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Valter Campanato/Agência Brasil
Valter Campanato/Agência Brasil| Foto:

A eleição de Jair Bolsonaro é o primeiro grande golpe sofrido pelo mecanismo chamado de presidencialismo de coalizão, inaugurado por José Sarney e consolidado na estrutura da Constituição de 1988. Este sistema se confundiu com a redemocratização e aos poucos tornou-se parte integrante da República. Nenhum presidente tentou subvertê-lo – com exceção de Fernando Collor. Sem um partido forte ou apoio parlamentar, Collor terminou refém desta estrutura que acabou por tirá-lo do poder.

Assim, virou lugar comum em Brasília abrir espaço para partidos aliados na Esplanada dos Ministérios. A composição do governo atende a configuração da base no Congresso Nacional. É um sistema anacrônico, pois funciona mediante instrumentos do parlamentarismo, como as medidas provisórias, e sobrevive pelo loteamento dos cargos entre os partidos aliados, uma característica de governos parlamentares que chegam ao poder sem maioria absoluta e precisam compor para atingir maioria congressual.

No Brasil, tudo se complica porque vivemos dentro de um sistema presidencialista diante de uma Constituição parlamentarista, um erro grave que acaba por afetar nossa democracia. Isto ocorre porque os parlamentares, que usufruem do sistema, definiram como democracia esta forma bizarra de negociação de bastidores e ocupação de espaços. Nada mais antirrepublicano e antidemocrático.

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Há tempos não possuímos um governo que trabalhe com os melhores quadros, mas simplesmente com os nomes possíveis, indicados pelos partidos aliados na ocupação de espaços. A lógica daquilo que chamam de democracia nos corredores de Brasília é negociar este espaço no governo em troca de votos e usar os cargos conseguidos na administração pública para financiar grupos políticos e campanhas milionárias. Um ganha-ganha entre os políticos onde quem sai perdendo única e exclusivamente é o povo que paga a conta.

Lula foi o ápice deste modelo, expandindo a estrutura governamental ao máximo para acomodar um número cada vez maior de aliados. Cada partido e grupo político possuía sua estrutura de poder para fazer negócios. Sua base governamental, portanto, era vasta e segura. Programas de assistência governamental, como o Bolsa Família, atenderam os mais pobres, os subsídios e empréstimos do BNDES agradaram os ricos e a classe média ficou encantada com o número de vagas cada vez maior em concursos públicos. O maestro do mecanismo tinha atingido a sintonia fina do sistema.

Bolsonaro busca reverter este estado de coisas. Busca mudar a lógica do sistema nomeando nomes técnicos para as pastas ministeriais, acabando com o loteamento político. Ganhou prometendo que governaria com os melhores e isto implica recolocar o Parlamento em sua função original: garantidor da democracia, elaborador das leis e foco do debate político.

Em sua visão cabe ao Poder Executivo governar, terminando com a relação espúria entre governo e Parlamento, maior legado da presidência da José Sarney, modelo no qual foi negociada nossa constituinte, que nos entregou a democracia, mas também um campo minado de privilégios que precisam ser revistos para que nosso país possa retomar o caminho virtuoso de uma economia autossustentável.

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Como era esperado, as reações já começaram a aparecer. Com os brios atingidos pelo novo modelo meritocrático, políticos que tornaram-se baluartes das velhas práticas acusam o novo governo de autoritário, de não entender como as coisas funcionam no Parlamento, pois democracia consiste em discussão, acordos e negociação.

No fundo, esta classe política, que representa um sistema apodrecido, tenta impor suas regras para o futuro governo, tentando enquadrá-lo de saída. O aumento aprovado para o Poder Judiciário, criando um efeito cascata devastador de quase R$ 6 bilhões para as contas públicas (que já estarão em déficit de R$ 139 bilhões) foi uma prova daquilo que pode ser feito na guerra pela manutenção do status quo.

A sorte do novo governo é que o mesmo vento que levou Bolsonaro ao Planalto, destronou a maior parte dos políticos tradicionais, promovendo a maior renovação já vista na política brasileira. Com novos nomes, as chances de um governo que faça diferente aumentam consideravelmente, mas se nada for feito para reformar as estruturas do presidencialismo de coalizão e a forma anacrônica de relacionamento entre governo e Parlamento, nada mudará.

Antes de tudo, o novo governo precisa trabalhar com os parlamentares que chegam para reformar as regras de convivência política, que paralisam o país e nos tornam reféns de grupos corporativistas e políticos corruptos, que se escondem por trás de uma definição torta de democracia para realizar sua manutenção no poder.

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