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Smiths não fazem Uó; o Horror que vale a pena e Franz Ferdinand
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“Aproveitem bastante, mas com juízo, hein!”. Quem alerta é Sérgio, taxista, senhor simpático de feições meigas inversamente proporcionais à ferocidade de sua direção. Paramos atrás do Parque da Independência, perto do Monumento à Independência e, consequentemente, atrás do palco do 16º Cultura Inglesa Festival, onde, em dias normais, skatistas costumam finalizar suas descidas fulminantes.

Uma entrada fechada pela organização. Costas se incomodam com o sol do meio-dia. E em pleno domingo a consciência arde ao reparar na fila quilométrica direcionada à única entrada oficial, no outro lado da quadra: o evento é gratuito. Mas tudo segue de forma bastante tranquila. Embora longa, a fila anda rapidamente, e logo damos as costas ao Museu do Ipiranga para rumar ao palco, devidamente avisados pela organização de que álcool é proibido. Parece que vai ser fácil aproveitar com juízo, como bem queria o Sérgio.

Henrique Sauer
Parque da Independência: grama e tempo bom.

Os amigos vão cada um a seu canto, se encontrando e se separando várias vezes durante a tarde. Por conta da espera, não vejo as bandas de alunos da Cultura Inglesa (Freech, King Crab, Broth3rhood e Sociopatas), e me aproximo do palco no momento em que a Banda Uó é apresentada pelo Edgar Piccoli, aquele ex-MTV e Multishow.

O grupo surge com um canto a cappella de “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”, do tipo cantar bonito com vozerão, mas sem vozerão e sem cantar bonito. E tudo isso vira “Ask”, ou melhor, “Whisky”. Os trinta minutos (ou foram quarenta e cinco, pela gravidade da situação?), duram tempo suficiente para fazer Robert Smith adorar Morrissey, ou Morrissey adorar McDonald’s.
A banda Uó tinha a desagradável missão – não cumprida – de tocar e homenagear uma das bandas mais influentes da história.

Houve várias razões, não só musicais, para a consagração dos Smiths. O tom choroso e sofrido nas letras de Morrissey mais a guitarra virtuosa de Johnny Marr certamente estão entre as principais. O grupo goiano consegue dizimar todas as qualidades dos Smiths com a rapidez de um reator nuclear explodindo. Pior que uma palestra de autoconhecimento com o Chorão; pior que cerveja fervendo; pior que sextape dos avós; pior que Banda Uó tocando Banda Uó. Perdido no palco – “quem tá bebendo aí?!”, pergunta Mateus Carrilho – o trio ainda conclui a apresentação com “Rosa”, uma de suas músicas, muito embora tivesse afirmado “hoje é só Smiths”.

Vários conjuntos brasileiros poderiam readaptar os mancunianos com mais criatividade e bom senso, sem expor a ilusão de que risadinhas pretensiosas fazem música. Longe de preconceito musical, é questão de qualidade. E subjetiva que seja, fica difícil aceitar “Vicar in a Tutu” como “Pistoleiro Bruto”, e letras desprovidas de graça e criatividade, na batida imutável de “minha calculadora estuprou um fax novamente” – exceto em “Panic”, executada à hip hop.

Banda Uó reproduzindo Smiths foi uma péssima, péssima ideia, a ponto de fazer “Dinho Ouro Preto cantar três horas de The Clash + discursos políticos” soar paradisíaco. É inegável, porém, que o trio chama atenção e separa públicos por onde passa, fator elementar aos adeptos do “falem mal, mas falem de mim”.

Veja um pouco dessa tragédia aqui:

Garotas Suecas, atração seguinte, executa um show sem riscos. Temos apenas um domingo agradável ao som de Rolling Stones, portanto. O público reage bem aos inúmeros hits da banda inglesa. “Muito legal fazer esse tributo à Luciana Gimenez aqui”, brinca o vocalista Guilherme Saldanha.

A performance é segura e segue passos firmes num caminho conhecido para a banda, que no início da carreira fazia covers de Rolling Stones por aí. As participações vocálicas de Irina Bertolucci sempre caem bem, num recurso que até poderia ser mais explorado.

