Eis que Jair Bolsonaro determinou às Forças Armadas celebrar o golpe militar de 1964. Segundo o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, a ordem parte de uma premissa simples, embora divorciada da realidade: na opinião do presidente, não houve golpe, mas um movimento que “recuperou e recolocou o país em um rumo”. Houvesse sido de outra maneira, concluiu o porta-voz, “hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém”.
Como manda a lógica, tal narrativa deságua na afirmação de que não houve uma ditadura no Brasil. Ou seja, o Estado matou, torturou, cassou direitos políticos, fechou o Congresso e restringiu a liberdade das pessoas, mas, ditadura, nem pensar.
Ato contínuo, hoje mesmo a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, apoiou com entusiasmo a ideia do mandatário. Segundo ela, o evento representaria uma “retomada da verdadeira narrativa da nossa história”.
Previsivelmente, tanto a postura de Jair quanto a de Joice não passaram despercebidas; setores da esquerda logo reagiram, lançando mão de imagens fortes e dados que comprovam a barbárie imposta pela tirania militar. Fatos indefensáveis sob qualquer ponto de vista democrático e humanitário, mas que, todavia, perdem força quando são instrumentalizados por pessoas sem condições morais para condená-los.
Pois em que pese seja essa uma realidade dura a ser enfrentada, o contraponto à falta de empatia bolsonarista, um deboche com pitadas de sadismo em relação ao sofrimento de milhares de brasileiros, se oferece manco do ponto de vista político. E assim o é porque os partidos de oposição não apenas tecem elogios, mas desde sempre prestam apoio formal a regimes de força ideologicamente alinhados às suas visões de mundo — Nicolás Maduro é mera atualização desse rito.
Para nossa sorte, há também figuras históricas ligadas à esquerda que amadureceram com o passar do tempo e hoje são capazes de fazer reflexões honestas sobre o período que culminou com a ditadura militar brasileira. Fernando Gabeira e Eduardo Jorge, apenas para citar dois exemplos, jamais se furtaram a admitir as reais intenções da esquerda àquela época, tampouco prenhes de valores democráticos.
A boa notícia, no entanto, é que a sociedade não precisa da representação do PT ou do PSOL para se indignar frente a esse absurdo posicionamento do governo. Assim como o sujeito, por mais avesso que seja aos preceitos da esquerda, não é obrigado a aceitar a naturalização de torturas, assassinatos e a castração de direitos outrora forçados pelos militares e agora exaltados pela gestão Bolsonaro.
Desgraçadamente, a ordem do presidente da República para que a primeira linha de uma página nefasta em nossa história seja celebrada vai ao encontro de outros dois momentos recentes e também preocupantes: quando elogiou Alfredo Strossner, o pedófilo ditador paraguaio, e Augusto Pinochet, verdugo sanguinário chileno por mais de 17 anos.
Jair Bolsonaro tem o hábito de acusar a imprensa por quase tudo, mas principalmente por pintá-lo com tintas severas além da conta, injustas, capazes de denegrir a sua imagem aqui e no exterior.
Se o faz por excesso de cinismo, ou de modéstia, só o tempo dirá.
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