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Dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília, é um dos 21 novos cardeais nomeados pelo papa Francisco.
Dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília, é um dos 21 novos cardeais nomeados pelo papa Francisco.| Foto: Facebook/página oficial Arquidiocese de Brasília

Ao fim do Regina Coeli de ontem, o papa Francisco surpreendeu com o anúncio de um consistório para o fim de agosto – uma época incomum para as reuniões entre o papa e os cardeais, mas que o pontífice escolheu para analisar a reforma da Cúria, que começa a vigorar no próximo domingo. Além disso, Francisco ainda anunciou os nomes de 21 novos cardeais, que receberão o barrete vermelho na ocasião. Os brasileiros dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus (AM), e dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília (DF), estão entre os escolhidos do papa.

Quem são os novos cardeais

Os 16 escolhidos com menos de 80 anos, e que portanto podem participar de um próximo conclave, são:

  • Adalberto Martínez Flores, arcebispo de Assunção (Paraguai)
  • Anthony Poola, arcebispo de Hyderabad (Índia)
  • Arthur Roche, inglês, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos
  • Fernando Vérgez Alzaga, espanhol, presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano e presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano
  • Filipe Neri António Sebastião of Rosário Ferrão, arcebispo de Goa e Damão (Índia)
  • Giorgio Marengo, prefeito apostólico de Ulaanbaatar (Mongólia)
  • Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha (França)
  • Lazzaro You Heung-sik, sul-coreano, prefeito da Congregação para o Clero
  • Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus
  • Oscar Cantoni, bispo de Como (Itália)
  • Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília
  • Peter Okpaleke, arcebispo de Ekwulobia (Nigéria)
  • Richard Kuuia Baawobr M. Afr, bispo de Wa (Gana)
  • Robert Walter McElroy, bispo de San Diego (EUA)
  • Virgílio do Carmo da Silva, arcebispo de Díli (Timor Leste)
  • William Goh Seng Chye, arcebispo de Cingapura (Cingapura)

Francisco nomeou, ainda, outros cinco cardeais acima de 80 anos, dois dos quais nem são bispos:

  • Arrigo Miglio, arcebispo emérito de Cagliari (Itália)
  • Fortunato Frezza, cônego da Basílica de São Pedro
  • Gianfranco Ghirlanda, professor de Teologia
  • Jorge Enrique Jiménez Carvajal, arcebispo emérito de Cartagena (Colômbia)
  • Lucas Van Looy, arcebispo emérito de Ghent (Bélgica)

Os critérios do papa já são conhecidos desde os seus primeiros consistórios. Francisco está “deseuropeizando” o Colégio de Cardeais. No conclave de 2013, que elegeu Francisco, os europeus eram mais da metade dos 115 eleitores (60, contra 33 das Américas, 11 da África, 10 da Ásia e 1 da Oceania); agora, escreve Andrea Tornielli no Vatican News, já contando os 16 novos eleitores – mas sempre desconsiderando aqueles acima de 80 anos, que não votam no conclave –, os europeus são 54 de 132 eleitores, ou 41%; as Américas têm 38; a África, 17; a Ásia, 20; e a Oceania, 3.

Francisco preteriu os arcebispos José Gomez, de Los Angeles, e Salvatore Cordileone, de São Francisco, para dar o barrete a Robert McElroy, bispo de San Diego, contrário à ideia de negar a comunhão a políticos católicos pró-aborto

No entanto, não se trata apenas de retirar o peso da Europa, mas de fazê-lo trazendo a perspectiva do que Francisco chama de “periferias”, incluindo aí tanto países onde o catolicismo é minoria quanto regiões em que a Igreja cresce de forma vibrante, mas que nunca tiveram representação significativa no colegiado. Dentro desse programa, talvez as nomeações mais emblemáticas sejam as de Virgílio do Carmo da Silva, do Timor Leste (país que terá um cardeal pela primeira vez, ao lado de Cingapura e Paraguai); de Giorgio Marengo, italiano que atua na Mongólia, país com menos de 2 mil católicos; e de Leonardo Steiner, já que a Amazônia é uma preocupação do papa a ponto de ter merecido uma assembleia do Sínodo dos Bispos em 2019. Também destaco o indiano Poola, que será o primeiro cardeal dalit, uma nomeação muito significativa diante da persistência do preconceito de casta na Índia.

