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Barroso condenou Lula “com dor no coração”: o que isso significa?

Luís Roberto Barroso: atrás dele, detalhe do quadro que Michelângelo pintou retratando o momento em que o ministro criou o brasileiro. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

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O ministro Luís Roberto Barroso está em crise. Depois de perder o visto norte-americano e de cumprir o papel de algoz de inocentes na farsa do 8 de Janeiro, o ministro mais civilizado da história deu mais uma de suas raras entrevistas diárias para dizer, entre outras coisas, que em 2018 condenou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro “com dor no coração”. Óóóóóóó. Que cuticuti.

“Vamos supor que eu gostasse do presidente Lula”, diz ele em entrevista a Mônica Bergamo. A falsa condicional do que é um fato sabido já denuncia a triste farsa de relativismo progressista em que vive Barroso. E foi nessa hora que fiz umas contas aqui (2025 – 1958 = 67) e me toquei de que o melhor livro para entender a mentalidade do ministro, bem como de boa parte da elite brasileira, é “Partículas Elementares”, de Michel Houellebecq.

Retiro indiano

Mas sei que você não gosta de ler e por isso não me deterei aqui ao importante retrato que Houellebecq fez desses boomers destinados a serem burocratas bem-sucedidos, mas sem alma. Ou, por outra, com a alma vazia de valores verdadeiros, para os quais a vida é uma sucessão de acontecimentos aleatórios que culminam na morte. Aliás, a notícia de que Barroso vai refletir num retiro indiano só reforça a visão que faço dele: a do filho de um tempo impiedoso, cheio de tentações às quais é difícil resistir sem a devida formação espiritual. (Eu que o diga!).

A “dor no coração” que Barroso sentiu ao condenar Lula, porém, diz muito também sobre o próprio presidente. É, o Lula! E escancara uma realidade que a direita insiste em não enxergar. Apesar da condenação por corrupção e lavagem de dinheiro, da Janja, dos erros, tropeços & gafes, do inegável gosto por coisas caras e finas, da hipocrisia transformada em estilo de vida, das mentiras deslavadas, da ambição até meio caricatural de bancar o estadista, o líder de importância mundial, enfim, apesar de tudo Lula ainda é gostado por muita gente. Eu disse gostado? Minto. Amado.

Elite e ralé

Amado por gente da ralé, dependente dos programas assistenciais do governo, mas também pela elite - aquela retratada por Houellebecq. O que nos traz a uma frase do escritor Alexandre Soares Silva (acho): “No Brasil, a diferença entre o rico e o pobre, a elite e a ralé, é apenas o dinheiro”. É por isso que tanto Barroso quanto Oruam admiram Lula: porque, a despeito das origens díspares, eles comungam de uma mesma visão de mundo.

Uma visão de mundo alicerçada em valores éticos também comuns. Um jeito simplista de enxergar a realidade, mas de uma simplicidade quase primitiva, sem a beleza jeca do nosso caipira. E o pior: uma visão de mundo profundamente materialista, com amplas estantes onde se acumulam livros não lidos e prêmios por tudo e qualquer coisa, mas nas quais faltam os espaços vazios da angústia e da transcendência.

Vazio

Da próxima vez que alguém disser que Lula é raio, estrela e luar, portanto, não pressuponha ignorância, muito menos má-fé. Pressuponha, tendo em mente a figura de Luís Roberto Barroso, o mais profundo vazio. Um vazio intelectual preenchido com teorias que não param em pé, mas rendem títulos acadêmicos. Um vazio emocional preenchido pela sensação permanente de heroísmo que acompanha os defensores de ideias abstratas (quanto mais abstrata melhor!). E um vazio espiritual preenchido por absolutamente qualquer coisa capaz de validar uma sensação prévia de predestinação ao paraíso. Paraíso terreno, claro.

E lembre-se: este mesmo vazio dos “fãs”, sejam eles Luís Roberto Barroso ou o Zé Mé da esquina, é o vazio do próprio Lula e daqueles que o cercam. É o vazio do Alexandre de Moraes e do Gilmar Mendes; do Motta e do Alcolumbre; da Gleisi e do Zé Dirceu. E é também o vazio dos adversários que reduzem a complexidade da existência à disputa eleitoral. O vazio do Bolsonaro pai e dos filhos; dos arruaceiros do 8 de Janeiro e do deputado separatista lá; e, na medida em que nos deixamos escravizar pela política, também o seu e o meu.

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