O Palácio do Planalto: os integrantes da terceira via só irão adiante caso se aliem num carro só.| Foto: Pedro França/Agência Senado
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A terceira via das eleições de 2022 já estava engarrafada e, por decisão do STF, ficou ainda mais estreita. Seus integrantes só irão adiante caso se aliem num carro só.

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A coalizão precisa incluir quase todos os que rejeitam a outras duas vias – ou seja, Lula e Bolsonaro. Um vaidoso colocando planos pessoais acima do país pode ser suficiente para viabilizar o triunfo da polarização bolsopetista.

O ego de alguns dos possíveis candidatos já é obstáculo grande o suficiente para duvidarmos desta operação política. Quem vai desistir em nome do bem comum?

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Difícil imaginar que seja Ciro, terceiro colocado em três eleições presidenciais. Ou João Doria, obcecado em virar presidente desde quando ocupava a prefeitura de São Paulo.

Como se o jogo de vaidades não bastasse, ainda será preciso resolver uma questão mais profunda: a agenda para o país.

Alguns integrantes da terceira via se odeiam tanto que preferem pedir carona numa das outras vias, ao invés de se unir com terceiros. É o caso, por exemplo, do Novo, MBL e Ciro Gomes.

Como conciliar o liberalismo de direita e o trabalhismo neobrizolista? A tarefa é difícil, mas possível e merece o esforço. Claro, os envolvidos precisam aceitar o meio-termo possível, ao invés de uma perfeita representação das próprias ideias.

Os discursos diversos da terceira via

O discurso econômico de Ciro e do PDT defende um novo Plano Nacional de Desenvolvimento. Um projeto de longo prazo que sirva como referência na gestão do Estado. Os investimentos públicos, especialmente em infraestrutura, são protagonistas do plano. Outra proposta importante do cirismo econômico é uma mudança da estrutura produtiva que privilegie setores de maior complexidade, como a indústria.

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Já o discurso econômico do MBL e do Partido Novo costuma passar pela redução do Estado e reformas que melhorem o funcionamento da economia de mercado no Brasil. Essa redução do Estado não se daria apenas no gasto público, mas também nos custos de transação que o Estado impõe às empresas – por exemplo, burocracias regulatórias e tributárias.

Os liberais de centro e esquerda, por sua vez, têm uma agenda similar à dos colegas da direita, mas dão menor ênfase à redução do Estado. Indo além, ressaltam a importância da ação estatal em diversas áreas, apesar de criticarem o estatismo de socialistas e trabalhistas. É o grupo mais confortável nessa conversa. Não por acaso, Eduardo Jorge está adorando o assunto e sugere Tasso Jereissati como candidato de convergência.

Não pretendo chegar perto de esgotar os debates necessários. Esta tarefa não cabe numa coluna. Posso, porém, tentar começar a encontrar pontes no campo da economia.

Algumas pontes possíveis na economia

Em relação à agenda de Ciro, investimento público e liberalismo são perfeitamente compatíveis. É preciso reconhecer, evidentemente, duas críticas dos liberais: a história do Brasil está repleta de expansões do investimento que terminam em crise e irresponsabilidade fiscal.

Neste caso, seria preciso reformar os processos de planejamento e execução dos investimentos públicos para aumentar a efetividade. Vale lembrar que dinheiro público não é sinônimo de operação estatal. Uma agenda de meio-termo pode especializar o Estado brasileiro na avaliação de projetos e desenho de concessões ao setor privado.

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Abrir espaço orçamentário para investimentos seria um desafio. O campo da política fiscal, por sinal, é o mais difícil. Eis o teste para saber se a frente ampla da terceira via é possível: dá para redesenhar o teto de gastos com regras que todos concordam?

Talvez seja possível. A proposta de Guilherme Tinoco e Fábio Giambiagi tem sido elogiada por liberais e desenvolvimentistas, pois privilegia o investimento sem perder a responsabilidade fiscal.

Os ciristas precisariam abrir mão de parte da sua agenda de reindustrialização, mas não de toda. O investimento em pesquisa, por exemplo, pode atrair liberais. A reforma tributária da PEC 45 é outra peça que pode unir liberais e desenvolvimentistas, dado que seu desenho simplifica radicalmente o sistema, desonerando indústria, investimento e exportações. Escrevi sobre o assunto em diversas colunas anteriores sobre a PEC 45.

Da mesma forma, a agenda de desburocratização e privatização não é contrária às ideias do campo político liderado por Ciro. Basta olhar o programa dele em 2018. Apesar da ênfase no papel do Estado, Ciro reconhece a importância de parcerias com o setor privado.

Um ponto de conflito certamente é o tamanho do Estado. Neste caso, novistas e pedetistas precisariam abrir mão de alguns objetivos de curto prazo. Mas isso não significa abrir mão das próprias ideias.

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Não é o ideal, mas vale a pena

A frente ampla da terceira via não seria um ambiente para imposição de sonhos pessoais, mas as convergências possíveis dentro desse campo novo fazem com que concessões ideológicas valham a pena.

Podemos ter um presidente do Brasil que repudia ditadores militares e socialistas da América Latina, sem passar pano para um lado.

Já imaginou ouvir discursos em que o chefe do Executivo valoriza o diálogo democrático e respeita instituições de controle, inclusive a imprensa? Esses e outros valores só são possíveis numa frente ampla que se apresente como alternativa a Bolsonaro e Lula. Fazer concessões ao contraditório e abrir mão de parte da agenda econômica são custos pequenos frente ao benefício de se livrar daquilo que a política brasileira tem de pior.

É por isso que, mesmo sem muita fé na consecução dos planos, ainda escrevo esta coluna tentando ajudar aqueles que podem salvar o Brasil: os flanelinhas da terceira via.