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Serra da Saudade (MG) possui população de apenas 825 pessoas, segundo dados do Censo 2022.
Serra da Saudade (MG) possui população de apenas 825 pessoas, segundo dados do Censo 2022.| Foto: Reprodução/ Site da Prefeitura de Serra da Saudade

O Brasil possui muitos municípios que não se justificam pelo interesse público, apenas pelo interesse político. O país precisa repensar a quantidade de municípios. Você vai concordar com essa afirmação se quiser ter um país melhor para todos, e, inclusive, pagar menos impostos. 1.324 municípios do país têm até 5 mil habitantes, de acordo com o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgado no fim de junho. Teoricamente, isso não deveria ser um problema, mas, no Brasil, municípios pequenos com estruturas administrativas caras significam que os cidadãos não irão receber serviços públicos de qualidade.

Um levantamento do site Virtu News de 2020 revelou que 7 em cada 10 cidades com menos de 5 mil habitantes tinham mais de 50% de suas receitas provenientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), da União. Ou seja, são municípios que não se sustentam pelas próprias receitas. Na época, a conta considerava 1217 municípios com menos de 5 mil habitantes. O levantamento foi feito com base no IBGE e no Tesouro Nacional.

Quando todos os brasileiros entenderem melhor as vantagens de repensar o número de municípios, poucos serão contra essa proposta.

Essas cidades possuem 2.434 cargos de prefeito e vice-prefeito, além de uma dezena de milhares de vereadores: quase 11 mil cargos poderiam ser extintos se houvesse uma racionalização de municípios. A ideia é juntar cidades pequenas com outras para economizar em gastos de atividades meio e focar recursos em atividades finalísticas. Mais de 30 mil cargos de funcionários municipais também poderiam ser extintos. “Essas cidades têm em comum a baixa população e a baixa arrecadação de impostos próprios, responsáveis por menos de 10% da receita total”, explicou a revista Veja na época.

Segundo o levantamento, há ainda uma desigualdade na recepção de recursos entre as cidades maiores e menores. As cidades com menos de 5 mil habitantes abrigavam apenas cerca de 2% da população, mas controlavam 10% do FPM. Em 2019, o FPM transferiu R$ 93,4 bilhões, e 37% do montante foi para os municípios com 15% da população. Enquanto as cidades com 26% da população ficaram com apenas 18%. “As cidadelas receberam, em média, 2.408 reais por pessoa. Os municípios de 500 mil a 1 milhão de habitantes, por sua vez, receberam 177 reais por habitante”, narrou a Veja. De acordo com esse estudo, existe um incentivo perverso para criar cidades pequenas que sejam insustentáveis financeiramente apenas para receber mais recursos públicos. Isso, com certeza, não tem risco de dar certo. Conforme a análise, as cinco cidades que levaram mais dinheiro tinham menos de 1,5 mil habitantes. As cidades foram Serra da Saudade (MG), Borá (SP), Engenho Velho (RS), Cedro do Abaeté (MG) e Araguainha (MT). Serra da Saudade levou R$ 10 mil por habitante em sua cota no FPM, de acordo com o Virtu News.

“O levantamento mostra ainda que a Receita Corrente Líquida — a soma de receitas tributárias, contribuições, transferências correntes e outras — per capita média de municípios de até 5 mil habitantes é de 5 mil reais, contra média inferior a 3 mil reais das cidades de 20 mil a 50 mil pessoas”, continuou a revista. De 1990 a 2020, foram criados 1.079 municípios no Brasil, acréscimo de 24%. Hoje, 69% das cidades brasileiras possuem até 20 mil habitantes. 1.324 municípios do Brasil têm até 5 mil habitantes. 1.171 possuem de 5 mil a 10 mil habitantes. 1.366 cidades do país têm de 10 mil a 20 mil habitantes. 56,95% da população (115,6 milhões de pessoas) vivem em apenas 319 cidades.

