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A advogada Fernanda Fontoura, de 38 anos, de Curitiba, é a empreendedora por trás da marca Comidinhas de Diana.
A advogada Fernanda Fontoura, de 38 anos, de Curitiba, é a empreendedora por trás da marca Comidinhas de Diana.| Foto: Gazeta do Povo.

*Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo.

Falar que a maternidade é uma experiência transformadora é uma obviedade – muitas vezes, proporciona mudanças que se espraiam para a vida profissional. Segundo a Rede Mulher Empreendedora, plataforma que apoia quem está iniciando seu negócio, 75% das empreendedoras brasileiras abrem sua empresa após se tornarem mães.

Dentro desse perfil, há uma categoria à parte: mulheres que enxergaram na maternidade uma chance de empreender e/ou mudar de carreira. Foi o caso da ex-advogada Fernanda Fontoura, de 38 anos, de Curitiba. Ela é proprietária da marca Comidinhas da Diana, que começou como um perfil no Instagram no qual ela dava dicas de alimentação saudável a partir da experiência de introdução alimentar da filha Diana, hoje com cinco anos de idade.

“Eu fui advogada por dez anos, e pelo estresse e por estar me atrapalhando para ser mãe, eu já estava me afastando da profissão”, explica Fernanda. “Eu já gostava desse assunto da alimentação saudável, mas era bem diferente de como é hoje. Eu gostava de cozinhar e passei a me interessar mais a partir da introdução alimentar da minha bebê. Colocava informações no meu Instagram pessoal e fiz o Comidinhas da Diana com as refeições dela do dia. Foi um dos primeiros perfis do Brasil de pratinhos de comida. As pessoas passaram a indicar, gente de perfis maiores.”

Comidinha de Diana

O perfil Comidinhas da Diana tem hoje quase 500 mil seguidores. As redes sociais, porém, foram só o primeiro passo da marca. “Me sugeriram fazer um livro de receitas, mas na época eu não estava trabalhando, só o meu marido. Eu não tinha dinheiro para fazer diagramação e imprimir. Uma pessoa se ofereceu para diagramar e eu fiz uma pré-venda de 500 unidades para pagar a gráfica. No fim, vendi mil”, recorda Fernanda.

Os quatro livros da série Comidinhas da Diana já venderam juntos cerca de 84 mil exemplares. “Vivo melhor hoje do que quando advogava. Minha vida mudou drasticamente”, comemora. A marca hoje já estampa outros produtos: um aplicativo e a Granola da Diana (por meio de uma parceria) em breve vão ganhar a companhia de um kit feira, com cinco saquinhos de algodão, para que o comprador não precise usar sacos plásticos quando for à feira livre ou ao supermercado.

 Os quatro livros da série Comidinhas da Diana já venderam juntos cerca de 84 mil exemplares.
Os quatro livros da série Comidinhas da Diana já venderam juntos cerca de 84 mil exemplares. | Gazeta do Povo

Há cinco meses, Fernanda se tornou mãe pela segunda vez – mas diz, brincando, que não pretende criar a Comidinhas do Davi, nome do filho. “Mas mês que vem começa a educação alimentar dele, e vai ser toda baseada na Comidinhas da Diana”, garante. “A maternidade não é valorizada no Brasil. Obrigar alguém a voltar a trabalhar com um bebê de quatro meses em casa é desumano. Por isso dá aquele desespero, de não querer voltar, e isso gera muitas vezes a vontade de sair do trabalho e procurar uma forma de conciliar estar com a criança e trabalhar.”

Desafios ao empreendedorismo

Marcela Quiroga, diretora da Rede Mulher Empreendedora, diz que uma frase comum entre as mantenedoras da plataforma é: “Quando nasce uma criança, nasce uma empreendedora”. “Os motivos principais do empreendedorismo feminino são a (busca por) flexibilidade de tempo e a família. Há a preocupação de dividir a vida profissional com a responsabilidade do lar, ainda muito atribuída exclusivamente à mulher. E o ambiente corporativo é menos flexível, menos conciliador”, critica.

A diretora expõe que os maiores entraves ao empreendedorismo feminino são o acesso ao crédito (“por ser mais ousado, o homem tem um score maior no mercado financeiro; a mulher é mais conservadora”) e a falta de políticas públicas de incentivo.

Ela explica que o empreendedorismo por enxergar uma oportunidade é mais comum entre homens – as mulheres empreendem mais por necessidade (em 65% dos casos, segundo a diretora). “A mulher enxerga mais o que ela precisa e o que ela sabe fazer. O segmento mais procurado é o de serviços; dentro dele, 29,3% buscam o setor de alimentação. A princípio, não há grandes problemas nessa diferença entre homens e mulheres no empreendedorismo por oportunidade ou por necessidade, o que preocupa são os oceanos vermelhos, ou seja, muita gente que vai para o mesmo segmento, e quando há muitas empresas de menor valor. Os empreendimentos de mulheres costumam ter rentabilidade menor e elas também dedicam menos tempo”, lamenta.

“A mulher empreende mais tardiamente e pensa muito no cuidado com a família. O arroubo do homem, mais ousado e que empreende mais jovem, faz com que ele erre mais, mas ele também tenta mais vezes e acaba conseguindo mais sucesso”, aponta Marcela. “A Rede Mulher Empreendedora tenta contornar esses problemas, principalmente na capacitação, mentoria e networking.”

