Arte: Felipe Lima| Foto:

A mão toca as costas da menina por dentro do pijama de malha. “Suas costas estão úmidas. Sabe por quê?”

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Ela acha que sabe a resposta. As costas estão úmidas porque fez muito xixi. Bebeu água antes de dormir, não devia, mas teve sede, a mãe não entende e…

Não fala nada. Os olhos olham os pés descalços. Não pisca para evitar que a lágrima role pelo rosto.

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“Porque você passou calor durante a noite e suou.”

Ah… Suei…

O alívio logo dá lugar à vergonha que sentia minutos antes. Além de fazer xixi, ela sua. A mãe tá reclamando. A mãe…

“É verão, filha.”

A mão da mãe vai guiando suavemente a menina na direção do banheiro. Tomar banho, bem rápido. No corredor, vê o irmão lá na sala lendo um gibi. Ele levanta os olhos. Ninguém diz nada, mas ela sofre. Que vergonha, uma menina grande, cinco anos, que molha a cama como um bebê.

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Tem algo diferente naquela manhã, ela percebe ao entrar na cozinha pequena, onde a cestinha de pão e o pote de margarina a esperam sobre a mesa. A mãe prepara uma xícara de café com leite – como sempre. Ela mesma pega um pãozinho, aquela faca com serra em forma de ondas do mar, e corta a massa crocante que apoia contra o peito – como sempre.

Os irmãos estão por aí, brincando. Só falta ela para tomar o café da manhã porque teve o banho. Sai da cozinha olhando em volta, em busca de algo novo que sente que está no ar. Quando abre a porta que leva para o quintal, a luminosidade da manhã cega seus olhos, que se fecham. As mãozinhas cobrem o rosto, como se brincasse de cobra-cega. Aí vai afastando os dedos para sondar. Um pássaro canta uma frase demorada. Essa luz brilhante, o gorjeio mais forte dos pássaros, o calorzinho na pele, o chinelinho de dedo no pé, tudo isso se junta para comunicar que é férias, que não tem escola, que os irmãos também ficarão em casa, que vai brincar até tarde lá fora.

“ Por que o dia tá diferente, mãe?”

“Diferente como?”

“Não sei. Você não tá vendo?”

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“Vendo o quê?”

Ela vai falar… e para. O quê mesmo?

“O sol” – é a única palavra que lhe vem à boca.

“Ah, o verão.”

Então isso que está sentindo é o verão? Talvez aquele tenha sido o primeiro verão de que ela se deu conta. Dali para a frente sempre reconhecerá aquela sensação de que há algo novo, uma energia clara e morna que vem do quintal e entra na casa e que dá vontade de ir para fora. Todo ano tem verão e todo verão ela sentirá isso.

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Caminha pelo quintal. Um quintal é um mundo inteiro quando se tem cinco anos. Adulta, ainda conseguirá descrever o piso de tijolos, a escadinha que leva para o nível mais baixo do terreno, a edícula onde está a máquina de lavar roupa, que é feita de tábuas. Algumas tábuas, em um dos cantos, estão apodrecendo. Ela observa.

Após o almoço, volta ao quintal. Agora a casa está silenciosa. A máquina de lavar roupa, ali ao lado, faz vrum-vrum, vrum-vrum. As tardes de verão são quietas nas cidades pequenas. Quando entardecer, aquela barulheira dos pássaros que ouviu ao acordar voltará. Com o calor, os pássaros se multiplicaram. Estão no velho abacateiro mal podado, estão na ameixeira, talvez no raquítico limoeiro.

No quintal daquela casa alugada, onde a família chegou faz pouco tempo, cada mecanismo é explorado pelas mãozinhas de menina. Ela tem preferência por dobradiças, como a do portãozinho; observa de perto o trinco antiquado que um dia teve uma chave que ninguém sabe onde está; a janela da edícula é fechada por uma tramela, apenas um pedaço de madeira preso ao centro por um prego. Tem as torneiras, a do tanque da lavanderia, de onde a água sai com muita força, e outra na parede dos fundos, que ninguém usa.

Naquela tarde quente, a menina encontrou um objeto maravilhoso. É um pedaço de bambu, longo, que, colocado em pé, tem o dobro da sua altura. De onde veio, não sabe. Percebe que veio da natureza e não de uma fábrica, mas é reto como um cano de água. Tem uma ideia. Arrasta o bambu até a torneira que sai da parede nos fundos da casa e tenta encaixar nela uma das pontas. O bambu é longo e desajeitado. Mas ela insiste. Então abre a torneira. A expectativa de ver a água sair do outro lado a deixa feliz. A torneira range quando as mãozinhas forçam a abertura. Força mais, o bambu ainda engatado na boca da torneira. Ela imagina a água saindo do outro lado. Que coisa incrível está fazendo! Chamará o irmão pra ver. Mas a água não sai. Gira e gira a torneira, tira o bambu e abaixa a cabecinha para olhar lá dentro da torneira. Não vê nada. Não tem água. Não se conforma. Crianças de cinco anos não se conformam nunca. Não se consolaria se soubesse que o bambu tem nós dentro dele, que não deixariam a água passar. Tenta por bastante tempo. Então ouve a voz da mãe, está cantando. Se anima e corre para casa. Quer ouvir de perto. Cantar junto, quem sabe? No caminho, descalça os chinelinhos que atrapalham seus passos. Ao chegar perto da porta aberta do quarto dos pais, ouve a voz da irmã, que tenta cantar também. Estão juntas, as duas sobre a cama, abraçadas e rindo. A irmã mal sabe falar e mesmo assim balbucia as palavras da canção. A menina podia entrar no quarto, subir na cama e se juntar a elas. Mas não a notam e ela sente que aquele momento não pertence a ela. Faz biquinho, abaixa a cabeça e volta pro quintal. Senta no degrau na porta da cozinha, os pés no piso quente pelo sol de dezembro, e chora baixinho.

Por entre as lágrimas, observa o rejunte de cimento entre os tijolos do degrau. Passa o dedo e sente que é áspero. Dobra-se e apoia a testa sobre os joelhos. Olha o chão. Uma formiguinha aparece no seu campo de visão e se afasta rapidamente carregando um pedacinho de folha. Enxuga as lágrimas com a barra do vestido e vai atrás dela.

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