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Uma característica do conclave de 2025 foi a abundância de informação existente antes da votação: um católico interessado facilmente descobria o que os principais apontados como possíveis papas haviam dito e feito sobre os assuntos mais variados. A parte ruim disso era a enorme possibilidade de qualquer novo papa já assumir carregando a desconfiança, a rejeição ou até a oposição aberta de parte razoável do mundo católico. Um Burke ou um Sarah (e sei de amigos que tiveram milissegundos de batimentos cardíacos acelerados ao ouvir o protodiácono falar “Robertum”) seria mal recebido pelos ditos “progressistas”, enquanto um Grech, um Brislin ou um Hollerich causaria pânico nos ditos “conservadores” – e tudo antes mesmo de ele aparecer na sacada da Basílica de São Pedro. Por isso, é notável que Leão XIV tenha conseguido desarmar um dos grupos mais vocais nas críticas a Francisco, o dos tradicionalistas, e tudo isso sem dizer uma única palavra sobre missa tridentina.
Pessoas respeitadíssimas nesse meio, entre as quais algumas que não economizavam nas palavras quando se referiam ao papa Francisco, estão elogiando abertamente o novo pontífice, ou, na “menos melhor” das hipóteses, pedindo a todos que deem a Leão XIV ao menos o benefício da dúvida. Taylor Marshall, o autor de Infiltrados: A trama para destruir a Igreja a partir de dentro, publicou um longo vídeo no YouTube manifestando sua submissão ao papa, e no X já elogiou até uma cruz peitoral de prata que Leão XIV usou em alguns dos muitos eventos de que participou desde sua eleição.
Quem achava que os tradicionalistas só se contentariam com um papa que restaurasse Summorum pontificum no dia seguinte à eleição quebrou a cara
No Facebook, Peter Kwasniewski, um dos que acompanho mais de perto, e um dos que fizeram algumas das afirmações mais veementes sobre Francisco, chamou de “engano” qualquer pessimismo que os tradicionalistas possam ter em relação a Leão XIV. Destaco especialmente a última das razões que ele lista: “Temos a obrigação de rezar por qualquer um que ocupe um alto cargo, de dar-lhe a chance de liderar, de deixá-lo cometer alguns erros (como qualquer ser humano falível fará), e de evitar qualquer condenação prematura. Isso não é ingenuidade, nem wishful thinking; é uma questão de justiça e caridade, que devemos a nossos pais em todos os níveis: na família, na paróquia, na diocese, e na Igreja universal” (se os motivos que ele expõe para não ter feito isso nos últimos anos do pontificado de Francisco param em pé, não é meu objetivo discutir aqui).
O site tradicionalista Rorate caeli publicou um editorial curto, chamado “Kinship” (algo como “parentesco” ou “afinidade”). Diz que “há algo inequivocamente bom sobre ele [Leão XIV]. Ele tem um bom coração, parece sinceramente gentil. Só isso já é uma característica importante para um bispo, não tão comum quanto deveria ser. Ele provavelmente (certamente?) irá nos decepcionar... é assim que o mundo funciona (...) que os católicos tradicionais concedam ao novo papa o amor, a estima, o respeito e as orações que ele merece. Livremente, sem medo, esperando o melhor, sabendo que podem não receber na mesma moeda, e esperando se desiludir. Esse parece ser nosso destino.”
O incrível nisso tudo é que, aparentemente, nem o então cardeal Robert Prevost, nem o agora papa Leão XIV disseram uma única palavra sobre o que é a coisa mais importante para inúmeros tradicionalistas. Ele não tem registro de crítica a Traditionis custodes, nem prometeu derrubá-la (o que, na minha opinião, seria uma boa ideia). Desde o último dia 8, tradicionalistas têm buscado alguma imagem de Prevost celebrando a missa tridentina, e não acharam nada – no máximo, há fotos dele usando uma casula romana; essa veste litúrgica é habitualmente associada à missa tridentina, enquanto no Novus Ordo se costuma usar a chamada casula gótica (aquela que cobre toda a pessoa, como um poncho), mas não há nada que proíba o uso da casula romana na liturgia pós-1969, e as imagens não permitem concluir qual a liturgia que estava em uso quando a foto foi feita. No máximo, há relatos de que Prevost celebrava privadamente a missa tridentina, com permissão do papa Francisco, enquanto trabalhava na Cúria Romana entre 2023 e 2025, mas nada disso está confirmado. Os vaticanistas Edward Pentin e Diane Montagna, do College of Cardinais Report, que vasculham tudo que é declaração de cardeais sobre temas controversos na Igreja, não conseguiram encontrar nada de Prevost sobre questões litúrgicas.
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O que, então, Leão XIV fez para conquistar dessa forma a boa vontade dos tradicionalistas? Retomou o uso dos paramentos papais completos em sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro. Escolheu um nome sem vinculação alguma com papas recentes. Fez uma bela homilia em sua primeira missa como pontífice. Cantou o Regina Caeli com a multidão na Praça de São Pedro neste domingo. Distribuiu bênçãos em latim. Escolheu morar no Palácio Apostólico. Não parece muito, e realmente não é. Quem achava que os tradicionalistas só se contentariam com um papa que restaurasse Summorum pontificum no dia seguinte à eleição e escolhesse fazer sua missa de início de pontificado no rito tridentino quebrou a cara.
Isso não explica, no entanto, as enormes doses de agressividade dirigidas ao papa Francisco, e aí está o meu medo: o de que a simpatia demonstrada até agora com Leão XIV não resista ao teste do tempo, dependendo de como andar esse pontificado. E se o papa continuar tudo o que tem feito até agora, mas também mantiver a proposta de sinodalidade, ainda que corte de vez as loucuras dos alemães e deixe claro que o processo em curso não tem nada a ver com mudar doutrinas de acordo com a vontade popular? E se ele não afrouxar as restrições de Traditionis custodes? E se continuar tratando de temas que eram caros a Francisco? Veremos a simpatia virar tolerância, a tolerância virar suspeita, a suspeita virar crítica, e a crítica virar hostilidade? Deus queira que não.








