João Goulart em discurso de 1963: no ano anterior, ele sancionou lei que acaba com a idade mínima para se aposentar no Brasil. Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo.| Foto:

Foi em 28 de agosto de 1962. O ex-presidente Jango sancionou uma lei curta, de apenas 4 artigos. Mas seu impacto foi tão grande que a medida ainda está – décadas depois – no centro do debate nacional. Fernando Henrique Cardoso tentou consertar e não conseguiu. Michel Temer também. Do que estamos falando? Da idade mínima para se aposentar.

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Muito se fala que o Brasil é um dos poucos países do mundo a não ter uma idade mínima, isto é, permite que alguém se aposente somente por tempo de contribuição. O que falamos pouco: nem sempre foi assim.

A polêmica reforma da Previdência de Temer propõe uma idade mínima inicial de 53 anos para mulheres e 55 para homens, subindo ao longo do tempo. Apesar da controvérsia, é menos do que tínhamos lá em 1962. Até o dia em que João Goulart “quebrou” a Previdência a idade mínima era de 55 anos: para homens e mulheres. O tempo de contribuição era parecido com o atual: entre 30 e 35 anos.

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A idade mínima de 55 anos surge no governo do presidente Eurico Dutra, em 1948. Quando a Previdência começou seletivamente no Brasil, em 1923, a idade mínima era de 50 anos.

Hoje, quase 100 anos depois, cerca de 20% das mulheres e 10% dos homens ainda se aposentam com menos de 50 anos na aposentadoria por tempo de contribuição.

E por que a decisão de João Goulart teve tanto efeito? É que a aposentadoria por tempo de contribuição concentra as aposentadorias mais altas do INSS. O gasto já é superior a R$ 150 bilhões por ano, equivalente a 20 vezes todo orçamento da ciência e tecnologia. E nos últimos anos essa despesa cresceu anualmente 5% acima da inflação.

Voltar a ter uma idade mínima esbarra em dois argumentos. Um é o que confunde a expectativa de vida dos idosos com a expectativa de vida ao nascer – o que o próprio presidente Bolsonaro faz recorrentemente.

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Como muitos morrem jovens em regiões pobres, vítimas da falta de saneamento básico e saúde (mortalidade infantil) ou segurança (homicídios), a expectativa de vida ao nascer é mais baixa. Mas na realidade a expectativa de vida aos 65 anos é de 81 anos em todos os estados do Brasil.

O segundo argumento é o de que a Previdência para o trabalhador mais pobre não poderia ter idade mínima, pois ele chegaria incapacitado em idades mais avançadas, além de começar a trabalhar cedo. Só que na realidade esse trabalhador já tem idade mínima: como o pobre não tem emprego com carteira por muito tempo, não se aposenta por contribuição.

As idades mínimas dos demais benefícios do INSS já são em geral superiores àquela que tínhamos em 1962. Na aposentadoria rural, é de 55 anos para mulheres e 60 para homens. Na aposentadoria por idade para o trabalhador urbano, é de 60 para elas e 65 para eles. No BPC (Loas), para quem teve menos de 15 anos de contribuição, é de 65 para ambos os sexos.

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Ou seja, a  ausência de idade mínima é exceção na história de nossa Previdência bem como em nossa realidade atual. A maior parte dos atuais beneficiários da Previdência se aposentou com idade mínima, apesar de serem mais pobres. A aposentadoria por tempo de contribuição alcança as melhores ocupações e é concentrada no Sul e Sudeste.

Enquanto isso, a idade média na aposentadoria por tempo de contribuição é de 52 para mulheres e 55 para homens. É por isso que nas regiões mais pobres as pessoas se aposentam mais tarde – como já discutimos aqui na coluna.

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A idade mínima é absolutamente natural porque a aposentadoria é simplesmente um seguro contra a velhice (o INSS é o Instituto Nacional do Seguro Social). O requisito no mundo todo é, portanto, uma idade. Não exigi-la é como pagar pensão por morte quando ninguém morreu. Ainda na lógica de seguro, seria como reembolsar pacientes de um plano de saúde que não foram ao médico ou dar dinheiro para clientes de uma seguradora de veículos sem que tenha havido acidente.

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Tempo de contribuição não pode ser requisito para esse seguro – a aposentadoria – porque não representa a ocorrência de qualquer sinistro. Tempo de contribuição em excesso não é risco. No mundo todo, quem contribui mais recebe valor maior na aposentadoria, mas não se aposenta mais cedo.

Somente 13 países do mundo não exigem idade mínima para aposentadoria, isto é, permitem aposentadoria somente com o tempo. Nas Américas, é o caso do Equador (40 anos de contribuição). Fora de nosso continente, é assim principalmente em países do Norte da África (Argélia, Egito) e Oriente Médio (Arábia Saudita,  Bahrein, Iêmen, Irã, Iraque, Síria).

O erro de João Goulart, que não foi a favor dos mais pobres, teve pouco impacto em uma época em que a Previdência convivia com demografia favorável e superávits do sistema. Com o envelhecimento da população e a Constituinte – que deu status constitucional a essa distorção – a situação ficou insustentável.

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Essa história também tem outro anti-herói: o ex-deputado Antônio Kandir. Líder do governo FHC, ele sem querer acabou não votando a favor da idade mínima em 1998. O governo alcançou 307 votos, quando precisava de 308 para aprovar a PEC. O Brasil perdeu por 1 voto.

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