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Além de torcer silenciosamente para que o café não acabe pelo menos até o próximo fim do mundo, voltar ao trabalho em pleno sábado é uma das possíveis idiossincrasias de um jornalista. Enxergar uma futura matéria – ou mote para algum texto – em lugares ou situações aparentemente ordinárias, também.

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Eis que, no sábado de plantão, vou com colegas de redação almoçar no Armazém California, estabelecimento que entra na categoria “descobri e não quero contar a mais ninguém.” O restaurante é comandado por Maged Khalil El Omairi, um sujeito gorducho e bem-humorado que, com forte sotaque libanês, faz piada quando pagamos com cartão. “Vai tirar da ‘saculiiinha de dinheiro?”

O Armazém fica na Rua Saldanha Marinho, ao lado da Catedral de Curitiba. O colorido das frutas, cereais, doces folhados e garrafas de cerveja e vinho que adornam e dão cheiro ao lugar, contrasta com o restante da região, um mundinho particular no centro da metrópole. Esta parte da Saldanha, mesmo nas barbas da Praça Tiradentes, teima em revelar algo de triste e desesperançoso. Prédios pichados, edifícios abandonados e bares duvidosos fazem parte do cenário.

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Ao fundo do Armazém, nas mesas cobertas com simpáticas toalinhas de plástico, a boa pedida é o espetacular arroz com lentilha, carne e cebola caramelizada na boa companhia de uma Gauden bem gelada. A novidade, agora, é uma mesinha na calçada. Com guarda-sol e tudo.

Papo vai e sfiha vem, algum colega apontou para a parede do lugar. Lá, competindo com quadros negros que mostram o preço das coisas, estava enquadrada uma matéria desta Gazeta, falando exatamente da Rua Saldanha Marinho. Parte do texto resvalava no estabelecimento, tido como uma luz naquela sombra toda: “Apesar de não existir mais a crença de que açougue e funerária são lugares ‘malditos’, só recentemente por ali abriu um armazém de comida árabe que pode ser a esperança de dias menos assombrados: a população, ainda que timidamente, tem ocupado a quadra, colocando um fim na prática dos mais antigos, de se afastar daquele local.”

Uma boa sensação deve percorrer o corpo e a mente de um jornalista – destes, de jornais impressos fadados à morte –, quando surge um encontro assim. Porque no ato de enquadrar algo, há uma valorização insubstituível. É o prestígio invisível que só o jornal impresso tem. Ou vocês imaginariam um printscreen de um tweet estampado na parede? Quem sabe a reimpressão de um post no Facebook? A comparação inexiste.

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No mesmo dia, mas aí já depois do trabalho, fui encontrar amigos no Bar do Ligeirinho, um patrimônio da boemia curitibana. Cultivando mesinhas na calçada e proporcionando uma visão privilegiada de parte da Praça Osório, o bar, no encontro da rua Voluntários da Pátria com a Alameda Dr. Carlos de Carvalho, foi criado por um ex-garçom do vizinho Stuart cujo apelido era, justamente, Ligeirinho. Para comer, carne de jacaré, javali e codorna. Para ouvir, Pearl Jam e Guns N’ Roses – há um estúdio logo acima do bar, inescapável.

Mas parte da graça do Ligeirinho está dentro dele. Nas paredes, há uma porção de matérias, notas e colunas enquadradas. Algumas de Reinaldo Bessa, colunista deste jornal. Outras, matérias políticas que citam o dono do bar. Há ainda resenhas e fotos diversas, algumas bem divertidas, como aquela de um porco inteiro em cima do balcão. Todas elas foram impressas em jornal e agora estão ali, ajudando a construir a aura e a história daquele lugar. O que poderia substituir aquilo? Um frame de um vídeo no YouTube? Um Power Point com fotos de jacaré? Não orna.

Recentemente fui convidado para participar de um bate-papo com alunos de jornalismo da Unibrasil, faculdade aqui de Curitiba. Uma das perguntas, a mais esperada por mim, foi a fatídica “o jornal impresso vai morrer?” Apresentei dois argumentos que ajudam a diminuir a velocidade dessa teoria que já vive sua prática.

Um deles é justamente esse: o prestígio inexplicável que há em ser produto de um veículo impresso. Disse aos alunos que a contemplação do post-scriptum era quase como um fetiche, algo sexy, no limite do narcisismo – o que é genuinamente humano.

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O outro é algo que, ainda, os meios virtuais não são capazes de fazer: hierarquizar a informação e entregá-la totalmente editada e em uma ordem coerentemente relevante em termos de importância noticiosa. Algo bem mais chato, mas importantíssimo.

Enfim, impressionante o que um sábado ensolarado de trabalho e algumas páginas de jornais penduradas nas paredes de restaurantes podem fazer com um jornalista que acaba de voltar de uma pequena folga. Feliz 2013 aí.