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O papa Francisco segura uma bandeira ucraniana vinda da cidade de Bucha, durante audiência em abril de 2022, no Vaticano.
O papa Francisco segura uma bandeira ucraniana vinda da cidade de Bucha, durante audiência em abril de 2022, no Vaticano.| Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA

Leio no Crux, em reportagem da Inés San Martín, que as chances de uma viagem do papa Francisco à Ucrânia não são nada desprezíveis, e vêm crescendo. O próprio papa falou do assunto em uma entrevista a um canal de tevê mexicano, e a repórter ouviu sugestões semelhantes do embaixador ucraniano no Vaticano e, principalmente, do arcebispo britânico Paul Gallagher, secretário de Relações com os Estados – na prática, o chanceler da Santa Sé. “O papa certamente vai à Ucrânia”, disse o arcebispo, embora sem dar nenhuma data específica – o embaixador ucraniano considera improvável que a viagem ocorra em agosto (até porque no fim do mês haverá um consistório), mas não descarta algo em setembro.

Que Francisco pretende fazer essa viagem é algo que ele já afirmou mais de uma vez desde que a agressão russa começou. No avião, voltando de sua visita a Malta, o papa disse que “sinceramente tinha em mente ir lá, e esta disponibilidade mantém-se; estou disponível”. Obviamente, a guerra não é o único fator; veremos o quanto a visita ao Canadá, que começa no próximo domingo, exigirá do joelho estourado de Francisco – lembremos que ele já cancelou a viagem ao Sudão do Sul e à República Democrática do Congo por ordens médicas. Em setembro, permanece na agenda do papa uma visita ao Cazaquistão; a Ucrânia poderia muito bem ser acrescentada no roteiro, já que fica no meio do caminho. Se as dificuldades médicas e logísticas forem superadas, a presença do papa na Ucrânia seria algo de dimensões incomensuráveis.

Desde o início da invasão russa, na segunda metade de fevereiro, Francisco lembrou aquelas célebres fotos de presidentes brasileiros com pés apontando para direções diferentes, dando declarações meio ambíguas, condenando a guerra, mas recusando-se de início a denunciar de forma mais veemente a responsabilidade de Vladimir Putin. À medida que as atrocidades cometidas pelos russos começaram a aparecer, o tom foi mudando. Em junho, o papa ainda chegou a insinuar que a invasão tinha sido “provocada” pela aproximação da Otan, mas logo depois disse que a guerra violava o direito dos ucranianos à autodeterminação. Além disso, há a famosíssima frase sobre o “coroinha de Putin” – no caso, o patriarca Kiril, apoiador incondicional do autocrata russo –, e as sucessivas viagens de representantes papais à Ucrânia: antes do arcebispo Gallagher, Francisco já havia enviado o cardeal Konrad Krajewski para celebrar o Tríduo Pascal com os católicos ucranianos.

O papa tem razão quando diz querer evitar maniqueísmos, como se um lado fosse imaculado e outro fosse o demônio na terra; a Ucrânia pode ter cometido lá seus erros; talvez devesse ter concedido mais autonomia às regiões de fala russa no oeste do país, por exemplo. Mas isso agora pouco importa. O fato é que, neste momento, há uma nação agressora, que desistiu de resolver as controvérsias por meio da diplomacia, e uma nação agredida. Francisco já percebeu essa realidade e vem cada vez mais demonstrando sua solidariedade aos agredidos, sem fechar as portas à possibilidade de colocar o peso do Vaticano como mediador para possíveis negociações – lembremos que o papa também se ofereceu para ir a Moscou, mas não recebeu resposta das autoridades russas.

Espero sinceramente que Francisco tenha os meios para realizar esta viagem. A autoridade moral do papado pode e deve ser empregada em momentos como esse. Como disse o arcebispo-maior de Kiev, Sviatoslav Shevchuk, líder dos católicos ucranianos de rito oriental, “Pedro sempre está onde Cristo está, e Cristo está onde o sofrimento está. Cristo está sempre ao lado das vítimas”.

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