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BNDES
O ex-ministro Aloizio Mercadante, de perfil desenvolvimentista, foi indicado por Lula para a presidência do BNDES no atual governo.| Foto: André Borges/EFE

Desinvestimentos onde era preciso, incentivo ao mercado sustentável (como o de carbono), modelagem e estruturação de projetos para atração de investimentos privados, resultado maior e avanços em governança: essas são as marcas dos últimos anos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob comando do engenheiro Gustavo Montezano, que liderou a instituição até o final de 2022. Por outro lado, o futuro do banco pode ser caminhar para trás com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso o BNDES volte com algumas políticas perversas, como incentivar campeões nacionais, concorrer deslealmente com o mercado de capitais e financiar a exportação de serviços para ditaduras com baixo nível de transparência e governança.

No final de 2015, com quase 13 anos de PT no poder, a Basileia (principal indicador internacional de saúde financeira dos bancos) do BNDES era de raquíticos 9,8%. Quanto menor for o índice do banco, mais arriscado ele é: a instituição precisa ter, ao menos, 10,5%. No fim de 2022, a Basileia do BNDES fechou em 28,7%, quase três vezes mais.

Em 2021, o lucro das estatais havia batido recorde de R$ 188 bilhões (três vezes mais que em 2020), maior parte proveniente de cinco empresas, dentre elas, o BNDES.

Outro exemplo de sucesso da gestão passada do BNDES é que o banco bateu recordes nos resultados dos dois primeiros semestres de 2022. No 1º trimestre, foram R$ 12,9 bilhões de lucro líquido: 32% mais que no mesmo período de 2021. Foi o melhor para um trimestre na história do banco. Já no 2º trimestre, o lucro líquido foi de R$ 11,7 bilhões, 120,7% a mais que o mesmo período de 2021. O BNDES também fechou o 3º trimestre com lucro, desta vez, de R$ 9,6 bilhões: 76% mais que no mesmo período do ano anterior. O BNDES teve lucro líquido acumulado nesses três trimestres de R$ 34,2 bilhões em 2022, aumento de 29,5% em comparação com o mesmo período de 2021. Os resultados do 4º trimestre ainda não foram divulgados.

Em 2021, o lucro das estatais havia batido recorde de R$ 188 bilhões (três vezes mais que em 2020), maior parte proveniente de cinco empresas, dentre elas, o BNDES. Naquele ano, o banco foi a segunda estatal mais lucrativa, atrás apenas da Petrobras, lucrando, sozinho, R$ 34 bilhões. Em 2022, o BNDES pagou R$ 12,6 bilhões nos três primeiros trimestres do ano ao Tesouro Nacional, e também pagou R$ 1,8 bilhão em impostos.

Mas o BNDES não beneficiou apenas os cofres públicos. “Não havia mais tempo para tolerar o que os nossos empreendedores enfrentam diariamente. A ferramenta que viabilizou essa ponte foi um fundo garantidor para pequenas e médias empresas, o FGI PEAC. Fruto de uma inovação aberta e coletiva junto ao Ministério da Economia, Congresso Nacional, associações empresariais, setor financeiro, entre outros. O produto, até então pouco expressivo, foi responsável por irrigar R$ 92 bilhões a milhares de pequenas e médias empresas brasileiras. Em vez dos campeões nacionais, focamos em nossos heróis nacionais. Senso de urgência, colaboração, propósito e impacto”, disse, numa carta oficial de janeiro de 2022, o então presidente do BNDES Gustavo Montezano. Essa parte é importante: focar nos heróis nacionais, nossos corajosos empreendedores, em vez de eleger campeões nacionais, grupos com fortes conexões políticas que se beneficiam desses laços para prosperarem, como fez Lula anteriormente.

O Estado brasileiro não precisa ser acionista de empresas com capital aberto. Existem outras prioridades no orçamento público, como educação, saúde e assistência social.

Por exemplo, um fundo formado pelo BNDES e o Sebrae terá aporte de R$ 500 milhões de cada uma das instituições, para crédito às operações com o Microempreendedor Individual (MEI) e as MPMEs (Micro Pequenas e Médias Empresas) contratadas por agentes financeiros credenciados no fundo. Esse montante representará garantias de até R$ 12 bilhões. Por outro lado, o BNDES reduziu sua participação nas maiores empresas nacionais: se desfez de R$ 88,5 bilhões de gigantes como a Vale (R$ 28,6 bilhões) e a Petrobras (R$ 27,3 bilhões). O Estado brasileiro não precisa ser acionista de empresas com capital aberto. Existem outras prioridades no orçamento público, como educação, saúde e assistência social.

Além de melhorar a vida dos empreendedores reais, o BNDES também tomou os princípios ESG — sigla em inglês para Environmental (Ambiente), Social (Social) e Governance (Governança Corporativa), ou ASG em português — como prioridade. Em 2021, durante a COP26 (26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), o BNDES lançou o programa Floresta Viva, iniciativa de financiamento coletivo para restaurar as florestas e bacias hidrográficas brasileiras, com até R$ 500 milhões de investimentos nos próximos 7 anos. “Um verdadeiro laboratório para desenvolvimento dos parâmetros do mercado de carbono de reflorestamento brasileiro”, explicou Montezano sobre o projeto.

