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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Igreja Católica

Leão XIV e o momento do nosso nascimento

(Foto: Fabio Frustaci/EFE/EPA)

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Quando o papa Leão XIV apareceu para saudar os fiéis na Praça de São Pedro, a expressão de seu rosto, especialmente de seus olhos, causou-me uma impressão profunda. Aquele não era o olhar de um político vitorioso, de um general que experimenta as delícias da glória, tampouco de um vaidoso triunfante. Aquela era a expressão de alguém que foi colocado sob uma responsabilidade descomunal, misteriosa e sobre-humana. Aquele era o olhar da cruz.

Lembrei-me então de uma antiquíssima história da tradição católica, acerca do brutamontes que usava de sua força física para transportar as pessoas de um lado ao outro do rio. 

Certo dia, o homem foi procurado por um menino, que lhe solicitou os serviços. No entanto, o que parecia uma tarefa simples tornou-se a travessia mais difícil de toda a vida daquele homem. Ao atingir, com inimaginável esforço, a outra margem do rio, o homem perguntou ao menino a razão de tudo aquilo. E o Filho de Deus lhe disse:

— Tu acabaste de carregar todos os pecados do mundo.

Esse homem tornou-se São Cristóvão, cujo nome significa “aquele que leva Cristo”. Ora, o olhar do papa parecia refletir o peso desses pecados — os nossos pecados — que fizeram o Cristo suar sangue no Jardim das Oliveiras. 

Leão, naquele instante, parecia ter os olhos cravados no Getsêmani das nossas iniquidades. É esse peso que o sucessor de Pedro terá que levar sobre os ombros de agora em diante

Isso me faz pensar nos versos de Drummond:

“Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.

Essa criança estava representada ali, na praça, pela figura da menina em prantos, levada aos ombros pelo pai. Sei que não é muito bonito um homem chorar, mas naquele momento eu não me contive, e confesso-o aqui, diante de meus sete leitores. Naquele momento, eu voltei ao dia em que meu pai levou-me aos ombros, na Avenida Tiradentes, em São Paulo, para ver passar o papa João Paulo II.

E quando o santo padre rezou a Ave Maria em italiano, mencionando Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, eu me lembrei das Ave-Marias que minha mãe rezou para que o filho ateu e comunista voltasse para Deus. Obrigado, mãe, por me trazer de volta para casa. Tenho muita saudade de você.

Ainda que eu seja o menor entre os escritores — um mero cronista lido por sete amigos generosos —, tenho plena consciência da importância da escolha das palavras, e sei que, de todas as palavras, as mais decisivas são os nomes. Por isso, a escolha do nome de Leão pelo novo papa teve para mim o valor de um presente dos céus.

São Leão Magno, que reinou entre 440 e 461, foi um dos maiores papas da história da Igreja. Além de sua posição firme na definição de Jesus como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Leão será eternamente lembrado pelo seu encontro com Átila, o Huno, quando surgiu ladeado pela visão dos apóstolos Pedro e Paulo, que brandiam espadas de luz e demoveram o facínora da ideia de invadir e trucidar Roma.

O nome também remete a Leão XIII, o papa que reinou em uma era de profundas trevas, entre 1870 e 1903, e combateu decisivamente inimigos da Igreja como a maçonaria e o comunismo. 

Leão XIII compôs algumas das preces mais poderosas dos tempos modernos, como o exorcismo de São Miguel Arcanjo e a Oração a São José, que costumo recitar depois do Santo Rosário (como fiz no primeiro dia do conclave):

“Assisti-nos do alto do céu, ó nosso fortíssimo sustentáculo, na luta contra o poder das trevas, e assim como outrora salvastes da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, assim também defendei agora a Santa Igreja de Deus das ciladas do Inimigo e de toda adversidade”.

Por fim, quero dizer da minha alegria em ouvir Leão XIV citar, logo em sua primeira missa como papa, o martírio de Inácio de Antioquia em Roma:

“Ao iniciar a minha missão de bispo da Igreja em Roma, chamado a presidir na caridade a Igreja universal, segundo a célebre expressão de Santo Inácio de Antioquia. Levado acorrentado a esta cidade, lugar do seu iminente sacrifício, ele escreveu aos cristãos que lá estavam: ‘Então serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo quando o mundo deixar de ver o meu corpo’.”

Quando Inácio estava para ser entregue às feras, alguns irmãos católicos se ofereceram para resgatá-lo. O santo se recusou a receber qualquer ajuda, dizendo:

— Este é o momento do meu nascimento!

Agora entendi. Na Praça de São Pedro, Leão não estava apenas olhando os nossos pecados: ele contemplava também a nossa esperança de nascermos em Cristo quando o mundo deixar de ver o nosso corpo.

Habemus papam.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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