Conforme mostra o Instituto Millenium, os municípios brasileiros possuem duas principais fontes de receita: os impostos municipais (IPTU, ITBI e ISS) e os repasses da União, do Fundo de Participação dos Municípios, que citamos há pouco, e dos Estados. A Lei de Orçamento Anual de 2022 nos revelou que, sozinha, a União teve responsabilidade de repassar mais de R$ 240 bilhões para os municípios, valor maior que o PIB (Produto Interno Bruto) de nada menos que 19 estados brasileiros. O Poder 360 fez um levantamento onde constatou que quase 80% dos municípios brasileiros têm 80% de suas receitas provenientes dos repasses. “O que revela uma extrema dependência das prefeituras em relação aos demais entes da federação”, disse Gabriel Rodrigues Barbosa em texto no Millenium. Somente 42 das 5.568 cidades têm arrecadação própria que supera os 50% da receita total.

A gestão pública deve ter como foco servir melhor a sociedade, e não dar mais cargos, poder e orçamento para os políticos.

E o tamanho e o custo do setor público é desproporcional ao número da arrecadação própria das cidades. Isso, no fim do dia, significa menos serviços públicos aos cidadãos. Nos últimos 10 anos, as prefeituras aumentaram em 53% o total de seus funcionários, sem que houvesse uma melhoria substancial, como regras, nos serviços prestados.

A PEC 188/2019, do Pacto Federativo, queria resolver esse problema. A proposta queria reduzir o número de municípios, mas dava a chance para os pequenos provarem sua capacidade de arrecadar recursos. Segundo a PEC, municípios com população menor ou igual a 5 mil pessoas teriam até junho de 2023 para comprovar que conseguem ser financeiramente sustentáveis. Isso significa gerar receitas equivalentes a, no mínimo, 10% das despesas. Se o município não conseguisse se adequar à regra, a partir de 2025, seria considerado financeiramente insustentável e deveria ser incorporado pelo município vizinho com maior geração de receita. Sem dúvida, existe um ganho de escala substancial na junção de estruturas administrativas dos municípios pequenos.

Hoje, as cidades pequenas servem, no geral, para empregar políticos nas prefeituras e câmaras de vereadores.

Infelizmente, a situação da PEC do Pacto Federativo hoje é de “tramitação encerrada”. Mas os brasileiros precisam defender propostas semelhantes, que tenham o objetivo de racionalizar as estruturas administrativas e aumentar a quantidade de recursos que voltam para os cidadãos. Por mais que cidades já consolidadas possam ter o carinho de seus habitantes, a junção de estruturas administrativas não impede que regiões mantenham seus usos e costumes. Os políticos dos municípios, no geral, devem ser contra a proposta porque já possuem seus currais eleitorais e não querem arriscar perder eleições nas novas configurações municipais que surgiriam.

Porém, os interesses dos políticos não devem gritar mais alto do que as necessidades das populações dessas cidades, que sequer estão sendo atendidas adequadamente na maioria dos municípios. Hoje, as cidades pequenas servem, no geral, para empregar políticos nas prefeituras e câmaras de vereadores, assim como servidores públicos na gestão municipal. Na maioria das vezes, existem para gerar cabides de empregos, não para prestar melhores serviços para as pessoas.

Além disso, um estudo acadêmico de pesquisadores do Centro Universitário de João Pessoa, da UFRJ e da USP, revelou que menos de 15% das prefeituras analisadas conseguiram ter índices satisfatórios de eficiência de gastos públicos. Ou seja, não só não conseguem arrecadar satisfatoriamente seus próprios recursos, como também não se esforçam em aplicar da melhor maneira o dinheiro que recebem.

A gestão pública deve ter como foco servir melhor a sociedade, e não dar mais cargos, poder e orçamento para os políticos. Mesmo com a mudança de governo, uma proposta semelhante à PEC do Pacto Federativo deve seguir em debate para, além de racionalizar o número de municípios, incentivar os municípios pequenos, que não gerem bem seus recursos, a melhorarem sua arrecadação e aplicação de fundos. Isso também ajudará as prefeituras a serem mais diligentes e transparentes, já que teriam que melhorar sua eficiência de gastos, o que evita o desperdício de dinheiro ou mesmo a corrupção, com o desvio de recursos para os bolsos de políticos. Sem dúvidas, quando todos os brasileiros entenderem melhor as vantagens de repensar o número de municípios, poucos serão contra essa proposta.

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