E, para seguir com a tendência de contemplar as “periferias”, é preciso também manter outra tendência, a de dar adeus às chamadas “sés cardinalícias”, dioceses importantes cujo pastor podia dar como certa a elevação a cardeal mais cedo ou mais tarde. Já considerando os 16 novatos, cidades cujo bispo ou arcebispo não é cardeal incluem Gênova, Milão, Veneza, Turim, Paris, Los Angeles, São Francisco, Cracóvia e Toledo (cujo arcebispo é o primaz da Espanha). Curiosamente, o Brasil ainda está bem contemplado por esse critério: os arcebispos das duas maiores cidades, da arquidiocese primaz e da capital federal são ou serão cardeais. Dom Odilo Scherer (São Paulo) já era cardeal quando Francisco foi eleito; dom Orani Tempesta (Rio) foi nomeado por Francisco em 2014; e dom Sérgio da Rocha (Salvador) se tornou cardeal, também por escolha do atual papa, quando era arcebispo de Brasília; dom Murilo Krieger foi arcebispo primaz por sete anos sob o pontificado de Francisco e não ganhou o barrete vermelho.

Um sucessor ao gosto de Francisco?

Após o consistório de agosto, Francisco terá nomeado quase dois terços do total de cardeais eleitores – justamente o número necessário para se eleger um papa em um conclave. Mas, ainda que boa parte dos escolhidos por Francisco compartilhe de suas posições sobre temas que o papa considera importantes, nem de longe é possível cravar que, no dia em que eles se reunirem para escolher um sucessor, os votos recaiam sobre alguém de perfil semelhante ao de Jorge Mario Bergoglio. Como escreve John Allen Jr. no Crux, foi um Colégio de Cardeais nomeado quase todo por João Paulo II e Bento XVI que elegeu Francisco; além disso, é muito difícil prever como alguns dos novos cardeais irão votar ou se alinhar quando chegar a hora.

O amigo americano

Joe Biden, Nancy Pelosi e outros políticos católicos pró-aborto em Washington devem estar rindo até agora. Afinal, Francisco preteriu os arcebispos José Gomez, de Los Angeles, e Salvatore Cordileone, de São Francisco, para dar o barrete a Robert McElroy, bispo de San Diego e um defensor ferrenho da possibilidade de esses políticos receberem a comunhão apesar de sua explícita defesa da legalização do aborto. Em maio de 2021, McElroy publicou um artigo medonho na revista jesuíta America (onde mais?) cheio das mesmas falácias de que já tratamos aqui dias atrás (“a Eucaristia está sendo usada como arma política”, “a Eucaristia é remédio”), acrescentando ainda mais uma: aborto é grave, mas racismo também é; seria hipócrita negar a Eucaristia aos abortistas, mas não aos racistas, diz o bispo. A resposta lógica, então, não seria McElroy decretar que em sua diocese abortistas e racistas não poderiam comungar, para apelar também à consciência desses últimos? Mas não: no fim, a equiparação só serve para deixar que todo mundo receba a Eucaristia sem precisar mudar sua opinião sobre nada.

Se Francisco tivesse escolhido McElroy, mas acompanhado de Cordileone ou Gomez (que é o primeiro latino a presidir a conferência episcopal norte-americana), seria uma coisa. Mas escolher apenas McElroy, neste exato momento, passa uma mensagem muito ruim.

Os brasileiros

Dom Leonardo Steiner ficou bastante conhecido Brasil afora por seus dois mandatos como secretário-geral da CNBB, entre 2011 e 2019. Nesse período, a entidade se colocou contra a reforma trabalhista de 2017, contra a reforma da Previdência (tanto a proposta por Temer em 2017 quanto a do governo Bolsonaro em 2019) e contra privatizações, sempre repetindo o discurso de viés político mais à esquerda. Mas, também quando integrava a cúpula da CNBB, dom Leonardo teve manifestações bastante enfáticas sobre o aborto, defendendo que o tema fosse discutido nas eleições, inclusive municipais, e criticando as tentativas de legalização por via judicial – ele atacou a liberação do STF para aborto de anencéfalos, em 2012; assinou nota da CNBB quando o ministro Luís Roberto Barroso sequestrou o julgamento de um habeas corpus para defender que a criminalização do aborto era inconstitucional; e também se manifestou na época das audiências públicas enviesadas convocadas pela ministra Rosa Weber, relatora da ADPF 442.

Já dom Paulo Cezar Costa tem um perfil bem mais discreto; antes de se tornar arcebispo de Brasília, no fim de 2020, havia passado por São Carlos (SP) e sido bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Difícil encontrar, por exemplo, afirmações mais incisivas de sua parte a favor ou contra o governo federal – mas é de se notar que o arcebispo não foi signatário da célebre Carta ao Povo de Deus, assinada por 152 bispos em 2020 com fortes críticas ao presidente Jair Bolsonaro e cujo conteúdo vazou antes que fosse apresentado ao Conselho Permanente da CNBB, que por sua vez acabou se distanciando da iniciativa.

Correção

A versão original do texto dizia que dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, já era cardeal quando Francisco foi eleito; na verdade, ele se tornou cardeal em 2014, durante o atual pontificado.

Corrigido em 05/06/2022 às 17:45
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