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“Nem todo o Oceano do grande Netuno será capaz de lavar definitivamente este sangue das minhas mãos?”
(Macbeth, Ato II, Cena 2)
Há alguns dias assisti a “O capitão soviético”, dirigido pelos cineastas russos Natalya Merkulova e Alexey Chupov. O filme conta a história do capitão Fiódor Volkonogov, um agente da polícia secreta que atua nos expurgos stalinistas de 1937-38.
Depois de torturar e executar inúmeros presos políticos — todos inocentes —, o capitão Fiódor passa a ser perseguido pelo próprio regime ao qual servira com devoção. Nesse ponto, o cadáver de um amigo volta dos mortos para dizer a Fiódor que ele precisa obter o perdão de ao menos um familiar de suas vítimas, ou será condenado às penas do inferno.
A maior parte do filme mostra Volkonogov procurando os entes queridos das pessoas que ele destruiu, e pedindo perdão por seus crimes. O problema é que, numa sociedade totalitária, as pessoas estão cegas de ódio e perderam a capacidade de perdoar.
Lembrei-me do filme russo quando ouvi o áudio de Airton Vieira, um dos juízes auxiliares do Imperador Calvo, divulgado no início da semana. Em resposta a Eduardo Tagliaferro, assessor do mesmo monarca, Airton desabafa:
“Olha, realmente a coisa está feia, viu? Eu não aguento mais, física, psicológica e emocionalmente. Não consigo dormir sossegado, não tenho tranquilidade. Estou perdendo completamente a higidez mental, o pouco que eu ainda tinha. Realmente a coisa está feia.”
O juiz Airton Vieira vai mais longe e reclama dos métodos de trabalho do seu chefe:
“Pensei que a pressão diminuiria, mas ela voltou a crescer exponencialmente. (...) Está muito, muito difícil.”
Por fim, ele afirma que a própria família acabou sendo atingida pela situação:
“Minha família está sendo extremamente prejudicada, e o trabalho só aumenta a pressão. Cobranças para tudo, o que falamos não tem crédito, e tudo é para anteontem.”
Na maior parte das matérias publicadas sobre o caso, ganhou pouco destaque uma informação relevante: a data em que o magistrado fez essas reclamações. Segundo o jornalista David Ágape, o áudio seria de 14 de janeiro de 2023. Airton Vieira estava se referindo, provavelmente, às audiências de custódia do 8 de janeiro. Era apenas o início da grande farsa.
Nos meses seguintes, porém, Airton se tornou uma das peças-chaves na perseguição e prisão dos reféns políticos. Em outros áudios revelados pela Vaza Toga, o mesmo juiz parece bem mais à vontade com o trabalho realizado, chegando mesmo a fazer piadinhas com o drama dos encarcerados sem crime:
“Que nas audiências de custódia possamos dar a cada um o que lhe é de direito: a prisão!”
O mesmo juiz que antes se preocupava com a sua “higidez mental” comemorava a prisão de pessoas cujo único crime era fazer oposição ao Regime PT-STF. Houve até quem fosse perseguido e condenado por fazer uma postagem contra Lula... em 2018!
VEJA TAMBÉM:
A senhora espancada na cela, os idosos, os doentes, as mães, os pais, os inocentes lançados na prisão, o corpo de Clezão no pátio da Papuda — nada disso parece ter tirado o sono do juiz Airton Vieira
As pessoas presas unicamente por estarem protestando contra a eleição de um descondenado — não lhe prejudicaram a higidez mental.
A atuação de um gabinete paralelo e ilegal para perseguir dissidentes — não lhe causou nenhum dissabor. As famílias destruídas, os órfãos de pais vivos, os bens confiscados, as defesas cerceadas, as vozes censuradas — não havia nada de feio nisso para o juiz Airton Vieira.
A coisa só “estava feia” no começo. Depois, tudo virou rotina. O cumprimento de ordens ilegais banalizou-se. Até que um dia o capitão Fiódor Volkonogov — aquele que só estava seguindo ordens — descobriu que era tarde demais para pedir perdão.
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