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Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo| Foto:

Segundo o Instituto Trata Brasil, cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto tratado e 35 milhões não recebem água potável em casa. Quando falta água limpa, faltam crianças desenvolvidas a todo o potencial cognitivo e sobram doenças intestinais desnecessárias.

A importância do saneamento é multidisciplinar. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cada dólar investido em acesso a saneamento básico traz até 34 dólares em retorno para a sociedade.

Em grande parte do mundo, o setor privado opera parte do sistema para que o volume de investimentos seja o maior possível. Isto quase não ocorre no Brasil, onde mais de 90% do tratamento de esgoto são ofertados por estatais. Incerteza regulatória e conchavos políticos dificultam uma maior participação privada.

Hoje, as estatais operam em muitas cidades sem prestar contas ou cumprir metas adequadas. Faltam investimentos. Cidades carentes são simplesmente abandonadas. A desigualdade regional do Brasil se manifesta com clareza quando olhamos para o saneamento.

A MP 868/18, conhecida como MP do Saneamento, busca resolver alguns problemas simples que emperram a universalização da água e esgoto por aqui. É simples, mas não é fácil. A firme resistência dos sindicatos e associações de servidores mostram que a batalha política será dura e nem sempre honesta com os dados.

Neste texto, destrincho os 7 mitos mais usados pelas corporações para combater a reforma do saneamento no Brasil.

Mito número 1: A MP 868/18 privatiza o saneamento público no Brasil

Realidade: A MP não obriga ninguém a privatizar, apenas exige a realização de concorrência pública com critérios técnicos para contratos de saneamento.

A decisão de privatizar uma estatal estadual é do governador e nada na MP do Saneamento altera isso. Hoje, as prefeituras são livres para fechar com estatais de saneamento sem concorrência pública. É prato feito para a politicagem. A MP obriga a realização de uma concorrência, dando oportunidade para que o setor privado ao menos tente competir com as estatais, o que é bem diferente de privatizar.

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Talvez os sindicatos acreditem que as estatais são ineficientes demais para competir atendendo a critérios como preço da tarifa, investimentos em expansão do sistema, menores perdas de água, etc. Só isso obrigaria o Estado a privatizar Sabesp, Sanepar e outras.

Será que os sindicatos denunciam a MP como privatizadora porque estão convencidos sobre a maior eficiência do setor privado?

Mito número 2: Empresas privadas não se interessam por municípios pequenos

Realidade: 72% dos municípios com operação privada de saneamento têm menos de 50 mil habitantes.

Há grande presença da iniciativa privada em pequenos municípios. Segundo números da ABCON, cerca de 72% dos municípios com operação privada de saneamento têm até 50 mil habitantes e 27% não chegam a 5 mil habitantes. Portanto, a operação privada em pequenos municípios não é impossível, nem improvável.

O texto atual da MP do Saneamento prevê ainda a organização de vários municípios menores em um grande contrato que atende a toda a região, permitindo economias de escala e facilitando a inclusão de regiões isoladas.

Mito número 3: É preciso manter o modelo atual para beneficiar regiões pobres

Realidade: No atual sistema, as regiões que mais precisam de investimentos são as que menos recebem.

71% dos municípios têm contrato com estatais estaduais de saneamento e boa parte do investimento é realizado por essas empresas. Esse modelo levou à concentração dos recursos em estados mais ricos, que já têm redes avançadas de saneamento, em detrimento dos locais que mais precisam.

Em 2017, São Paulo investiu R$ 1.558,25 para cada paulista desassistido, 42 vezes o investido em Rondônia – vergonhosos R$ 36,80 para cada rondoniense sem esgoto tratado. A forma de financiamento atual é muito ruim para as regiões com menor acesso e contribui para o atraso dessas regiões do país. Em Rondônia, 9,4% da população tinha esgoto tratado em casa em 2017, contra 79,7% de São Paulo.

Entre 2010 e 2012, 26% dos municípios brasileiros não tiveram qualquer expansão da rede de esgoto. O regime vigente no setor prejudica quem mora em regiões carentes.

Mito número 4: A tarifa de água fica mais cara quando o setor privado opera o sistema

Realidade: Não há diferença relevante entre as médias do setor privado e das estatais estaduais.

Em 2016, segundo dados do Sistema Nacional de Informações do Saneamento (SNIS), moradores de cidades com operação privada do saneamento pagaram R$ 3,75 por metro cúbico de água. Quem é atendido por estatais estaduais, por outro lado, pagou R$ 3,64. “Aha! Então você está manipulando os dados! A tarifa do setor privado é mais cara!”

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Não, leitor apressado. A diferença, que realmente existe, não chega a 10%. Além disso, essa divergência é historicamente recente. Só a partir de 2013, no primeiro governo Dilma, é que o setor privado passou a ter tarifa média maior. Entre 2005 e 2012, a iniciativa privada custava menos.

