A modelo Gisele Bündchen recebeu R$10 milhões para estar presente durante três horas num camarote durante o carnaval. Achei pouco. Para passar calor e ficar no meio de gente suada, bêbados, jornalistas (arght!) e subcelebridades, este cronista de província com barriga de chope cobraria bem mais. Mas tem gente que está revoltada. Minto, tem gente que finge estar revoltada. Tem gente que expressa essa falsa revolta usando e abusando da liberdade, do conforto e do luxo que o capitalismo lhes proporciona.
Não que o cachê de R$57 mil/minuto seja certo. Mas sobre isso falarei mais adiante. Por enquanto deixe eu me divertir um pouco mais falando dos argumentos da esquerda para atacar Gisele Bündchen e a empresa que lhe pagou os dez mirréis – como se dizia antigamente e acho que ainda dizem nas mesas de dominó do Passeio Público. Todos os argumentos, na verdade um amontoado de lugares-comuns enferrujados, giram em torno de uma só coisa: inveja.
Este é o problema da esquerda contemporânea: ela se recusa a abdicar de sua vida de confortos e privilégios pequeno-burgueses (para usar um termo fora de moda), ao mesmo tempo em que gosta de apontar para a grama mais verde do vizinho e dizer ao mundo: não é justo. E qual o senso de justiça desse povo? Explico: para eles a injustiça não está mais na fome, na miséria ou nas muitas privações do operariado. A injustiça, para a esquerda-cabelo-azul, está no fato de faltar luxo para todos.
É uma esquerda que nem Marx reconheceria. Afinal, os marxistas de antigamente eram péssimos, mas pelo menos tentavam esconder a inveja. Pelo menos disfarçavam. Pelo menos camuflavam a canalhice com as plumas e paetês do intelectualismo, racionalismo, iluminismo. Ou qualquer outro ismo que estivesse na moda (como o freudianismo). Pelo menos diziam que matavam em defesa "dos interesses dos oprimidos". A esquerda de hoje não. A esquerda de hoje cancelaria Marx por receber uma gorda mesada do Engels – e ela não.
Ah, mas as garçonetes do camarote ganharam apenas R$200 reais para trabalhar a noite toda – dizem. Acho que não capto bem o argumento. Por acaso todas as garçonetes eram clones da quarentona mais bonita do mundo? Ah, porque um brasileiro médio teria que trabalhar séculos para acumular essa quantia. Bom, alguns de nós somos tão feios que nem em milênios acumularíamos essa fortuna catwalking nas passarelas da vida.
Abundância estéril
O que não quer dizer que o cachê de R$3.333.333,33 por hora seja certo. Digo, os libertários anarcocapitalistas acham que tudo isso é belo & moral. Que é apenas uma troca de capital baseada no autointeresse, porque Mises isso, Ayn Rand aquilo, blá, blá, blá. Discordo. Isso é simplificar demais a dinâmica das interações humanas. É ignorar o fato de que não nascemos para o conforto, e sim para a grandeza, como dizia o Papa Bento XVI.
Há mais entre o céu e a terra do que possa imaginar sua vã filosofia econômica e política. Há, por exemplo, a questão do mérito e do bem comum: o que Gisele Bündchen fez para ser tão valorizada? Além de ter nascido linda, claro. Há a "abundância estéril" que troca de mãos. Há uma empresa que, por uma cálculo econômico que me escapa, considera vantajosa essa troca. Será mesmo que alguém vai beber mais cerveja ruim só porque Gisele Bündchen passou três horas exibindo uma barriga que não combina nada com quem consome o produto?
E veja que nessa história considero a modelo mais "vítima" do que algoz. O que ela fará com o dinheiro, se trocará o papel-de-parede da sala, se comprará um carro, se criará uma ONG que milita contra a gordofobia ou se doará para os pobres, é uma questão que diz respeito somente a ela e sua consciência. E não deve ser nada fácil manter a consciência limpa no meio em que Gisele Bündchen vive. Mas quem sou eu para julgar?
Para mim, o semipior nessa história toda é saber que vivemos num mundo que exalta a fama pela fama, a beleza física pela beleza física, a alegria vazia pela alegria vazia, e até o pileque pelo pileque. A tal ponto que um publicitário qualquer consegue convencer os executivos de uma empresa biliardária de que é uma boa ideia esfregar na cara da população mais pobre – justamente aquela que é obrigada a beber cerveja de qualidade questionável – a opulência imoral do artigo de marketing de luxo: uma bela mulher.
Agora, o pior-pior mesmo é ser obrigado a encerrar este texto reconhecendo que tudo poderia ser ainda mais imoral – como, aliás, clamam os invejosos e hipócritas cheios de "consciência social" e purpurina na cara. A cervejaria poderia, por exemplo, doar os R$10 milhões para alguma causa progressista. Ou para financiar um curso de lavagem cerebral identitária para os funcionários. Ou para patrocinar a cinebiografia de algum canalha histórico admirado pela esquerda.
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