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Projeto Tem Uma Trave no Meu Olho

Más notícias para a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro

BOLSONARO DEFESA
Bolsonaro apresenta sua defesa: você consegue imaginar um ministro do STF se deixando convencer por argumentos lógicos? (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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(Começar a semana com más notícias é dose. Mas vamos lá!).

Quinta passada (6), a defesa do Jair Bolsonaro apresentou seus contra-argumentos à denúncia da PGR, que acusa o ex-presidente de todos aqueles crimes que você e eu estamos carecas de saber. Nas redes sociais, apoiadores de Bolsonaro e entusiasmados operadores do Direito correram para exaltar a qualidade técnica, as doutrinas e os latinórios todos da peça. Até aí, tudo bem.

O problema é que a defesa do ex-presidente, por melhor que ela seja e não estou duvidando disso, se baseia numa premissa cada vez mais questionável: a de que ainda é possível convencer alguém, quanto mais um ministro do STF ou um Procurador-Geral da República, por meio da palavra e, por consequência, por meio da razão. Aliás, toda a civilização se baseia nessa premissa.

E você?

Em sendo a premissa questionável, vou aproveitar para perguntar se você, é, você mesmo, não adianta olhar para trás, não, se deixa convencer pela palavra que conduz à razão. Mas assim, ó: quando foi a última vez que você, depois de ler um artigo ou livro (ficção e não-ficção) ou petição ou crônica ou mensagem de WhatsApp ou e-mail ou bula de remédio, mudou de ideia a respeito de algo importante ou talvez até essencial?

Enquanto você pensa e faz as contas, vou aproveitar para dar vazão ao meu lado mais melancólico e dizer que ninguém está interessado em se deixar convencer pela palavra/razão. Se duvidar, nem eu. Pelo contrário! As pessoas (entre as quais me incluo) só querem consumir palavras que reforcem um ponto de vista anterior. Por isso a direita lê Jordan Peterson e a esquerda, Thomas Piketty. E nunca vice-versa.

Me ocorre agora

Ao mesmo tempo, me ocorre agora que todo mundo está convencido de que a palavra só existe com uma finalidade: convencer o interlocutor de que ele está mais certo do que nunca – ou errado para além de qualquer possibilidade de redenção. Daí porque tanta gente considera textos que propõem uma reflexão ou que pretendem fazer rir, sem falar na poesia, ah, a poesia!, uma perda (quando não “perca”) de tempo.

Imagine

De volta à defesa apresentada pelos advogados de Bolsonaro, não duvido que estejam cheias de obviedades necessárias* e daquela lógica simples, mas não simplista, explorada por juristas nas últimas semanas: atos preparativos não são considerados crime, não se tenta um golpe de Estado sem armas, delação de Mauro Cid foi obtida sob coação, numa democracia tudo pode ser questionado, até o sistema eleitoral, etc.

Mas imagine o Xará Gonet ou os ministros do STF lendo essas coisas todas. Imaginou? Agora tente imaginá-los convencidos pelos argumentos expostos em palavras bonitas e difíceis. Pelo que é óbvio e lógico. Dificultou, né? Por fim (e sem cair no riso!), tente imaginar um Alex—. Não, melhor. Peguemos um ministro mais café-com-leite. Tente imaginar um Luís Fux lendo a defesa do ex-presidente e se deixando convencer verdadeiramente pelos argumentos apresentados.

Vira-casaca

Agora que você chegou até aqui, vá além e imagine o mesmo Fux, uma vez convencido, tendo de assumir que estava errado e, por isso, tendo também de adotar uma postura contrária à de seus pares. Imagine o trabalho que isso daria e, no embalo, imagine a preguiça, a hesitação e, por fim, a desistência. Porque são raros aqueles que, uma vez tocados pelo desconforto da dúvida ou incomodados pela luz da verdade, têm coragem de enfrentar o exército da opinião pública, com seus tanques de senso comum municiados com bombas de falsas certezas.

Dando continuidade ao Projeto Tem Uma Trave no Meu Olho, porém, encerro este texto dizendo que, se você parar para pensar (vish!) e for honesto consigo mesmo, encontrará aí no seu coração essa mesma tendência a usar certezas frágeis, sejam elas políticas, sociológicas, científicas ou estéticas, para se proteger do poder potencialmente destruidor da dúvida ou da verdade-que-nos-contraria. E tudo por orgulho. Afinal, vai que alguém nos confunde com um vira-casaca, um oportunista, um traidor, um quinta-coluna.

* Quase escrevi “ululantes”**, mas me contive.
** Agora escrevi***.
*** Desculpe pelos asteriscos.

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