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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Liturgia

A beleza que evangeliza e enche os olhos e os ouvidos

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Funeral do papa Francisco teve latim, canto gregoriano e cerimonial tradicional das igrejas católicas orientais. (Foto: Fabio Frustaci/EFE/EPA)

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Acabei de assistir, pela internet, à sétima missa dos Novemdiales, celebrada na Basílica de São Pedro. Cada dia dessa série de nove missas é dedicada a um grupo especial, e hoje era a vez das igrejas católicas orientais. No entanto, por uma razão que eu nem consigo imaginar, a missa toda foi celebrada... no rito latino! Os únicos elementos que remeteram aos ritos orientais foram os cantos, e olhe lá, porque o chamado “ordinário” (Kyrie, Gloria, Sanctus, Agnus Dei) também foi todo em latim. Em 2005, quando João Paulo II morreu, também houve uma missa de Novemdiales para as igrejas orientais; o celebrante foi o patriarca maronita de Antioquia, Pierre Nasrallah Sfeir, e, se a memória não me falha, o rito usado foi o maronita.

Não sei se o leitor já teve a oportunidade de ir a uma missa (ou, mais exatamente, Divina Liturgia) em rito oriental. Se nunca foi, vá, porque é uma experiência enriquecedora para os olhos e para os ouvidos. Em Curitiba temos a sede da eparquia ucraniana no Brasil, e quando me mudei de São Paulo, em 2004, minha primeira missa na nova cidade foi na catedral ucraniana de São João Batista. Não é apenas bonito (e já bastaria se fosse só isso, porque a beleza evangeliza); é também um testemunho da riqueza e da universalidade da Igreja.

“Bonito” é o mesmo adjetivo que eu uso para descrever a missa de corpo presente do papa Francisco, no último sábado, e tenho certeza de que muitos, se não todos, dos que também assistiram pensaram a mesma coisa. Quem quer que tenha sido responsável por organizar aquela missa – provavelmente o arcebispo Diego Ravelli, atual mestre de celebrações litúrgicas pontifícias, tendo substituído o grande Guido Marini – se lembrou do que o papa Francisco havia escrito em Desiderio desideravi: “todos os aspetos do celebrar devem ser cuidados (espaço, tempo, gestos, palavras, objetos, vestes, canto, música, …) e todas as rubricas devem ser observadas”. De fato, colocaram muito cuidado ali.

Se queremos ser totalmente fiéis ao que o Magistério da Igreja nos indica, não custa nada recuperar o uso do latim, aos pouquinhos que seja

Uma parte desse cuidado, observo, foi a proeminência da língua oficial da Igreja, o latim. Pouquíssimas partes da missa de sábado passado foram feitas em vernáculo, como as leituras e a oração dos fiéis; tivemos também o Kyrie em grego, e a parte da encomendação do corpo que coube aos patriarcas, arcebispos maiores e metropolitas das igrejas orientais, incluindo o tropário pascal grego Christos Anesti. Fora isso, a missa toda foi em latim, incluindo hinos tradicionalíssimos como o introito Requiem aeternam e a antífona In paradisum, o que lhe conferiu mais solenidade e, sendo a “língua comum” da catolicidade (ainda que sejam muitos poucos os católicos que a compreendam hoje), também traz consigo um senso de unidade.

Pouca gente lembra que o Concílio Vaticano II, no número 36 da Sacrosanctum Concilium, pediu explicitamente que o latim conservasse lugar de destaque na liturgia de rito latino, ainda que se concedesse mais espaço aos idiomas locais, especialmente na liturgia da palavra. Menos gente ainda se lembra que João XXIII, o mesmíssimo papa que convocou o concílio, escreveu uma constituição apostólica toda sobre o uso e a promoção do latim, a Veterum sapientia. “A Sé Apostólica sempre procurou conservar com zelo e amor a língua latina, e a julgou digna de usá-la como esplêndida roupagem da doutrina celestial e das Leis Santíssimas, e no exercício de seu sagrado magistério, e de fazer com que seus ministros a usem”, disse o papa, citando ainda Pio XI, para quem “a Igreja, abraçando em seu seio a todas as nações, e estando destinada a durar até o fim dos séculos, exige por sua própria natureza uma língua universal, imutável e não popular”.

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Reparem que essa é uma discussão que não tem absolutamente nada a ver com missa tridentina, porque o latim também é o “idioma oficial” do Novus Ordo. Se queremos ser totalmente fiéis ao que o Magistério da Igreja nos indica, não custa nada recuperar o uso do latim, aos pouquinhos que seja. “As pessoas não entendem / não conseguem acompanhar” – bom, digam isso pra multidão que cantou o Pater noster na Praça de São Pedro. É uma questão de hábito, e de sabermos empregar as ferramentas que temos à disposição, como missaizinhos bilíngues. Ninguém está propondo que todas as missas da paróquia agora tenham de ser em latim; de início, nem mesmo uma única missa inteira precisa ser em latim, e poderíamos começar apenas pela oração eucarística, que é o momento mais importante e solene. E, aproveitando o embalo, por que não começar a introduzir um pouquinho de canto gregoriano também, já que ele tem “o primeiro lugar” na liturgia, também de acordo com o Vaticano II?

No sábado passado, para o desgosto daqueles que desejam rebaixar o culto divino, simplificando-o e empobrecendo-o até onde for possível, o mundo inteiro foi exposto à beleza e ao poder catequético de uma liturgia bem celebrada, que privilegiou e o idioma oficial da Igreja e o seu canto próprio. Vamos desperdiçar essa oportunidade?

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