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Um bolsonarista reza ajoelhado diante da bandeira do Brasil.| Foto: EFE

Não gostei. Obrigado por perguntar, mas não gostei do controverso texto “A Igreja Bolsonarista dos Últimos Dias”, da minha colega Bruna Frascolla. A começar pelo tom jocoso do título, passando pela presunção de que todos os bolsonaristas são idiotas fanáticos seguidores de um mito. Ou melhor, do Mito. Mas compreendo e, no mais, não estou aqui para refutar a colega, e sim para agradecê-la.

É que nós, católicos, recebemos regularmente o sacramento da Confissão, por meio do qual acreditamos que nossos pecados são perdoados. Mas, para tanto, é preciso que nos submetamos, também regularmente, a um sempre difícil e por vezes assustador ritual que chamamos de “exame de consciência”. É quando paramos para refletir em nossas palavras, atos e omissões que ofendem a Deus. Nossas faltas. Nossos pecados.

Cada um faz o exame de consciência à sua maneira e hora. Eu costumo fazê-lo todos os dias, antes de dormir. A gravidade do pecado eu avalio no dia seguinte, ao acordar e pegar o Caderninho de Pecados para registrar minhas faltas a serem ditas na próxima Confissão. Se o pecado sobreviver à noite de sono é porque é grave. Talvez gravíssimo. Geralmente passo a primeira meia hora do dia escrevendo. Para você ter uma ideia.

E é aqui que entra meu agradecimento à colega. Porque, se por um lado o texto dela tem o demérito assim meio farisaico de acusar o pecado alheio (é sempre alheio, né?) da idolatria política com requintes de masoquismo, por outro tem o mérito de, aqui e ali (e desconfio que sem querer), propor um ritual necessário nestes tempos de reação imediata a tudo: o do rotineiro exame da consciência política.

Um intertítulo pra você respirar

Trata-se de se perguntar assim, discretamente, de si para si (e não vá se expor nas redes sociais, hein?!), por que você continua apoiando o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ou por que deixou de apoiá-lo, se for esse o caso. Ou então por que nunca o apoiou, jamais o apoiaria, t'esconjuro pé de pato mangalô três veis! Ou então, levando em conta o cenário político atual, por que você apoia ou não Tarcísio de Freitas ou Zema – dois nomes que despontam como possíveis lideranças depois da inelegibilidade (injusta) do ex-presidente. E por aí vai. Até você chegar às minúcias do seu “arcabouço intelectual aplicado à política”. Sim, você também tem um. Olha só que chique!

Mas, assim como o exame de consciência dos católicos, sei que esse não é um exercício dos mais fáceis. Afinal, será por meio do exame da consciência política que nos depararemos com nossas falhas. Com as lacunas da nossa formação. Com o lado mais irracional de nossas escolhas políticas. Daí porque poucas pessoas se submetem voluntariamente a isso.

Para se furtarem à reflexão minimamente detida, pois, uns alegam falta de tempo e outras dizem que a vida é mais do que isso – e, no caso da política, é mesmo. Há ainda as que se distraem das próprias opiniões políticas assistindo à novela ou a mais uma derrota do Coritiba. E tudo bem. Triste mesmo (mas não condenável nem reprimível) é aquela pessoa que se abstém de refletir sobre suas escolhas políticas, quaisquer que sejam elas, por preguiça. Por comodismo. Porque é mais fácil acreditar nas justificativas estapafúrdias que damos para insistir em nossas escolhas, ainda mais diante da possibilidade de que talvez quem sabe possamos vir a considerá-las erradas. Imagina! Afinal, o que eles vão pensar de mim, não é mesmo?

Há, porém, uma diferença importante entre o exame de consciência religioso e o político. Este último que proponho aqui não requer nenhum tipo de confissão pública ou privada. Nem está sujeito a nenhum tipo de perdão ou penitência. Até porque ainda não estamos numa ditadura. Pelo menos não numa ditadura declarada. Trata-se apenas de um exercício de investigação individual. Para que você fique em paz com o seu intelecto – e, talvez, até sua alma.

Pix, judeus, fieis

Mas pode deixar que não vou fugir da raia, não. Respeito as opiniões da colega, bem como sua decisão de expor os motivos que, suponho, são pessoais e intransferíveis e que a levaram a romper com o bolsonarismo. E tendo a concordar com qualquer um que neste exato momento esteja pensando que motivos, razões e justificativas para romper com esse ou qualquer outro movimento político de massa não faltam. Não faltam mesmo.

Peço licença, contudo, para discordar de alguns pontos do texto. Sobre as doações espontâneas a Bolsonaro, por exemplo, não as vejo como sinal de fanatismo político – embora talvez haja um ou outro que. Sempre tem, aliás. Para mim, a adesão à campanha está mais para uma demonstração de afeto e solidariedade diante do que as pessoas veem como uma injustiça. O que o ex-presidente fará com a fortuna arrecada é um problema entre ele e sua consciência.

O outro aspecto dessa história abordado por Frascolla é a perseguição aos doadores por meio do vazamento de dados e da intimidação pura e simples de CPFs conhecidos, como os do ex-ministro do TSE Admar Gonzaga e o banqueiro Marco Ermírio de Moraes. Minha colega reclama do fato de essas pessoas, que tiveram suas simpatias políticas expostas à revelia, se compararem aos judeus vítimas do Holocausto. Mas novamente opto por compreender a analogia hiperbólica. Afinal, ninguém quer ver repetida aqui a narrativa daquele poema que, adaptado à nossa realidade, diria algo como: “Primeiro eles vieram buscar os bolsonaristas e eu, como não era bolsonarista, me calei”. Até que.

Por fim, tem a questão do apoio irrestrito e inflexível a Bolsonaro, mesmo que chova canivete e mesmo depois disso e daquilo. E mais uma vez peço desculpas (é a última, prometo) por discordar da colega quando ela se incomoda com essa lealdade e chama os apoiadores do ex-presidente de fieis da Igreja Bolsonarista dos Últimos Dias. As pessoas estão carentes de lideranças, sobretudo de lideranças nas quais elas ainda veem uma nesga de sinceridade e autenticidade. Bolsonaro, por algum motivo que me escapa, ainda é essa liderança. Essa é a realidade política – por mais que discordemos dela.

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