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Eduardo Cunha
A proposta é de Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha. O ex-deputado acaba de ter sua condenação na Lava Jato cancelada, de forma questionável, por uma decisão do STF. Cunha teve revertida a pena de mais de 55 anos de prisão em três processos por corrupção| Foto: Redes sociais / Reprodução

A Câmara dos Deputados teve uma ideia “brilhante”: aprovar o projeto da deputada federal Danielle Cunha (União Brasil-RJ), filha de Eduardo Cunha, que vai punir a “discriminação contra políticos” com pena de prisão de até 4 anos. A aberração jurídica contou com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É mais uma prova de que a maioria dos políticos não possui qualquer respeito com os eleitores e todo o povo brasileiro. Afinal, a quem interessa acabar com o controle social sobre o trabalho dos políticos?

Até a Operação Lava Jato, que estava punindo políticos de mau caráter que roubaram dinheiro dos brasileiros, já foi destruída. O projeto de lei (PL) 2720/23 de Dani Cunha, aliás, será usado para blindar alvos da Operação Lava Jato: a ideia é colocar na cadeia quem recusar serviços, em instituições financeiras, para um político ou para seus parentes. A legislação estabelece como condutas criminosas a recusa em abrir ou manter contas bancárias, a negação de concessão de empréstimos ou a rejeição da prestação de outros serviços financeiros aos políticos por parte de representantes de bancos, corretoras ou outras empresas do sistema financeiro. Ora, mas as instituições financeiras e empresas serão obrigadas a fazer negócio com pessoas que possuem uma reputação questionável?

O Brasil não pode continuar sendo um país de privilégios que desrespeita tão ferozmente os cidadãos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, pôs o projeto em votação de última hora. Porém, como era de interesse dos parlamentares, a nova legislação que privilegia os políticos ganhou 252 votos favoráveis na votação relâmpago, e apenas 163 contrários. Mais uma vez, a esperteza regimental venceu o bom senso.

Na votação do dia 14 de junho, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), filho do petista José Dirceu — condenado na Lava Jato e com a pena reduzida pelo Poder Judiciário — votou a favor do projeto, claro. Além dele, outros deputados, como Carlos Zarattini (PT-SP) e Rui Falcão (PT-SP), também votaram “sim”. Os deputados Filipe Martins (PL-TO) e Marco Feliciano (PL-SP), teoricamente da oposição, também votaram a favor. Nikolas Ferreira (PL-MG), Adriana Ventura (Novo-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS), Kim Kataguiri (União-SP) e Rosângela Moro (União-SP), votaram contra. A proposta  de Dani Cunha teve oposição, principalmente, de deputados do Novo e do Psol.

A lei brasileira já pune os crimes de calúnia, injúria e difamação contra qualquer pessoa, mesmo políticos.

Além dos políticos, a versão do texto aprovado pelos deputados trata como pessoas politicamente expostas (PEPs) os familiares dos políticos e também a cúpula de órgãos militares, da magistratura e dos partidos, conforme analisou o jornal O Estado de S. Paulo. A última versão do texto ampliou a blindagem contra recursos de instituições financeiras para qualquer pessoa investigada, processada ou réu.

O relator do projeto foi Claudio Cajado (PP-BA): e ele só entregou o relatório final depois que a proposta entrou em votação por volta das 20h30, ainda segundo o Estadão. Deputados pediram para Lira, o presidente da Câmara, adiar a votação, mas ele negou, mesmo sem o texto protocolado no sistema. Lira aprovou o requerimento de urgência para a votação em menos de 30 minutos com 318 votos a favor e 118 contrários. O projeto foi votado em seguida.

Se a versão aprovada pelo projeto é ruim, a anterior era ainda pior. A versão original do projeto de Dani Cunha aumentava a punição para o crime de injúria quando praticada contra políticos, “o que era visto como uma atuação em causa própria da deputada, uma vez que seu pai foi alvo de investigação de crimes de corrupção. Lira era próximo de Cunha, que comandava o Centrão, e hoje controla esse bloco de parlamentares”, explicou o jornalista Daniel Haidar no Estadão. Eduardo Cunha, pai de Dani, já teve todo o patrimônio bancário bloqueado pela Justiça como parte de investigações e condenações da Operação Lava Jato.

