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Como lido com o ciúme
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Ciúme não é “tempero do amor”: é falta de educação emocional mesmo (photo credit: Bulk . . . Son of Hulk via photopin (license))

Embora me esforce e tenha feito bons progressos, não sou uma pessoa livre do ciúme – ou dos ciúmes, no plural, como muitos usam, dada sua imensa variedade.

O ciúme faz parte daquele conjunto de coisas não tão bonitas e recomendáveis e que, bem ou mal, nos torna humanos.

Como o ódio, a inveja, a ganância.

Nada errado em ter ciúmes, portanto.

O problema é cultivá-lo, aceitá-lo como um componente irremediável de nossos relacionamentos afetivos ou propagá-lo como algo bonito, como se vê nas telenovelas.

Ciúme, aconteceu comigo

Para ilustrar, e começar nossa conversa, vou contar uma história que aconteceu comigo.

Meus mais recentes relacionamentos foram “abertos” em diferentes modalidades e qualidades.

Certa vez, uma ex-namorada deixou de me presentear no dia do meu aniversário.

Até aí tudo bem. Nunca dei muita bola para datas.

Mas, em seguida, decidiu que deveria comprar um presente para uma outra pessoa por quem estava apaixonada.

Aquilo me deixou profundamente irritado.

Irritado pela situação e irritado comigo mesmo por estar sentindo aquilo.

Mas, e daí?

Ficando irritado ou tentando impedir que ela comprasse aquele presente ou ainda – só nessa demonstração de descontentamento – tirar qualquer prazer que ela pudesse ter ao demonstrar um afeto por outro -, eu não mudaria o fato de que, naquele momento, ela estava mais interessada em outra pessoa que em mim.

EM MIM! EM MIM! EM MIM! COMO OUSA SE INTERESSAR MAIS EM ALGUÉM QUE EM MIM?

(Perceberam o ego da pessoa ciumenta?)

Não. Nada do que eu fizesse poderia mudar algo.

Não há como controlar os gestos, desejos e pensamentos de quem amamos por decreto, com um documento, com um anel no dedo. Muitas vezes, nem mesmo com a anuência da pessoa.

Nada do que façamos muda isso e, na verdade, pode até piorar a situação.

O ciúme é o “tempero do amor”?

Não estar livre do ciúme, no entanto, não quer dizer que eu o aprove, cultue ou mesmo ache que amor sem um pouquinho de ciúme saudável não é amor de verdade.

Falar em ciúme saudável é o mesmo que falar em resfriado saudável.

Ninguém quer ficar resfriado.

No entanto, de vez em quando ficamos.

Evitamos com todas as forças contrair esse problema e, se contraímos, tomamos as medidas necessárias para reduzir suas consequências individuais – nos resguardando, tomando medicações que reduzam pelo menos os sintomas – e coletivas – dependendo do caso ficando em casa para evitar que mais pessoas contraiam a moléstia.

Ciúme basicamente não é amor pela outra pessoa, mas amor por si próprio. E não o amor por si próprio que corresponderia a uma boa autoestima. Ao contrário. Um tipo mesquinho e medroso de “amor” por si próprio.

Como diz o meu amigo DeRose neste texto que, veja bem, está em um livro sobre boas maneiras:

O ciúme nada mais é do que a soberba ignorância dos princípios de espaço vital e, na mesma proporção, constitui uma grosseiríssima falta de educação para com o parceiro, bem como para com todos quantos sejam vitimados por presenciar a cena, ainda que ela seja apenas uma cara feia. Isso, sem falar nos amigos ou amigas que acabam envolvidos na ridícula ceninha de novela mexicana.

Se você quer azedar seu relacionamento afetivo, a receita é infalível. Seja ciumento(a). Ou o relacionamento deteriora e vai cada um para o seu lado, ou acabarão sendo personagens das manchetes policiais.

Ciúme é uma truculência psicológica sem desculpa. Ciúme não é causado pelo amor ao outro e sim por amor-próprio, amor-a-si-próprio.

Se sua mulher é ciumenta, meus pêsames. Se seu marido é ciumento, considere nossa amizade rompida. Se você é ciumento(a), vá fazer uma psicoterapia, que ninguém tem culpa das suas inseguranças psicológicas.

Não à toa, no meu perfil do OkCupid respondi às questões de maneira a filtrar ao máximo pessoas ciumentas (bem como para filtrar pessoas homofóbicas, machistas, racistas e que tais, mas isso são outros quinhentos).

Ciúme é falta de educação: falta de educação emocional

De fato, o ciúme sempre é demonstração de falta de boas maneiras, para consigo, para a pessoa ou pessoas amadas e para qualquer um que presencie a demonstração de ciúme.

Já ouvi besteiras como relacionamentos que não deram certo porque a outra pessoa era muito livre.

Sem entrar no debate – também válido – sobre o que é dar certo em termos de relacionamento, na verdade, o relacionamento não deu certo porque, ao contrário, uma das pessoas envolvidas era muito aprisionadora e não porque a outra era muito livre.

