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Uma pitada de misticismo, um empurrãozinho, boas referências, paciência. Leonardo Gumiero, vocalista, tecladista e guitarrista da banda Farol Cego, lançou há poucas semanas, pelo coletivo Atlas, seu projeto solo, Ankou. Metade orgânico, metade eletrônico, Ascending Dive é uma espécie de viagem xamânica contemporânea, em que a citação a Bertrand Russell em uma música (“Two Lessons”), não impede que outra (“Future Beach”) esteja em breve numa pista de dança alternativa.

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A força do disco — “as coisas estão acontecendo fora do meu controle,” diz Gumiero — está na harmonia de seu conjunto, naquilo que significa. Com colagens musicais inspiradas e transições elegantes, Gumiero conseguiu criar uma narrativa original, que começa com as guitarras gotejantes de “Pillars” e acaba na redenção de “First Touch of Your Fingertips”, que, ao piano, soa como um passeio na praia durante o outono. Em tempos de singles efêmeros, a experiência proposta por Ascending Dive funciona de acordo com a bula: é um disco para se ouvir do começo ao fim. “Um álbum leva uma pessoa para um lugar do qual ela só volta com o mesmo álbum”, explica o músico.

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De tão subjetivo e pessoal (e por isso mesmo corajoso), é difícil estabelecer comparações ou pescar influências. Pode-se dizer que há algo de Aphex Twin, ou Boards of Canada. Mas seus ingredientes parecem vir de outro lugar. Um lugar além do que se vê. “Poderia me colocar no álbum e não precisar me explicar para ninguém,” avisa. Abaixo, você ouve o disco e lê a entrevista completa.

Qual a última música ouviu antes de responder a esta entrevista?

The Envy Corps. Parou na “Fools (How I Survived You & Even Laughed)”. Bem boa.

O Ankou é um projeto de um homem só?

Sim. Mas tive valiosos conselhos do Lorenzo [Molossi, baterista da banda Dunas e a cabeça à frente do Veenstra], que também tem o projeto eletrônico dele.

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Quando e como ele começou?

Eu gostava de gravar coisas em casa desde uns 15 anos. Acústicas, claro. Depois de um tempo comecei a adicionar uns elementos eletrônicos para deixar mais interessante. Só que mexer nos programas virou uma coisa divertida por si só. Mas Ankou começou mesmo quando o Lorenzo me convenceu a juntar umas músicas que eu tinha e lançar, porque eu nunca tive (e ainda não tenho) pretensões com essas composições. Faço músicas no computador faz uns três anos, e é uma coisa que de gosto muito. Posso fazer por cinco horas e perceber que ainda não comi nada.

Tecnicamente, como foi o processo de gravação?

As músicas começaram sendo puramente eletrônicas. Até eu ficar com preguiça de programar certas coisas, e aí tocava na guitarra mesmo. Ankou é bem essa mistura. Metade samples e bateria programada e metade as gravações que faço, geralmente de guitarra e teclado, ou alguma coisa diferente que me vem à cabeça. A graça desse projeto é jogar qualquer ideia no computador e ir modificando, torcendo, recortando, reafinando, e explorar as ideias mais imediatas. Aí eu faço a mixagem, que demora milênios.

O Ascending Dive tinha alguma ambição artística? Alguma influência específica direcionou a composição das músicas?

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Então, eu já tinha várias músicas, que o Lorenzo me convenceu a lançar. Era para ser um compilado, mas achava elas bem toscas. Daí comecei do zero (aproveitei só a faixa “Future Beach”) com uma ideia em mente. Ideia essa que foi se consolidando a cada música e, no final, estava bem forte. A principal influência foi de rituais xamânicos, e os símbolos que são usados em suas meditações. O álbum é dividido em Leste, Sul, Oeste e Norte. O nome Ascending Dive diz um pouco disso, e serve de uma metáfora para meditação, em que quanto mais o xamã mergulha para dentro dele mesmo, mais ele ascende a outras realidades.

Há muita coesão entre as faixas, uma espécie de narrativa musical. Você ainda acredita na força do álbum?

Sim, bastante. Poucas vezes uma faixa diz muito por si só. Um álbum é a criação de um mundo inteiro. Quando bem feito (espero que eu tenha conseguido fazer um pouco disso, haha), um álbum leva uma pessoa para um lugar do qual ela só volta com o mesmo álbum. Além disso, as possibilidades narrativas são muito interessantes: eventos recorrentes, referências dentro do disco etc. Enfim, espero que mais pessoas continuem dando a atenção devida na construção de seus álbuns.

De quem é a voz no início de “Two Lessons”?

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É um episódio daquele programa britânico antigo, Face to Face. É uma entrevista com Bertrand Russell que achei bem interessante. Se não der para entender o que ele fala, sugiro que procure no YouTube. O sample da música é o da última pergunta da entrevista.

Ankou é uma personificação mitológica da morte. Toda a “cara” do disco tem esse lance meio místico — é emocionante e quase perturbador ao mesmo tempo. Você estuda ou pensa muito nessas coisas que estão além do que se vê?

Eu gasto uma parte da minha energia no estudo dessas coisas que estão além do que se vê porque acho que nosso mundo é regido por elas. Bom, sem me aprofundar muito nessa questão, acabei passando isso no Ankou porque é um trabalho mais pessoal e mais subjetivo que a Farol Cego. Eu poderia me colocar no álbum e não precisar me explicar para ninguém. Então, coloquei no Ankou essa coisa mística, e às vezes fantasiosa, para que ela exista em um mundo, um mundo longe daquele da Farol Cego.

As músicas foram lançadas pelo coletivo Atlas, que trabalha com uma porção de gente talentosa e prolífica. Sente que é um momento interessante para a cena de Curitiba com esses trabalhos saindo do forno?

Bom, é complicado dizer cena porque o coletivo abrange muita coisa. É um grupo de músicos de Curitiba, que são amigos e que admiram o trabalho um do outro, e onde todos se ajudam. Se a união realmente fizer a força, talvez saia uma cena futuramente. Mas por enquanto estou feliz em fazer música com um grupo de amigos que se estende além da minha banda, e participar do trabalho deles, dos quais gosto muito.

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Aliás, como vê a cena musical em Curitiba e de que forma se sente parte dela?

Ainda tem muita gente dividida. Não da para unir todos os músicos de Curitiba num grupo só, mas se bandas e pessoas que pensam parecido se unissem mais, seria de grande ajuda. Mas, sei lá. Uma cena depende de mais do que músicos. Depende também de espaços para tocar e de público ouvinte. Se tivermos sorte em todos os quesitos, Curitiba dá certo. Enfim, só espero que não achem que nós do Coletivo estejamos fazendo uma panelinha, haha.

Pretende fazer shows com o projeto Ankou? Tem algo marcado?

Não pretendo, mas as coisas estão acontecendo fora do meu controle com esse projeto, então pode aparecer uma oportunidade. Enquanto isso eu vou compondo mais. Alguns ouvintes “clandestinos” que ouviram músicas que não foram para o Ascending Dive estão me pressionando bastante para lançá-las também. Então, logo eu vou lançar algumas delas com uma mixagem melhor.