Além de ser considerada atuação parlamentar em causa própria para beneficiar seu pai, essa versão, caso tivesse sido aprovada, tornaria o Brasil ainda mais próximo dos regimes ditatoriais da Coreia do Norte e da China, onde os cidadãos não possuem liberdade para criticar as autoridades. Também iria diminuir ainda mais a liberdade da imprensa independente, que não deve atuar para favorecer políticos. Seria, na melhor das hipóteses, uma legislação desnecessária, já que a lei brasileira já pune os crimes de calúnia, injúria e difamação contra qualquer pessoa, mesmo políticos.

A lei contra a “discriminação de políticos” aumenta ainda mais os privilégios a eles e suas pessoas próximas.

“É realmente indignante ver algo tão absurdo ser aprovado na Câmara dos Deputados! Será que em breve seremos presos por chamarmos o político pego com dinheiro na cueca de corrupto?”, questionou, sabiamente, o deputado federal cassado Deltan Dallagnol num vídeo publicado em suas redes sociais.

Há ainda a aberração da interferência indevida no mercado e também a eliminação da igualdade perante a lei de todos os cidadãos. Isso porque, qualquer pessoa, passa por uma avaliação em qualquer banco ou instituição financeira para poder conseguir abrir uma conta, fazer um empréstimo ou mesmo conseguir aumentar o limite do cartão de crédito.

O que a proposta de Dani Cunha faz é dividir ainda mais o Brasil entre os reles mortais e os privilegiados, aumentando ainda mais a desigualdade.

Deste modo, a lei contra a “discriminação de políticos” aumenta ainda mais os privilégios a eles e suas pessoas próximas, pois obriga as instituições financeiras a cumprirem seus desejos sem fazer a mesma avaliação que faz com qualquer outro cidadão brasileiro. “Qualquer estelionatário ou réu condenado em segunda instância está tendo garantida a abertura de conta no banco, inclusive a concessão de crédito”, disse o deputado Marcel Van Hattem.

O que a proposta de Dani Cunha faz é dividir ainda mais o Brasil entre os reles mortais e os privilegiados, aumentando ainda mais a desigualdade que Lula e o Partido dos Trabalhadores fingem querer combater, apesar de apoiarem essa aberração jurídica. A proposta também pode prejudicar ainda mais o Brasil no cenário internacional, segundo avaliação da Transparência Internacional (TI).

"Há um risco de que o Brasil – e as suas instituições financeiras – sejam considerados fontes de riscos adicionais de lavagem de dinheiro por não aplicarem estes mecanismos de prevenção, o que ameaçaria todo o sistema financeiro nacional", disse a Transparência Internacional em nota. A organização explicou que ao criminalizar a adoção de condutas que visam “reduzir os riscos de lavagem de dinheiro”, o projeto de Dani Cunha “subverte a lógica de incentivos a que estão sujeitas as instituições financeiras”.

O Brasil, inclusive, está em 94º lugar entre 180 países no ranking mundial da corrupção da Transparência Internacional. Quanto mais longe do primeiro lugar, significa que mais corrupto o Brasil é. Se o Senado aprovar a medida, isso só aumentaria a corrupção do Brasil — parece até que os deputados querem nos jogar de vez na posição 180 ou mais próxima dela.

A avaliação dos especialistas é que o PL contra a “discriminação de políticos” não deve avançar no Senado, ou, que vai, ao menos, encontrar resistência por lá. É difícil contar com o bom senso dos parlamentares hoje em dia, então, é fundamental que os cidadãos cobrem seus senadores, para que eles não cometam o mesmo erro que os deputados. O Brasil não pode continuar sendo um país de privilégios que desrespeita, tão ferozmente, os cidadãos e o importante controle social que deve haver em todas as democracias.

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