Além disso, o banco também desenvolveu o projeto Resgatando a História, para apoiar projetos de recuperação de patrimônio histórico: foram R$ 618 milhões para 43 projetos de restauração (R$ 384 milhões do BNDES e o restante de doações de terceiros). O BNDES também criou o programa Salvando Vidas para apoiar  a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais na linha de frente à Covid-19 e até mesmo na implantação de usinas de oxigênio. O programa é um dos maiores matchfundings do país. Um matchfunding é um modelo  de financiamento coletivo, um crowdfunding em que ocorre a participação de uma empresa ou instituição. O Salvando Vidas arrecadou R$ 140,7 milhões.

Em apenas 3 anos (de 2019 a 2022), o BNDES mobilizou R$ 1,35 bilhão em doações para ações socioambientais. Como o banco turbinava as doações de terceiros, o valor global investido em ações com impacto socioambiental relevante chegou a R$ 2,45 bilhões nesse período. E em parceria com a organização social apartidária Movimento Bem Maior (MBM), o BNDES anunciou, em novembro de 2022, a destinação de R$ 53,1 milhões para seis projetos propostos por organizações sociais: cinco de apoio à educação básica da rede pública e um de promoção de empreendedorismo para a população de baixa renda.

Mas, sem dúvida, o maior legado do BNDES nos últimos anos foi sua participação nos processos de desestatização ocorridos no Brasil, com destaque para mobilidade urbana, saneamento, meio ambiente, iluminação pública e até aeroportos. Foram 40 leilões que mobilizaram mais de R$ 270 bilhões em capital. Outros R$ 200 bilhões em projetos em andamento foram deixados para a equipe de Mercadante assumir. Com isso, o BNDES desconstruiu aquela velha falácia de que falta capital privado de longo prazo no Brasil. Não é verdade. O que faltam são projetos bem estruturados e modelados que garantam a segurança jurídica e a taxa de retorno necessários para atrair capital privado do Brasil e do exterior. Vários fundos de pensão e fundos soberanos internacionais decidiram investir em projetos de infraestrutura no Brasil em razão das boas modelagens estruturadas pelo BNDES.

Enquanto o mercado avalia o risco de retrocessos no BNDES com Lula, o próprio presidente já se comprometeu com eles.

Ocorre que, se nos últimos anos o BNDES avançou, a preocupação do mercado em relação a ele são justamente os retrocessos que Lula pode trazer. As marcas do BNDES do passado, sob Lula e Dilma Rousseff, vão desde a fracassada política dos campeões nacionais aos “investimentos” desnecessários, incluindo em países de ditaduras esquerdistas, com zero transparência e sem qualquer governança. Outro ponto de preocupação é se o banco fará uma concorrência desleal ao mercado de capitais, oferecendo juros subsidiados, pagos por todos os cidadãos, sem grandes contrapartidas de governança e transparência, como exige a bolsa de valores. “A dúvida é se o Lula III voltará a usar o banco de desenvolvimento para jogar dinheiro de helicóptero sobre a Fiesp, dando crédito subsidiado a quem precisa e a quem não precisa — e impactando ainda mais um quadro fiscal já lastimável”, escreveram, no Brazil Journal, Geraldo Samor e Pedro Arbex.

Enquanto o mercado avalia o risco de retrocessos no BNDES com Lula, o próprio presidente já se comprometeu com eles: ao anunciar o ex-ministro e ex-parlamentar petista Aloizio Mercadante para comandar o banco, Lula prometeu que “vai acabar a privatização no país”.

Como já mencionado no meu texto “Brasil precisa superar desvios que faziam do BNDES um Robin Hood às avessas”, o BNDES foi usado nas gestões petistas para capturar apoio da iniciativa privada e favorecer os amigos do rei. Por exemplo, graças à política dos campeões nacionais, o grupo J&F — dos famosos “irmãos Batista” da Operação Lava Jato —, recebeu R$ 17,6 bilhões entre 2003 e 2017 do BNDES. Só não recebeu mais dinheiro do que a Petrobras, Embraer, Odebrecht e Oi, conforme informações do próprio BNDES. O dinheiro do BNDES também foi torrado com os amigos do PT no exterior. Cerca de R$ 11 bilhões em Cuba e na Venezuela, que deram sucessivos calotes e ainda devem R$ 3,3 bilhões de reais ao BNDES.

Mercadante prometeu que o BNDES será “digital, verde e inclusivo”, sem repetir os erros do passado. O banco já está mais digital e verde do que nunca, o governo novo tem a faca e o queijo na mão: bastaria seguir com os avanços da gestão anterior, o que os petistas já sinalizaram que não farão. Adicionalmente, o Fundo Amazônia, sob gestão do BNDES, será reativado com R$ 3,3 bilhões não reembolsáveis doados pela Suécia e a Alemanha: dinheiro que esperamos que seja bem investido em projetos relevantes e eficientes no combate ao desmatamento, e não em ações duvidosas. É uma grande responsabilidade.

Após tantos avanços, o BNDES não pode voltar à pequenez de ser peça no jogo de xadrez de políticos corruptos ou de empresários que querem recursos fáceis, sem contrapartidas e sem transparência. O foco do presidente Lula deveria ser o de utilizar o BNDES nos processos de estruturação e modelagem de desestatizações, nos projetos ESG e incentivar os empreendedores que mais precisam. A função de um banco de desenvolvimento deve ser fomentar e melhorar o desenvolvimento econômico, de forma sustentável e sem prejudicar o bom funcionamento da economia de mercado por meio do favorecimento de poucos privilegiados que são amigos e doadores dos políticos.

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