Foto: Alan Santos / PR| Foto:

Quando o falseamento do conceito de liberdade de expressão entra em debate, o gosto de derrota cabe tanto para os Estados Unidos quanto para o Brasil. Ainda que no caso americano ele ganhe contornos mais trágicos. Não se trata de minimizar a violência urbana que assola boa parte das metrópoles brasileiras. Nossas estatísticas são inaceitáveis; dignas de guerras propriamente ditas. Contudo, por aqui basta ser negro, muçulmano ou hispânico para ficar na alça de mira de alguém tomado de fúria. Basta ir a uma igreja rezar, prestigiar um concerto de rock ou fazer compras no supermercado.

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Sim, as diferenças entre as sociedades americana e brasileira são claras quando falamos em criminalidade. Os números não mentem. Contudo, em um aspecto ambas podem dar as mãos: o discurso de ódio venceu o bom senso. E se já não venceu, é inegável, está vencendo.

A sequência de botões que se ativados podem levar alguém a sair de casa disposto a matar o maior número possível de pessoas, inclusive dando por descontada a própria morte, é para mim indecifrável. Entretanto não há qualquer dúvida a respeito das constantes manifestações iradas que diariamente pululam nas redes sociais de nova-iorquinos e fluminenses, de um sujeito em Nebraska ou em Porto Seguro.

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Durante recente comício na Flórida, Donald Trump questionou, em tom aborrecido, após criticar o fluxo de imigrantes que avança pela fronteira com o México: “Como podemos pará-los?”. Foi a senha para alguém na plateia sugerir, aos berros, “atirem neles!”. A reação do presidente, um sorriso maroto, não poderia ter sido mais sintomática.

Já em entrevista publicada ontem (segunda-feira, 05/08), Jair Bolsonaro defendeu o excludente de ilicitude, a posse e o porte de armas, argumentando que dessa maneira a criminalidade cairia “assustadoramente”. Ao final, para reforçar seu ponto, ainda lançou mão de uma comparação bem afeita a seu estilo: “Os caras vão morrer na rua igual barata, pô. E tem que ser assim!”

A estratégia de ambos os presidentes não é nova. Acentuar fissuras no eleitorado tende a  reforçar a própria popularidade — nem que seja pela antipatia provocada em quem de todo jeito não concederia o apoio.

Todavia, cabe questionar se esse tipo de retórica seria utilizado caso não encontrasse ressonância na sociedade. E se ela justifica tanto as atrocidades que acontecem nas cidades americanas quanto o crescente clima de intolerância no Brasil.

Um convite ao fracasso. Em resumo, é disso que trata o debate sobre a liberdade de expressão, dado o encadeamento de perguntas irrespondíveis. Afinal, até onde podemos ir? Até que ponto o sujeito deve ser impedido de expressar os seus desatinos? Quem decide o que é desatino?

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A simples necessidade de novos parâmetros anuncia que o senso comum, quando por comum entendia-se empatia e razoabilidade, já não é o mesmo. E que, talvez, só nos tenha restado a urgência por medidas que impeçam o pior.