Mooui

Thais Carballal, de 37 anos, estudou engenharia civil em Londrina e depois trabalhou na parte administrativa de grandes empresas em Curitiba e São Paulo. Quando engravidou da primeira filha, Laura, que nasceria em 2014, ainda morava na capital paulista e percebeu uma lacuna no mercado ao fazer pesquisas para comprar o enxoval da bebê.

“Eu não achava o que eu queria, só tinha o clichê, o rosinha, e eu gosto de tudo muito colorido”, explica. Thais resolveu o problema comprando produtos dos Estados Unidos e, quando voltou da licença-maternidade, uma amiga de Londrina perguntou se não havia tido um insight para abrir um negócio. Ela comentou sobre a dificuldade na compra do enxoval, e as duas decidiram abrir a Mooui, especializada em decoração para quartos de criança, roupas de cama e acessórios.

“Ia conciliar com o meu emprego, mas no meio do caminho o meu marido (Henrique) recebeu uma proposta para voltar para Londrina e eu passei a me dedicar integralmente à Mooui”, relata Thais. A primeira venda da empresa aconteceu em abril de 2015. Thais tinha um Instagram em que mostrava seu estilo de decoração, e seus seguidores viraram clientes. A Mooui foi citada em revistas importantes da área e, hoje administrada apenas pelo casal, vende principalmente pela internet (95% das vendas são por e-commerce), mas também disponibiliza seus produtos em lojas parceiras.

Thais destaca que algumas estratégias foram importantes para diferenciar a Mooui no mercado: pronta-entrega, comercialização de peças avulsas e escapar de clichês, como desenhos de princesas em produtos para meninas. A empresa passou a investir em outras opções, como roupas infantis e para adultos. Thais e o marido, hoje pais de duas meninas (Rebeca é a caçula), coordenam uma equipe de oito pessoas.

Toalhas estampadas e roupas da Mooui. Foto: divulgação.
Toalhas estampadas e roupas da Mooui. Foto: divulgação.

“Eu tenho uma flexibilidade maior na minha rotina por ter uma empresa, que não teria principalmente em São Paulo, onde tudo é longe. Mas você acaba trabalhando muito mais do que seria trabalhando para alguém. Não tem horário fixo, fim de semana”, explica a empresária.

‘Bafafá da Mari’

Mariana Bernini, de 34 anos, era gerente de negócios de uma grande construtora de Londrina quando a maternidade a levou a promover uma reviravolta na sua vida pessoal e profissional. “Eu era bem workaholic, pilhada atrás de resultados. Amava a profissão e tinha uma renda muito legal, mas trabalhava 15 horas por dia. Quando decidi engravidar, demorou. Foi como se Deus me falasse: ‘Espera aí, agora acha que vai ser quando você quiser?’”, recorda.

Em 2017, Mariana teve a primeira filha, Clara, e chegou a voltar ao trabalho na construtora. “Retornei meio período, as demandas voltaram a surgir e eu não conseguia me dedicar à família. Engravidei de novo (Francisco nasceu em 2018) e percebi que não seria a mãe que eu queria ser. Pedi demissão e as pessoas ficaram incrédulas. Me disseram: ‘Você sabe que nunca mais vai ganhar o que ganhava, né?’”, relata.

“Quando eu estava grávida do Chico, eu ficava só em casa. As pessoas não entendem a complexidade de ser mãe, quanta coisa tem que fazer. É muito ruim ouvir alguém perguntar: ‘Você não trabalha, só cuida do filho?’. Ser mãe é algo muito desgastante, você não sai, não vê ninguém, vive cansada, engorda... Comecei a contar nas redes sociais sobre essa experiência, que a maternidade não era o que eu e muitas pessoas imaginavam. Eu achei que ia ser só amor, mas também tem muito cansaço e desafio. Outras mães começaram a me seguir e virei uma digital influencer sobre maternidade”, conta Mariana.

Ela decidiu então promover um encontro com seguidoras das suas redes sociais, em abril deste ano. Mariana achou que iam aparecer 200 pessoas, mas foram mais de 700. “Aí criei o stand-up ‘Bafafá da Mari’, sobre casamento e maternidade, no espírito ‘vamos dar risada do nosso desespero’: falando dos desafios da maternidade, da vontade de matar o marido...”, brinca. A partir de junho, o espetáculo ficou mais organizado – por enquanto, foram 20 apresentações, em Londrina, Maringá e Curitiba. Mariana agora pretende levar o espetáculo para outros estados e vê novas portas se abrirem, como adaptações do “Bafafá da Mari” para o meio corporativo.

O stand-up Bafafá da Mari fala sobre os desafios do casamento e da maternidade.
O stand-up Bafafá da Mari fala sobre os desafios do casamento e da maternidade.| Edinho Irizawa

“Estou começando a ter retorno financeiro, com mais flexibilidade de horários. Não que seja mais tranquilo, todo mundo que trabalha em casa sabe o quanto é complicado. Mas hoje tenho um trabalho mais adaptado à minha realidade”, diz Mariana, que planeja engravidar de novo. “Quando alguém pede um conselho, sempre digo que a maternidade nos faz descobrir fraquezas e potenciais. É como se você nascesse de novo: quando você se desapega da vida anterior, descobre possibilidades profissionais que não imaginava.”

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