Albari Rosa/Gazeta do Povo| Foto:

O benefício mais difícil de discutir na reforma da Previdência é a pensão por morte. Está associado a um evento dramático em qualquer família. Mas não pode ficar de fora da reforma. Somente no âmbito federal as pensões por morte custam 5 vezes mais do que todo o Bolsa Família. E este gasto cresce rapidamente.

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A ideia de alterar o benefício recebido por viúvas passa uma impressão de frieza típica de economistas. De fato, a previdência surge no mundo a partir da pensão: antes das aposentadorias, a previdência era destinada às famílias que perderam seu provedor, e logo, sua renda.

O desenho brasileiro da pensão por morte é muito diferente do resto do mundo. Países desenvolvidos, que tem dinheiro, e países emergentes, mais parecidos com o Brasil, não adotam as regras brasileiras. Neles, a pensão é mais parecida com o que era originalmente: um benefício que privilegia famílias com muitos dependentes e sem renda.

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Nenhum desses pontos condiciona o recebimento da pensão no Brasil, ou o seu valor. Por isso gastamos tanto com pensão. Acredite: no ano passado o governo federal gastou mais de R$ 160 bilhões com pensões por morte, a maioria no INSS. Nosso gasto com saúde: pouco mais de R$ 120 bilhões.

Daí a provocação do título. À medida que a população envelhece – aumentando a duração do recebimento das pensões, não só das aposentadorias – este gasto tem de ser discutido. Faz sentido gastarmos mais de 30% a mais com a pensão dos mortos do que a com saúde dos vivos?

O “orçamento” da pensão também é muito maior do que o da educação (cerca de R$ 115 bilhões), e é quase o dobro da Assistência Social. Nesta década, o crescimento anual médio desse gasto no INSS foi de quase 5% acima da inflação!

O que pode mudar?

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Novas pensões devem ser de 100%, mas só para famílias com muito dependentes

Dilma tentou, Temer também, mas o Brasil segue pagando benefícios com reposição de 100% independentemente do número de pessoas na família. Nem sempre foi assim: até 1995 era de 80% da média salarial para o cônjuge, e 10% por dependente adicional. Para os rurais, até a Constituição, era de somente 30% do salário mínimo.

Como outros países fazem? A taxa da pensão depende da família. No Brasil, é sempre de 100%, mas na Alemanha o mínimo é de 25%, e no Paraguai também. No G-20, quem paga mais é a França (54%) e a Argentina (70%).

A lógica é simples: o compromisso da pensão é manter a renda da família. Pagando 100% em qualquer caso, a renda per capita da família aumenta.

Pedindo licença pela frieza, é possível dizer que quando alguém morre, a família enriquece. Este desenho extrapola o compromisso de um seguro (no caso, um seguro social).

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Uma ressalva: evidentemente estamos falando apenas da renda do salário no mercado formal, e não de outras rendas, e somente de salários até o teto do INSS. Entretanto, essas condições estão presentes na maioria das concessões.

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É evidente que os gastos de um domicílio não são exatamente proporcionais ao número de pessoas. Por isso, Dilma e Temer propuseram um mínimo de 60%. A proposta dos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, de 70%. Dependentes adicionais elevam o benefício em 10%.

Veja, então, que a reposição de 100% continuaria permitida, só não seria a regra.

Aliás, esta é a lógica em outro benefício da Seguridade. No Bolsa Família, também desenhado para atender famílias com insuficiência de renda, o valor – quando não há crianças ou adolescentes – é de cerca de 30% do máximo. Na pensão, que tem objetivo semelhante e atende brasileiros mais ricos (com emprego de carteira assinada pelo menos), não há este mecanismo.

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Vamos lembrar mais uma vez: o Brasil é jovem e já gasta muito mais com pensão por morte do que com saúde ou educação.

Em 2012, somente 6% dos pensionistas eram mães com filhos de até 14 anos. 22% estavam em outro casamento – o que não extingue a pensão no Brasil.

Ou seja, o estereótipo da pensão como o benefício que atende uma família numerosa desamparada não se sustenta. Vejamos agora também que nem o estereótipo da viúva sem renda se mantém.

