O Conselho Federal de Educação Física envolveu a polícia para acusar a atriz Claudia Raia de exercício ilegal da profissão.| Foto: Pixabay
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Vesti uma calça legging, camiseta regata, perneiras, tênis daqueles bem chamativos e pus até uma faixa para impedir que a careca caísse sobre meus olhos. Instalei a câmera no tripé e comecei a transmissão da minha aula de aeróbica para homens confusos na andropausa. Para quê! Em pouco tempo ouvi batidas na porta. Era a polícia, na pessoa do investigador Mafaldo, me pedindo para prestar esclarecimentos sobre a acusação de que eu estaria praticando ilegalmente uma profissão qualquer.

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Não. “Profissão qualquer” ficou feio. Vai parecer que estou querendo menosprezar os professores de educação física que, reunidos em seu autoritário conselho federal, prestaram queixa à polícia (sim, à polícia!) contra a atriz Claudia Raia, que cometeu o pecado mortal (na teologia do sindicalismo) de se exibir no Instagram fazendo exercícios. Não quero menosprezá-los. Se quisesse, reproduziria aqui aquela piada do Woody Allen segundo a qual “quem não sabe fazer ensina, e quem não sabe ensinar dá aula de educação física”.

Professor de educação física é uma profissão digna como outra qualquer, com profissionais bons e ruins. O problema não está na profissão que se escolhe por vocação, necessidade ou, sei lá, um impulso na hora de preencher a ficha de inscrição para o vestibular. O problema está na visão distorcida de autoimportância misturada a certo impulso autoritário próprio do corporativismo/sindicalismo.

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Conhecimento científico e capacidade técnica

Segundo o UOL, na acusação contra a atriz Cláudia Raia o Conselho Federal de Educação Física diz que ela promoveu uma sessão de educação física “sem possuir conhecimento científico ou capacitação técnica para tanto”. O problema do argumento nem é o verbo “possuir” freudianamente colocado (mais sobre isso nos parágrafos seguintes), e sim a ideia de que uma simples sessão de ginástica implica necessidade de um profundo conhecimento científico e capacitação técnica.

Como se fazer uns polichinelos, uns agachamentos, umas flexões fosse o mesmo que construir uma estação espacial ou fazer um transplante de coração. E aqui peço perdão ao professor de educação física que possa estar lendo este texto, mas há um quê de cômico na ideia de que um exerciciozinho à toa possa envolver um profundo conhecimento do corpo humano, bem como técnicas extremamente elaboradas para garantir a segurança do indivíduo.

Imagine se a moda pega. Vai ter conselho/sindicato de eletricistas proibindo você ou eu de trocarmos uma tomada porque nos falta conhecimento científico e capacidade técnica. Vai ter conselho/sindicato de turismólogos proibindo viajar para, sei lá, as cidades históricas mineiras sem ter lido a obra poética completa dos inconfidentes. Vai ter conselho/sindicato dos confeiteiros proibindo a Dona Benta de preparar um bolinho porque... Bom, acho que você já entendeu aonde quero chegar.

"Possuir"

Retomando aquela bola que deixei científica e tecnicamente quicando ali em cima, sobre o uso revelador do termo “possuir”. A determinação do Conselho Federal de Educação Física em criar reservas de mercado, sem querer, revela a ignorância da categoria sobre o conceito muito básico de propriedade privada. No caso de Cláudia Raia, bem como da lei carioca que obriga condomínios com academia a contratarem um professor de educação física, isso está muito claro.

Para os sindicalistas do Confef, não possuímos a propriedade do nosso corpo – e precisamos da orientação de um profissional de educação física para usarmos científica e tecnicamente a bicicleta ergométrica. Por outro lado, eles, os professores de educação física, pensam que possuem o conhecimento científico e a capacidade técnica para orientar adequadamente um jogo de queimada – propriedade que deve ser protegida até mesmo pela polícia.

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O apego extremado dos professores de educação física às prerrogativas de sua profissão tem um quê de ridículo, mas é sério e também triste. Ele mostra como a mentalidade socialista está entranhada na sociedade, a ponto de os profissionais, unidos numa corporação, irem até às últimas consequências para garantir o privilegiozinho de ser pago por um conhecimento que, sejamos sinceros, é um luxo, não uma necessidade.

[Clique aqui para me ver exercendo ilegalmente a profissão de professor de educação física, usando calça legging, camiseta regata, perneiras, tênis daqueles bem chamativos e até uma faixa para impedir que a careca caia sobre meus olhos].

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]