Quem nunca torceu o nariz para um comercial ruim? Os de cerveja em particular jamais me ganharam: jovem, alimentava antipatia pelos da Kaiser; hoje, os da Itaipava não me descem.
Se há um desafio impossível de ser vencido pela propaganda é agradar a todos os públicos. Impossível e desnecessário. Por meio de pesquisas de opinião, estudos de target e variadas estratégias, há tempos os publicitários entenderam que cada produto tem o seu perfil de freguês. Nada mais natural, portanto, do que adequar a linguagem para fisgá-lo.
Aplicar a mesma lógica quando tratamos de política nos ajudaria a enxergar para além da nossa bolha. Quem sabe até a entender a popularidade de Jair Bolsonaro.
Do alto de um sentimento batizado pelos americanos de self-righteousness, temos dificuldade de aceitar que o presidente ainda conte com apoio de boa parte da sociedade.
Passados dois anos em que não faltaram demonstrações de rudeza e autoritarismo, nos escandalizamos diante de resultados de pesquisas que apontam para sua reeleição.
Questionamos, entre incrédulos e inconformados, se a interferência na Polícia Federal e o enterro da Lava Jato não deveriam pesar na imagem do presidente. Sobretudo o posicionamento criminoso adotado em relação à pandemia, com direito a chistes negacionistas enquanto caminhamos para trezentos mil mortos, haveria de provocar algum efeito negativo.
Não é o que se vê.
Demonstrando inegável habilidade política, entre rompantes imperiais, auxílio emergencial, e aproximação da mesma banda do Congresso a que tanto demonizou durante as eleições — embora dela sempre tenha feito parte —, Bolsonaro respira.
Mais do que isso: mantém tesa a corda da dicotomia ideológica, decisiva para sua vitória em 2018.
É irresistível agarrar-se ao antipetismo para tentar explicar o cenário. Parte considerável da oposição sustenta, inclusive, que a rejeição ao PT, e à esquerda por tabela, se deve a uma orquestrada parceria entre a mídia e o Judiciário.
Tolice. Em primeiro lugar, a rejeição ao petismo e à esquerda se deve à prática de crimes de corrupção conduzidos pelo governo federal enquanto o Partido dos Trabalhadores esteve no poder.
Depois, a uma recusa inflexível do partido em assumir seus pecados. Até hoje, quando confrontados com as robustas provas contra si, Lula e o PT tergiversam e alegam ter sido vítimas de um golpe.
Se o então juiz Sérgio Moro e procuradores como Deltan Dallagnol apelaram para desvios durante o período em que combateram a corrupção — indícios disso não faltam —, que a Justiça seja acionada. Nada, porém, terá o condão de apagar atos criminosos cometidos contra os cofres públicos. Seja para enriquecimento pessoal, seja em nome de um projeto hegemônico.
A força de Bolsonaro e do reacionarismo que ele enseja tem raízes no Fla-Flu político-ideológico alimentado desde o princípio da reabertura democrática — época em que processos de impeachment eram bem vistos e termos como “fascista”, usados sem parcimônia. Disso não resta dúvida.
Falta reconhecer que o suporte de 30% dos brasileiros ao mito não pode ser resumido ao cultivo de sentimentos como rancor ou revanchismo. No fundo, dialoga com o nexo do comercial ruim: há quem goste.
Aliás, tratando-se de Bolsonaro, o diagnóstico é ainda mais dramático: há quem se identifique.
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