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Bolsonaro inelegível
Parece até estranho perguntar, mas aí vai: Bolsonaro perde ou ganha com a inelegibilidade?| Foto: EFE/ João Guilherme Arenazio

Hoje foi difícil escolher o assunto da coluna. Será que eu falo sobre a confissão do sem-vergonha Lula, que sem vergonha nenhuma se assumiu comunista? (Finalmente, né?!). Ou será que falo sobre a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro – sinal de que o Judiciário já perdeu o bom senso e agora milita desavergonhadamente? Como meus amigos da nobilíssima editoria Ideias já trataram de expor o lado patético e assustador da fala de Lula, optei por tratar de Bolsonaro.

Se fiz uma boa escolha? Ainda não sei dizer. Primeiro porque o texto está só no comecinho. Depois porque discutir as consequências da inelegibilidade de Bolsonaro é arriscado. Algo me diz que alienarei parte da plateia ao assumir um lado e a fazer certos pressupostos. Mas paciência! Mesmo sabendo que o diálogo está em baixa e que todas as palavras são lidas com uma ênfase violenta nunca intencional por parte do autor, decidi contar com a generosidade dos que discordarem de mim. Veremos.

Pois a esta altura você já sabe que o TSE tornou Bolsonaro inelegível até o distante ano de 2030. Se bem que meu leitor e espectador assíduo já sabe disso desde o dia 7 de junho. Mas isso não vem ao caso. Bolsonaro já avisou que vai recorrer ao STF. Faz-me rir, né? Uma vez estabelecido o fato, aqui é que começam as querelas. Porque tem muita gente de direita e até bolsonarista que está celebrando a decisão do TSE. Para eles, Bolsonaro só tem a ganhar com a inelegibilidade.

Politicamente, discordo. Porque essas pessoas partem de um pressuposto até admirável, mas ingênuo: o de que a injustiça nesse caso é tão evidente que Jair Bolsonaro será capaz de eleger qualquer um que se associar a ele. Outra vertente dessa mesma ideia sorri de orelha e orelha, depositando todas as suas esperanças em Michelle Bolsonaro. Mas esses dois castelinhos de cartas eu desmonto com uma brisa: quem garante que haverá eleições em 2026? Por sinal, acabei de perceber aqui outra contradição da turma do “fica frio que em 2026 a gente volta”: quem não acredita na lisura das eleições de ontem e hoje, por que acreditaria nas eleições de amanhã?

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Sempre posso estar enganado, claro, mas me parece que a única direita que poderá concorrer nas próximas eleições presidenciais, nem que seja como um desses figurantes deslumbrados que se consideram protagonista, será a “direita permitida”. Talvez um enfraquecido PSDB ou um minúsculo NOVO. E essa direita permitida, sabemos, não faz nem cosquinhas no monstro que controla o Sistema. Será interessante, mas também triste, ver essas esperanças novamente canalizadas para o nada.

Pareço pessimista? Bati a cabeça? Usei drogas? Nada disso. É que acredito que o trabalho dessa tal direita é um esforço de longo prazo. Talvez longuíssimo para muita gente que quer a imposição de sua vontade para ontem. Isso não vai acontecer. Antes, é preciso ocupar espaços - sobretudo na cultura. Resgatar, de alguma forma, o Judiciário. Impor-se nas universidades. Fomentar a ideia da virtude como missão. Meu lado otimista, portanto, está em tentar subir num mirante para avistar a paisagem daqui a vinte ou trinta anos. A mentalidade de toda uma geração não muda assim, num vapt-vupt.

E neste momento você talvez esteja indignado aí. Espero que não, mas, se estiver, me desculpe. Porque o que escrevi no parágrafo anterior pressupõe muito sofrimento. Eu sei. Pressupõe também – e isso é bem difícil de engolir – um trabalho cujos frutos serão colhidos apenas por nossos filhos e netos. Até lá, alguns de nós aqui já teremos voltado ao pó [BATE NA MADEIRA]. Mas é a tal coisa. A gente planta a árvore hoje para ter sombra daqui a décadas. Enquanto isso, é regar, esperar que a semente germine - e admirar o brotinho.

Agora, se for para analisar assim rápida e superficialmente o ser humano Jair Bolsonaro, aquele que respira sob algumas camadas de personagem, diria que a inelegibilidade é uma ótima notícia para ele. Porque tenho a impressão de que Bolsonaro não é frouxo, como alguns insistem em dizer; ele apenas não estava à vontade como presidente. Ele encarava o cargo como um sacrifício – que, aliás, é como deve ser encarado. Daí é que vem boa parte da popularidade de Bolsonaro. Só espero que agora, atuando nos bastidores, sem o peso de uma corrida eleitoral sobre os ombros e com a sensação de ter pelo menos tentado, ele encontre algo parecido com a paz.

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