Tomo outro texto do DeRose que compartilhei no Facebook (clique aqui para ler tudo) de um livro sobre um povo mais civilizado:

Como conseqüência, os ciúmes constituíam uma exceção nos relacionamentos e não eram bem vistos. Uma pessoa sistematicamente ciumenta era tida pela comunidade como mal educada e imatura. Era como se não tivesse sido educada na infância ou amadurecido o suficiente para enfrentar a vida adulta. Tal pessoa costumava ficar solteira, pois ninguém queria se envolver com ela e submeter-se a uma existência de restrições e de tensões conjugais.

Como lidar com o ciúme

Há duas formas de lidar com o ciúme e, de certo modo, eu as adoto simultaneamente.

A primeira. Considero que o ciúme é medo. Medo de várias coisas: medo de perder o outro, o medo absurdo de que o outro seja feliz numa felicidade que exclua você ou, pior dos piores para a pessoa ciumenta, medo de que o outro consiga ser feliz, ainda que só por alguns instantes, com outra pessoa ou outras pessoas que não são ela mesma.

Esse medo não faz o menor sentido. Medo de que a pessoa que amamos seja feliz? Preferir que ela seja infeliz ao seu lado ou que, magicamente, aprenda a ser feliz a seu lado apesar das restrições que se impõem ou que ela “aceita” para apenas contentar a pessoa ciumenta (A MIM! A MIM!)?

O absurdo disso tudo se reduz ao seguinte fato: não se pode possuir uma pessoa, sobretudo aquelas que amamos.

Podemos possuir o nosso amor, fazer o que quisermos com ele, mas não  podemos possuir aquelas pessoas a quem o devotamos.

A experiência humana da vida, pode ser compartilhada – ainda que com os parcos recursos das linguagens que podemos usar -, mas ela é por definição individual. A única pessoa de quem realmente dependemos para existir somos nós mesmos. Ninguém pode existir, ser, por nós: nascemos sozinhos e morremos sozinhos, ninguém pode nascer ou morrer conosco ou por nós.

Ponto.

Nada pode mudar isso. Assim, a experiência de um relacionamento, do mesmo modo, só pode ser compartilhada com outra pessoa.

Não há como transformar alguém egoisticamente em um apêndice de nossa individualidade.

Porque simplesmente é impossível.

Para completar, medo também é um desejo.

Ele funciona como um desejo negativo.

Ao desejarmos algo, tanto mais pensamos naquilo, mais encontramos meios conscientes e inconscientes de concretizar esse algo.

Porém, como temos o costume de pensar com mais frequência e força em nossos medos que em nossos desejos, tendemos a realizar nossos medos – ou desejos negativos – com mais frequência que nossos desejos.

Não tem nada de místico ou do livro “O Segredo” ou da Lei da Atração nisso: a prática comprova.

Se tem alguma dúvida, ouça a música Mil Perdões, de Chico Buarque.

A pessoa ciumenta é um cara que, de tanto procurar, um dia acha e, se não há o que achar, ele cria ou faz a outra pessoa criar.

Assim, sendo o ciúme um medo, eu sugiro a perda gradual desse medo usando um método que relato aqui.

A segunda forma. Não se colocar em situações que provoquem ciúme.

Para efeitos didáticos, imagine que o ciúme, em vez do medo de uma coisa imaginária que realmente é (medo de perder algo que nunca se possuiu: a individualidade alheia), fosse o medo de algo real.

Como o medo de se queimar, por exemplo.

Para evitar me queimar, eu evito fazer coisas estúpidas como ver se o tanque de gasolina está cheio iluminando o buraco usando um fósforo aceso.

Esta parte de meu método pessoal é um pouco mais complexa, mas eu evito situações em que se estabeleçam relacionamentos de dependência e de necessidade do outro: procuro ficar consciente da finitude e da transformação de tudo (embora gostemos de prolongar tudo para além do que já se durou e quando o mundo já se transformou), entre outras coisas.

O que fazer com o ciúme

Essa eu aprendi na oficina Prisão Monogamia, do Alex Castro:

Se você está no trânsito e alguém lhe dá uma fechada, eventualmente, você ficará com raiva, ódio mesmo, vontade de matar o sujeito. Sentimentos potencialmente negativos.

Você, efetivamente, faz isso? Acredito que, para a maioria de nós, a resposta é: eu deixo pra lá e com o tempo esqueço essa história. A maior parte das pessoas não sai matando gente por aí só porque levou uma fechada, embora fique irritada (e embora saibamos que alguns fazem besteiras bem sérias).

Aplique isso quando, em vez de raiva, sentir ciúme.

Se você descobrir que tem alergia à lactose, não insista em laticínios. Mas é mais fácil aplicar isso à alimentação do que às emoções, como qualquer observação prática dos relacionamentos que nos cercam comprovam.

Lide com com o ciúme como gente grande e não como bicho.

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