Print do jornal O Globo com a piada (nota 3,2) que enfureceu os bolsonaristas.| Foto: Print do jornal O Globo
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O jornal O Globo pediu desculpas aos leitores. Mas não, não foi por apoiar a ditadura do Judiciário, a regulamentação das redes sociais, ser contra a anistia aos presos do 8 de janeiro nem nada disso. Foi por causa de uma piada na coluna de “humor”, que estampava a manchete “Intestino de Bolsonaro se adianta e já está preso”. Haha. Piada nota 3,2 na Escala Jones Rossi de Ruindade Anedotal, segundo especialistas (eu).

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Que mau humor, hein, pessoal! Tudo por causa de uma piada ruim. Sendo que na mesma semana o mesmo jornal publicou editorial maldizendo o PL da anistia e defendendo a regulamentação das redes. E tem outro aspecto sobre o episódio (“Intestino de Bolsonaro se adianta e já está preso” – ah, agora entendi!) que quero comentar aqui, porque é o que mais me assusta. Mas antes preciso dizer algo à toa e comicamente inofensivo: Bolsonaro tem bafo.

Halitose, gases e movimentos peristálticos

Digo, sei lá se tem. Nunca cheguei perto do ex-presidente. Mas digamos que tenha nem que seja aquele bafo matinal que nos irmana na vergonha cotidiana e que eu escreva uma crônica pretensamente engraçadona dizendo que Bolsonaro... tem bafo. Ou melhor, digamos que Bolsonaro soltou um pum – um clássico do humor ruim. Outra: digamos que eu inclua Alexandre de Moraes na piada e diga que o ministro negou habeas corpus para o intestino preso de Bolsonaro. Qual é o problema?! Ou será que devemos reverência a ele e a personalidades de uma direita tão tão tão tão frágil que não aguenta nem uma piadinha com halitose, gases, movimentos peristálticos e consequências de um atentado?

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O próprio Bolsonaro parece ter mais senso de humor do que seus carrancudos seguidores. O que explica, aliás, algo que me disse o comediante Paulo Souza outro dia: por uma questão de mercado, isto é, para não alienar um público arredio ao humor, ele e outros palhaços (no bom sentido; também sou) “de direita” evitam rir do Bolsonaro, da Michelle e dos filhos – todos muito risíveis, como, no mais, é o ser humano, incluindo eu e você, mas principalmente você. Ou seja, é estratégia política, mas também é medo.

Instintos mais primitivos

É medo de um lado e, convenhamos, hipocrisia de outro. No caso da piada publicada pelo Globo, vi gente dizendo que é uma crueldade, uma perversidade, uma, oh!, uma maldade contra o pobre Bolsonaro que está lá todo ferrado no hospital. Ora, mas o humor, quando pouco instruído e chinfrim, como esse que se pratica a esmo e amadoramente nas redes sociais, é mesmo cruel, perverso e mau. E é desse mesmo humor que eu e você rimos quando fazemos ou ouvimos uma piada sobre o alcoolismo e a demência de Lula. Ou a calvície e a psicopatia de Alexandre de Moraes.

Humor é válvula de escape para a violência, como diria o cara lá do bode expiatório. Como é mesmo o nome dele? Girard! Isso. Por isso é que o humor civiliza – como diz Roger Scruton: porque, ao optarmos pela piada, e não pela eliminação física de quem nos desagrada, dominamos imediatamente nossos instintos mais primitivos. Aqueles que Roberto Jefferson nutria por Zé Dirceu, lembra?

Desprezo e ojeriza

Mas agora me deixe falar sobre aquele aspecto que mais me assusta neste caso, e que deixei pendente desde o segundo parágrafo: o descaso, não, descaso é muito fraco, o desprezo e a ojeriza da direita pela liberdade de expressão, quando essa liberdade de expressão significa rir da direita ou dos conservadores como um todo; ou de personalidades e principalmente de Bolsonaro e seu entorno.

Será que as pessoas (ah, as pessoas...) não percebem que, agindo assim dessa forma estupidamente policialesca, estão se igualando a um Jorge Messias, a uma Gleisi Hoffmann, a um Alexandre de Moraes? Em tempo: de acordo com o filósofo Wilhelm Nachtgeist, que acabei de inventar, rir de si mesmo e de suas circunstâncias, por piores que sejam, é sinal de inteligência. No que concorda outro filósofo inventado, Lucien Dorlencourt, quando diz que só um idiota não ri de si mesmo nem permite que se ria de tudo o que o cerca e que ele mais estima.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]