Fila de vacinação no conturbado e inesquecível outubro de 2021. (Foto meramente ilustrativa pra fins fictícios).| Foto: Agência Brasil
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Brasil, 9 de dezembro de 2021. Depois de um começo de ano conturbado, com neovacinistas e antivacinistas se digladiando nas ruas, os neovacinistas com o corpo besuntado de álcool em gel e os antivacinistas intoxicados de homeopatia, finalmente a campanha de imunização da população chega ao fim. No final das contas, até o presidente Jair Bolsonaro acabou tomando a vacina e posando para aquela já icônica foto ao lado do Zé Gotinha. Ou, no caso, Zé Agulhinha.

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E, assim, o Brasil se torna o último país do mundo a erradicar a Covid-19 - como previu Nostradamus. Dois dias depois de Botsuana. Uma semana depois de Tonga. E quase seis meses depois de a China anunciar que o país mais populoso do mundo estava totalmente imunizado, uhu!, vamos comer feijoada de pangolim, galera! Nunca vou me esquecer daquele dia. Foi um auê. Porque logo começaram as discussões sobre como a China, com mais de 1,5 bilhão de habitantes, conseguiu imunizar todo mundo assim na moita.

A Pátria de Mao não conseguiu imunizar ninguém, claro. Mas, como o governo ultracentralizado de Pequim detém o controle da verdade lá por aqueles lados, ficou o dito pelo não dito. E é difícil dizer se foi bonito. É difícil cantar o que perdi.

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Enquanto isso, no Tupiniquinistão

Enquanto isso, no Tupiniquinistão, começaram as discussões sobre a melhor forma de vacinar os nativos. Ou você acha que o brasileiro, criativo como é, não daria um jeitinho de tornar tudo mais "eficiente"? O prefeito Murilo da Borracharia, de Três Corações do Mato Fora, surpreendeu o mundo (o mundo!) ao anunciar a compra de cem carros equipados com fumacê para imunizar a população do município de dois mil habitantes. No que foi seguido por Tião, governador do Rio Grande do Oeste, que comprou aviões para pulverizar todo o estado.

Ideia melhor teve o Dr. Barboza, prefeito de Curva do Rio, na região metropolitana de Botas do Judas, que decretou o acréscimo da vacina nos drinks, cervejas, cachaças, refrigerantes e energéticos da rapaziada. A população comemorou a medida brindando à saúde e o Dr. Barboza gostou da cor da camisa-de-força que vestiram nele. Todos saíram ganhando, pois.

Tanta criatividade, confusão e verba por debaixo dos panos sem que a vacina tivesse aportado nessas terras onde em se plantando tudo dá. Porque, veja bem, estávamos em julho e a Anvisa (Anvisa – a piada é essa) ainda não tinha dado seu Carimbo Onipotente no formulário A345 preenchido em cinco vias autenticadas, todas devidamente assinadas com firma reconhecida por exatidão e seladas com o Cuspe Sacro do tabelião. Afinal, ninguém é de ferro e em julho o funcionário concursado responsável pelo Ato Supremo estava de férias.

Dia 2 de agosto. Jamais me esquecerei desse que há de ser conhecido como Dia da Queda da Anvisa – o dia em que a vacina contra Covid-19 recebeu o selo de aprovação da Anvisa do B, tomada por revolucionários neovacinistas. Para a tristeza dos animaizinhos de estimação, houve foguetório em todas as cidades. E logo começaram a se formar filas gigantescas de pessoas ansiosas por voltarem à vida normal da qual tanto reclamavam, mas que aprenderam a admirar. Aprenderam?

E aí, chefia, vai uma Faizer hoje?

E, com as filas e as vacinas e o desejo incontido de dar uma banana para essa porcaria de doença, foi a vez de entrar em cena o seviranostrintismo brasileiro. Em todos os sinais, semáforos e faróis do Brasil, hordas de camelôs ofereciam a vacina da Covid-19 aos mais afoitos. Era a Mão Invisível do Mercado fazendo carinho na malandragem de sorriso fácil, mas desesperada. E aí, chefia, vai uma Faizer hoje? Essa funciona mesmo e ainda tem o efeito colateral do azulzinho. Só mirréis. Noutro sinal era possível encontrar a vacina chinesa 100% paraguaia sabor asinha crocante de morcego.

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Outubro, novembro. Teve gente entrando duas vezes na fila para se vacinar. Teve gente entrando três. Teve gente protestando também. Contra o imperialismo da indústria farmacêutica, contra a sinofobia, contra tudo isso que está por aí, contra o que aparecesse na frente. Assim que os ânimos se acalmaram, começaram os boatos de que a vacina tinha um poderoso (e, por que não, delicioso) efeito político-sedativo.

E assim, aos poucos, a vida foi voltando ao normal. Máscaras foram queimadas em praça pública – para o desespero dos ecoxiitas e das tartarugas esfomeadas, que preferiam que elas fossem jogadas no mar. Casas noturnas reabriram, para o desespero dos vizinhos. Até o futebolzinho nosso de todos os domingos voltou, para o desespero dos coxa-brancas como eu. E os lockdowns viraram histórias agridoces contadas com certo constrangimento por quem passou a quarentena bebendo todo o estoque de vinho do papai e maratonando série na Netflix.

A vida voltou a um normal tão absoluto que Átila, aquele Youtuber que passou um tempo espalhando a mensagem nada sutil de que “o fim está próximo!”, foi visto por aí fazendo o que ele fazia de melhor antes de ser transformado em arauto da ciência, ou seja.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]