Rafael Lamastra Jr., diretor-presidente da Compagas| Foto: Valterci Santos/Divulgação
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Na virada do mês, o diretor-presidente da Companhia Paranaense de Gás (Compagas), Rafael Lamastra Jr., iniciou sua jornada como vice-presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Com a entidade, assume papel de destaque o desenvolvimento da ainda incipiente cadeia de gás natural no país – o Brasil tem apenas um terço da malha de gasodutos da vizinha Argentina, bem menor em território.

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E o desafio se torna ainda mais difícil em meio a um ano de crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19, que derrubou as receitas dos principais clientes das fornecedoras de gás natural: indústrias de médio e grande porte. O resultado foi sentido na própria distribuidora que comanda. A companhia paranaense viu seu volume de distribuição cair 30% somente por conta da retração causada pela doença. Um impacto que deverá afetar seus números em 2020. E, possivelmente, terá impacto no processo de privatização da empresa – uma promessa do governo estadual para o próximo ano.

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Conversamos com Lamastra Jr. sobre os desafios para o mercado do gás no Brasil e no estado e sobre a concessão da companhia paranaense.

Quais são os principais desafios para a nova diretoria da Abegás?

Nosso grupo está imbuído em nesse ano, e nos próximos de nossa gestão, cuidar efetivamente da implantação, se é que a gente pode falar assim, do novo mercado do gás. Isso passa pelo correto cumprimento do acordo que a Petrobras fez com o Cade [em 2019, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, uma autarquia federal para a defesa da concorrência, estipulou que a estatal brasileira precisaria vender ativos de transporte e distribuição de gás natural por constatar práticas anticompetitivas]. Esse acordo foi originado de uma representação que a Abegás fez com o Cade em 2015, questionando a dominância que a Petrobras tem nesse mercado. Nós somos parceiros e admiramos o papel que a Petrobras tem, inclusive em relação ao gás. Mas, por mais que você deseje promover uma abertura de mercado, se você controla todas as varetinhas do jogo, não consegue. Queremos garantir que essa abertura de mercado se efetive. Tem várias ações em curso, como a venda da Gaspetro, a saída da Petrobras das redes de transporte. A hora que isso estiver concluído, vamos para o momento dois, que é permitir a entrada de novos distribuidores.

De que forma a Petrobras barrava uma livre concorrência no segmento?

Para ter uma ideia: ao longo do ano passado, nós fizemos uma chamada pública de suprimento [compra de gás]. Nós [Compagas] e mais cinco distribuidoras. Recebemos proposta de dez novos proponentes que se disporão a nos vender gás. Fizemos uma short list com quatro, dos quais um era a Petrobras. Na reta final as outras três resolveram retirar a proposta por acharem que não iriam conseguir entregar o que imaginavam. É que eles não têm como escoar. Tem empresa que tem poço de gás lá no pré-sal [principal reserva de petróleo do país], mas não tem gasoduto para trazer esse gás para a costa, pois a Petrobras ocupa 100% da capacidade. Essas capacidades são leiloadas pela ANP [Agência Nacional do Petróleo] e a Petrobras vai lá e compra tudo. As empresas não têm o gasoduto ou a capacidade de descer aqui e me entregar gás em Curitiba. Então o que eles fazem? Vendem para a Petrobras lá no pré-sal mesmo.

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O mercado consumidor do gás natural no Brasil é muito pequeno [embora tenha potencial, reservas e tamanho, o país tem menos consumo do que Argentina, Turquia e Argélia]. Qual é o desafio para torná-lo mais competitivo? Qual é o gargalo de infraestrutura no país que inviabiliza a competição do gás natural?

Vamos pegar o Paraná: olha o potencial que temos em Londrina, Maringá, Cascavel, Toledo. Não tem gás lá. Eu tenho uma operação em Londrina muito discreta e com o gás caríssimo porque eu não tenho gasoduto. Tenho que levar de caminhão. O Brasil tem hoje 10 mil quilômetros de malha [de gasodutos]. A Argentina tem 30 mil quilômetros. Os Estados Unidos têm 500 mil quilômetros. A gente tem no Brasil o que chamamos de gasodutos de camarão, porque eles só correm na costa. O gasoduto no Paraná vem de São Paulo, entra por Doutor Ulysses, cai aqui em Curitiba e segue para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nossa rede de distribuição vai até somente Carambeí [nos Campos Gerais]. Está muito localizado nessa região, enquanto você poderia estar levando desenvolvimento para o interior do estado. Você não interioriza o gás porque falta infraestrutura. Falta decisão em termos de governo.

O governo federal parece querer apostar em obras de infraestrutura para reerguer a economia. Isso pode ser bom para o gás natural?