Novas pensões devem ser condicionadas à inexistência de outros benefícios

A proposta de Temer gerou muita polêmica em um ponto que é comum em outros países: a restrição ao acúmulo de benefícios. Como a pensão era originalmente concebida para atender a famílias desemparadas, muitos países restringem o valor ou a própria concessão do benefício se existem outras rendas (como salários).

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Aqui não: é permitido acumular inclusive a pensão com benefícios da própria Previdência, como a aposentadoria.

A indignação de alguns segurados com a mudança é justificada: entendem que a contribuição que fizeram ao longo da vida cobria a possibilidade de acúmulo, e não estavam preparados para a mudança sem transição.

Por outro lado, somente metade das pensionistas conta apenas com esta renda. Isso quer dizer que boa parte dos benefícios está indo para pessoas que não dependem só da pensão – e, como vimos, nem sequer moram com crianças.

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Em 2012, quase 30% dos pensionistas recebiam também aposentadoria no INSS. Cerca de 15% trabalhavam. Havia ainda 3% que trabalhavam, recebiam aposentadoria e recebiam a pensão.

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Não apenas isso, como desde os anos 1990 vem caindo o número de pensionistas que só recebem o benefício. E o número de pensionistas que acumulam com aposentadoria vem aumentando: triplicou no período.

Entre os brasileiros que acumulam aposentadoria e pensão, 60% estão no quintil mais rico da população, isto é, entre os 20% mais ricos. Só 0,2% está entre os 20% mais pobres.

Por isso, restringir o acúmulo de pensão e aposentadoria para novos benefícios teria um impacto grande na sustentabilidade do sistema, sem prejudicar os mais pobres.

Diversos benefícios já fazem restrição à renda do beneficiário para sua concessão. É o caso de benefícios assistenciais (Bolsa Família, BPC), trabalhistas (abono salarial) e até previdenciários (salário-família, auxílio-reclusão). Por que não a pensão?

A minirreforma de Dilma

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Como vimos, Dilma não emplacou a redução da reposição da pensão, mas conseguiu em 2015 algumas mudanças relevantes que moralizaram o benefício. As principais, a exigência de tempo mínimo de casamento e de tempo mínimo de contribuição para receber a pensão por morte.

Como antes na prática não havia mínimo (sim), porque o benefício é em tese de risco, não programado, havia espaço para todo tipo de simulação. Por exemplo, alguém que fizesse uma contribuição no leito de morte e ali se casasse com a enfermeira, deixaria a pensão de 100% para o resto da vida da moça.

Na minirreforma de 2015 também se limitou a duração do benefício de acordo com a idade. Ele continuou vitalício somente para viúvas e viúvos mais velhos, evidentemente mais dependentes da renda do cônjuge. As mais jovens, com maior possibilidade de adaptação e sem tanta depende.

Um obstáculo: o presidente

A pensão por morte tem sido pouco mencionada no debate atual sobre reforma da Previdência, em que predomina a questão das aposentadorias. No passado, um ferrenho adversário de alterações na pensão foi o presidente Jair Bolsonaro.

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Ele era radicalmente contra alterações no benefício, que desde os anos 90 foram intentadas para os militares e para os servidores que ganham mais do que o teto do INSS.

Nesta coluna, mostramos que Bolsonaro era extremamente sensível ao drama das viúvas. As declarações ferozes ironizavam o objetivo da mudança (“Seu marido morreu. Meus parabéns, minha senhora, a sua pensão reduzida ajudará a salvar o Brasil!”), a lógica da redução da reposição (“Que acabem com essa palhaçada logo, colocando um redutor de 90%! Afinal de contas, para que interessa viúva? Ela não produz nada. Ela tem mesmo de morrer.) e evocavam até a Bíblia (“Existe maior covardia do que taxar pensionista, tirar dinheiro da viúva? Isso é uma covardia que até os princípios bíblicos abominam”. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque devorais as casas das viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso sofrereis juízo muito mais severo”).

É importante que o assunto seja pautado e que o presidente tenha revisto suas convicções, liderando o processo de reforma. Porque isso inevitavelmente inclui enfrentar o difícil assunto das pensões. Sem mudança, em poucos anos o título dessa coluna alertará que estaremos gastamos o dobro com pensão por morte do que saúde ou educação. Que sentido isso faz?