Não há lei determinando que uma seja mais cara que outra. Com o ambiente institucional e regulatório adequado, empresas privadas podem ser até mais baratas, por ganhos de eficiência.

Mito número 5: Privatizar é afastar o Brasil do modelo que o mundo segue

Realidade: O Brasil tem 91% do setor de saneamento do Brasil nas mãos do Estado, porcentagem maior que na maioria dos países.

Em Paris, a operação de água e esgoto foi reestatizada recentemente. Casos isolados como esse levam críticos do MP a denunciar que a maior participação privada afasta o Brasil da tendência internacional. De todo modo, hoje, o Brasil se destaca no plano internacional pelo motivo oposto: poucos países têm sistemas tão estatizantes quanto o Brasil.

Atualmente, mais de 90% têm serviço estatal de água e esgoto. Na citada França, esse percentual não chega a 40%. No Chile, país sulamericano com maior sucesso na área, o Estado opera menos de 5% do setor. Na Inglaterra, o setor é integralmente privado. Alemanha, Japão, Estados Unidos… Não é difícil encontrar países com mais participação privada do que o Brasil. Distanciar-se do mundo, nesse caso, é defender a manutenção desse sistema onde quase ninguém concorre com o Estado.

Mito número 6: Empresas que buscam o lucro não se preocupam com o bem público

Realidade: A iniciativa privada investe mais no sistema do que o governo federal e tem índices de qualidade melhores do que as estatais estaduais. A MP cria diversos mecanismos para atender ao bem público e subsidiar quem mais precisa.

Apesar de atender menos de 10% da população, cerca de 20% dos investimentos em saneamento no Brasil vem da iniciativa privada, segundo um estudo da CNI de 2018. O mesmo estudo aponta índices de atendimento e serviço superiores para a iniciativa privada: em 2016, 1,76% da água ofertada no território nacional tinha incidência de coliformes acima do padrão; o mesmo ocorreu com 0,27% da água fornecida pelo setor privado.

Empresas que buscam o lucro não são antagonistas do bem coletivo. Em setores como o de alimentação, já aceitamos a participação privada. Tentativas de coletivização por regimes comunistas levaram a grandes fomes. Que setor poderia ser mais estratégico?

Com boa regulação pelo Estado, todo setor pode ter participação privada em alguma de suas etapas. O mundo, assim como os exemplos isolados no Brasil, mostra que o mesmo vale para o saneamento.

A MP ajuda nesse sentido, criando diversos mecanismos para ajudar a quem mais precisa, atendendo ao interesse público. Um fundo federal permite subsídios mais focados. Todas as concorrências públicas atenderão a diversos critérios sociais para definir o vencedor. Privatizar não é desistir do bem comum, mas buscar outros meios para concretizar belas intenções.

Mito número 7: O modelo estatal evita a captura das agências reguladoras

Realidade: A captura regulatória por estatais é possível e o setor de saneamento brasileiro é um exemplo. A MP do saneamento tenta corrigir esse problema.

Se mais empresas privadas operarem nesse mercado (e não há nada na MP que obrigue a privatização), as agências reguladoras serão capturadas pelo capital, dizem os sindicatos do setor. De fato, sobram exemplos de captura regulatória na história, mas a corrupção do bem comum não vem só de empresas. No setor de saneamento brasileiro, a captura opera para prejudicar o setor privado.

Hoje, boa parte da regulação do saneamento está nas mãos de governadores. Os mesmos que controlam as estatais que dominam o setor! Operando nas duas pontas, são comuns os casos de governadores que agem em causa própria, prejudicando empresas menores.

Já há bastante captura regulatória por aqui e não é o setor privado quem causa. Além do capitalismo de compadres, também existe o estatismo de compadres.

Como evitar que isto aconteça? Quanto maior for o poder de mercado das empresas frente ao regulador, maior a probabilidade deste ser desvirtuado. Nada pior do que o setor de saneamento brasileiro, onde há praticamente uma empresa por estado e o governador é responsável pelas duas pontas.

Além de ajudar a descentralizar o mercado, a MP dá novas funções à Agência Nacional de Águas, que passa a estabelecer parâmetros gerais de regulação. As fórmulas de cálculo das tarifas e subsídios ficam mais transparentes. Os governadores perdem o poder total.

A MP do Saneamento tenta reformar um setor que parece planejado para dar errado. E talvez seja planejado mesmo: não deve ser por acaso que corporações ligadas a estatais e reguladoras estejam repetindo estes 7 mitos em árduo lobby contra a medida.

Alguém deve estar lucrando com o sistema. Não é uma família pobre de Rondônia.

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