Nós estamos tentando vender isso de forma positiva para o governo. Temos uma oportunidade com o plano Pró-Brasil [programa de impulso econômico baseado em investimentos em infraestrutura]. Apesar de já ter mais de 25 anos, o gás ainda é um mercado muito novinho, imaturo, que não se desenvolverá única e exclusivamente pela iniciativa privada. O governo, nesse caso, tem que pegar pela mão. Se você fosse colocar na ponta do lápis e fazer plano de viabilidade, o gás no Brasil não existiria hoje. Foi o governo que começou o processo quando construiu o gasoduto Brasil-Bolívia [no final dos anos 1990]. Ainda não tínhamos o pré-sal [antes, todo o gás que abastecia o Brasil vinha do vizinho de continente; hoje, é a bacia brasileira que abastece a maior parte do nosso mercado]. O governo vai ter que investir. Lá na frente você faz um processo de outorga.

Em 2019, a Compagas anunciou números muito positivos de distribuição: uma alta de 20% no volume de distribuição. Chegou-se a uma média anual de 1,4 milhões de metros cúbicos por dia. Como está sendo o resultado em 2020, em meio a uma crise sanitária que tem paralisado a atividade econômica?

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Nós tivemos um revés grande no início do ano com o fechamento da Ansa [a fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados, na região metropolitana de Curitiba]. A gente já vinha acompanhando esses movimentos na Petrobras, mas imaginávamos que essa saída seria no segundo semestre. Mas eles pararam em fevereiro. Era um cliente importantíssimo nosso. No caso do uso da ureia na produção de fertilizantes, o gás entra como matéria-prima [Lamastra estima que a perda em volume distribuído com a saída de seu principal cliente foi de 30%]. Em março, veio a pandemia. De março para cá perdemos 30% do nosso volume de distribuição. E achamos que desses 30%, entre 10% e 20% pode não voltar ou retomar muito lentamente. Tem empresas que vão fechar. Tem empresas que reduziram turno de trabalho e consumo. Isso vai afetar o nosso resultado. No ano passado, tivemos o melhor resultado em anos. Neste, vamos ter um resultado muito ruim. Um reflexo da economia.

O Brasil tem hoje 10 mil quilômetros de malha [de gasodutos]. A Argentina tem 30 mil quilômetros. Os Estados Unidos têm 500 mil quilômetros. A gente tem no Brasil o que chamamos de gasodutos de camarão, porque eles só correm na costa

E o que a empresa tem feito para proteger seus clientes, que são igualmente afetados pela quebra econômica?

Tomamos uma série de atitudes. Tivemos [no Paraná] projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa que estabeleceu algumas tolerâncias com a inadimplência em diversos segmentos. A Compagas adotou uma política diferente disso, que extrapola todas as categorias. Nós ampliamos para 100% dos clientes [residenciais]. Nenhum foi afetado. Também parcelamos os débitos no caso da inadimplência. Na área comercial, a lei previa vedar o corte para comerciantes enquadrados como micro e pequenas empresas. Nós estendemos para todo mundo. Não tivemos nenhuma suspensão. Também parcelamos. O parcelamento vai até dezembro.

E quanto à indústria, que responde por 85% do gás distribuído pela Compagas?

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Na Petrobras existe uma cláusula de penalidade. Se eu compro determinado número de metros cúbicos, eu tenho que pagar. Se eu não retirar o contratado, eu tenho uma penalidade. Nós negociamos com a estatal essas penalidades por 90 dias e repassamos para as indústrias. Para os pequenos, seguimos a lei e não cortamos [o fornecimento em caso de inadimplência].

Tem empresas que vão fechar. Tem empresas que reduziram turno de trabalho e consumo. Isso vai afetar o nosso resultado. No ano passado, tivemos o melhor resultado em anos. Neste, vamos ter um resultado muito ruim. Um reflexo da economia

A pandemia e a crise econômica decorrente dela podem, de alguma forma, atrapalhar os planos de privatização da companhia?

Eu penso que não. Antes de cumprir a etapa da privatização nós temos outras duas etapas a serem cumpridas. Ambas estão nas mãos do governo, já que a Compagas não tem ação em nenhum momento. Primeiro, o governo está elaborando o Plano do Gás. Tem um grupo de trabalho formado e está trabalhando com assessoramento de uma consultoria. A informação que eu tenho é que apesar da pandemia os prazos estão sendo cumpridos. A partir daí, vamos para outra etapa. O governo vai fazer a renovação da concessão. O governo vai fazer a antecipação para tornar atrativo o novo período de outorga. Feito esse processo, que eu espero que esteja concluído até o primeiro semestre do ano que vem na pior das hipóteses, aí a Copel [sócia majoritária da companhia, com 51% das ações] inicia seu processo de venda dos ativos. Será concluído no ano que vem.

Um resultado negativo em 2020 pode tornar a companhia menos atrativa aos olhos de potenciais compradores?

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Nós estamos em uma crise, mas em negócios de concessão não se avalia em curtíssimo prazo. Uma concessão dessas aí é para 30 anos. Quem vai se debruçar para saber se tem interesse ou não em um desses ativos está olhando para o futuro e para o cenário Brasil: qual vai ser o mercado do gás no Brasil nos próximos 30 anos, 35 anos. Eu vejo que essa foto não é a foto do momento. É uma panorâmica.