Feito o tributo, um Parque cada vez mais cheio espera We Have Band, primeira atração internacional da noite. Até que o grupo liderado por Darren Bancroft anima a plateia. O som não revoluciona, mas busca alguma autenticidade e conhece os atalhos para fazer seres humanos dançarem.

As composições são agradáveis; podem tocar na rádio ou numa pista fosforescente, e por vezes remetem ao Friendly Fires ou ao Foals. A frenética Dede WP, que em alguns momentos colabora com a voz, em outros com percussão e em outros só dança, precisa trabalhar seu vocal. Quando forçado, o tom é tão alto que chega a incomodar nos vários gritos. A banda faz questão de se mostrar feliz pela ocasião: é deles “Oh!”, música utilizada na vinheta do festival, e que não tardou para ficar na cabeça. Com o fim da alegria, é hora dos góticos esquisitos.

A apresentação do The Horrors é perfeita para dividir opiniões. Temos distorção excessiva, músicas viajadas, umas com dez minutos, e gente estranha – o debut deles não leva o subtítulo Psychotic Sounds for Freaks and Weirdos por acaso. Estes são fatores não muito atraentes para o consumo geral.


Com toda a aura shoegazer (“seja lá o que isso queira dizer”, apresenta Edgar. Poxa, Edgar…), a apresentação certamente seria mais bem aproveitada num local pequeno, escuro, entre fãs cabisbaixos. Sem se preocupar muito com a aceitação dos milhares, como já bem devem estar acostumados os integrantes desde o ensino fundamental, o show é adorado por uns e desprezado por outros. Há um pouco de Joy Division, principalmente nos trejeitos militares do baterista Joe Spurgeon; de garage rock sessentista, com o físico Joshua Hayward e sua guitarra suja; de pós punk revivido sob influências da cena shoegazing. Por conta disso, anos após despontar, The Horrors permanece difícil de ser definido.

Os integrantes são feios e parecem caricaturas. Apesar da New Musical Express gostar deles, não fazem um dos tipos mais irrelevantemente comuns da música atual, aquele de banda inglesa indie rock descolada de quem ninguém vai lembrar no terceiro álbum. O horror da parcela incomodada é o deleite de quem entra na atmosfera da banda, cujo último álbum, o ótimo Skying, lhes serve como base do repertório.

“Não peçam bis, pelo amor de Deus”, grita alguém atrás de mim, após o grupo se despedir com uma versão extendida de “Moving Further Away”, que no disco já tem 8 minutos. Eles se despedem discretamente – parecem genuinamente tímidos – e se posicionam ao lado do palco para ver a atração principal.

Franz Ferdinand, pois, é a única banda a se atrasar. Todos os outros nomes seguiram o horário da programação de forma exemplar. Cerca de quinze minutos após planejado, os escoceses assumem o protagonismo esperado com “Darts of Pleasure” em frente à enorme bandeira de Francisco Ferdinando, levantando a plateia afoita. Olhando para trás, nota-se o Parque da Independência lotado, onde já não se distribui mais água gratuita.

Danilo Verpa/Folhapress
Alex Kapranos, vocalista do Franz Ferdinand: rock popular.

Enquanto lá fora há confusão (a PM de São Paulo disparou spray de pimenta em quem ainda estava na fila e tentava entrar de qualquer jeito), quem chegou cedo aproveita o grande nome do festival.
A apresentação não passa daquele pop perfeitamente moldado. Os refrões grudentos estão lá, executados por integrantes agitados e alegres com o fato de tocar em São Paulo novamente. Sem arriscar, Franz Ferdinand parece puxar o freio em alguns momentos, acomodando algumas melodias e cortando detalhes.

“Can’t Stop Feeling”, particularmente, soa chata, contrária à força característica da música, não obstante o sempre carismático Kapranos encaixe uma homenagem a Donna Summer com trecho de “I Feel Love”.

Próximos de lançar o quarto disco, a impressão é de que eles estão tranquilos com seus hits no alto escalão do rock popular, bem feito e enchedor de estádios. As músicas inéditas soam semelhantes a seu início da carreira, naquele ritmo acelerado, com o mérito de ser tão facilmente consumível, mas que hoje, talvez, não cause tanto impacto.

O bis distribui ao público o que ele quer e, após jogar umas palhetas e buscar caipirinha, o grupo encerra sua satisfatória apresentação com bastante juízo, como pediu o Sérgio.

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