evento para proselitismos, antes pelo contrário, é e deve ser sempre, uma oportunidade para nos conhecermos e respeitarmos como irmãos (...) A Igreja não impõe, propõe. Que bom estarmos todos disponíveis para dar testemunho de Cristo Vivo e confiar na transformação que só Cristo Vivo consegue operar nas nossas vidas (...) “a conversão acontece pelo testemunho, não pela imposição”, afirmou dom Américo.

É o tipo de frase que mistura uma das maiores verdades sobre a evangelização – a de que a fé não pode, jamais, ser imposta – com uma série de equívocos, motivados talvez pelo uso mais pejorativo da palavra “proselitismo”. O termo, hoje, deixou de descrever simplesmente o esforço para levar Cristo e o Evangelho ao maior número possível de pessoas para descrever uma evangelização feita com coerção, agressão, insistência, arrogância ou sei lá mais o quê. É com esse último sentido, por exemplo, que o papa Francisco emprega a palavra. E, de fato, se formos entender “proselitismo” dessa forma, está certo o papa como está certo dom Américo ao dizer que a JMJ não é lugar para proselitismo. Mas vamos deixar de lado a semântica para fazer a pergunta que realmente importa: a Jornada Mundial da Juventude é uma ocasião para que os jovens católicos reforcem sua fé e a compartilhem com irmãos do mundo tudo, mas a JMJ pode/deve ser usada também para evangelizar os não católicos?

É triste ouvir que o bispo responsável pela JMJ de Lisboa queira simplesmente abrir mão de algo que foi uma ordem dada por Cristo aos apóstolos

Aqui, deixo ao leitor o sensacional texto de dom Antônio Carlos Rossi Keller, bispo de Frederico Westphalen (RS), que foi direto à fonte: os textos de São João Paulo II, o criador da Jornada Mundial da Juventude. Reparem nos itens 2 e 3, cujo alcance não se limita aos jovens católicos participantes. “São João Paulo II estava comprometido com a missão de levar a mensagem do Evangelho a todas as pessoas, especialmente aos jovens, que são considerados o futuro da Igreja. Ele acreditava que as Jornadas Mundiais da Juventude seriam uma poderosa ferramenta de evangelização, pois proporcionariam aos jovens a oportunidade de experimentar uma comunidade de fé global, testemunhar a unidade da Igreja Católica, vivenciar um encontro pessoal com Jesus e ouvir as palavras do papa, que é considerado o sucessor de Pedro”, escreve dom Keller, acrescentando que “O encontro com outros jovens católicos, a celebração da Eucaristia e a participação em momentos de oração e catequese durante as Jornadas Mundiais da Juventude ajudavam a fortalecer a identidade católica dos participantes, bem como oferecer um momento de evangelização para os eventuais jovens não católicos participantes” (destaques meus). Tudo isso, repetindo, está presente nos discursos e homilias do papa polonês, que esteve em nove edições da JMJ, desde Roma-1986 até Toronto-2002.

É triste ouvir que o bispo responsável pela JMJ de Lisboa – e que, aliás, acaba de ser nomeado cardeal – queira simplesmente abrir mão de algo que foi uma ordem dada por Cristo aos apóstolos (dos quais dom Américo é sucessor): “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mt, 28,19), uma frase que Bento XVI escolheu, vejam a ironia, para lema da JMJ do Rio de Janeiro, em 2013. A Jornada é um momento para que os jovens católicos “recarreguem as baterias” para bem evangelizar depois? Certamente que sim, e não é à toa que a celebração final de toda JMJ se chame “missa de envio”. Mas também é a chance de os não católicos testemunharem a vibração de nossa Igreja e alimentarem a curiosidade de conhecer “a razão de nossa esperança”, como diz São Pedro em sua primeira carta. A estes, não se deve responder que não, que fiquem bem onde estão, na religião que escolheram; isso seria sonegar-lhes a maior riqueza que podemos lhes oferecer. Cumpramos a ordem que Cristo deu, sempre “com suavidade e respeito”, aconselha-nos ainda São Pedro na mesma passagem.

Por mais que governos petistas por aí queiram classificar a evangelização como “discurso de ódio”, pregar a verdade e desejar que as pessoas abracem a fé verdadeira nada tem de desrespeito – embora, é verdade, isso possa ser feito desrespeitando as pessoas cuja conversão esperamos. É a agressão às pessoas que temos de evitar; de resto, rezar e agir para que elas encontrem e amem a Cristo é nossa obrigação e não podemos abrir mão dela em nome de uma mentalidade que, disfarçada de tolerância, quer mesmo é abolir o princípio da não contradição, tornando todas as crenças igualmente verdadeiras – a esse respeito, recomendo muito uma série de três artigos do também colunista Guilherme de Carvalho, que vocês podem conferir abaixo (com uma recomendação bônus):

Rezemos, então, para que a JMJ ofereça, para os católicos que forem a Lisboa, a chance de uma vivência intensa da fé; e, para os não católicos, uma oportunidade ímpar de se aproximarem da fé católica, encontrando jovens prontos a evangelizar com alegria e respeito, sem se deixar dominar por respeitos humanos.

Atualização

A coluna foi atualizada com o link para a íntegra da entrevista no site da RTP.

Atualizado em 26/07/2023 às 12:21
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