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Mansão de Flávio Bolsonaro
Imagem divulgada por veículos de imprensa e nas redes sociais identifica a mansão comprada por Flávio Bolsonaro.| Foto: Reprodução/Twitter

Sopram de Brasília ventos que contam que Flávio Bolsonaro comprou uma casa por R$6 milhões, aparentemente pagando juros subsidiados. Mesmo sendo filho do presidente mais odiado da história, mesmo sendo um senador com um salário de R$33 mil, mesmo sendo uma pessoa que viveu a vida inteira de política. E, para piorar, em plena pandemia de Covid-19.

Se a compra da mansão é fruto de corrupção, não sei. E, ao menos neste texto, não faz diferença. Se o imóvel tiver sido comprado com dinheiro ilícito ou a juros ilícitos, isso só prova meu ponto de que, para certas pessoas sem uma base moral que privilegie o sacrifício, vale fazer qualquer coisa para não ser mais um na multidão obcecada pela ideia de não ser mais um.

Se é derrapada política? Desconfio que sim. Mesmo que haja justificativa para cada centavo investido no barraco, na cabeça dos petistas já coléricos e dos antibolsonaristas convictos o novo bangalô de Flávio Bolsonaro iguala o Zero-Um a Lulinha, aquele que foi chamado pelo pai de “o Ronaldinho dos negócios”. Convém agora citar aquele provérbio: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

Muito mais importante do que eventuais aspectos criminais ou político-eleitorais, a compra da casa é um tremendo tropeço moral que revela os valores (sem trocadilho) profundamente corrompidos (sem trocadilho novamente) não só de Flávio Bolsonaro, pessoa física, mas de toda uma geração que insiste em medir o sucesso por coisas como mansões de R$6 milhões. E por quaisquer feitos extraordinários.

O homem comum

Tenho pensado bastante na célebre frase de Chesterton, segundo a qual “a coisa mais extraordinária do mundo é o homem comum”. Ou melhor, a partir dessa frase, tenho pensado no quanto nos falta a ambição pela vida simples, retilínea e ordinária. Aquela vida que nos ensinaram que era simplória, patética e até indigna. Mas não é.

Repare no nojo com que aprendemos a nos referir à classe-média que passou décadas se importando apenas com o sustento da família e a criação dos filhos. Uma gente retratada com especial crueldade nas telenovelas, como hipócritas por natureza, politicamente alienados, insensíveis aos grandes dramas sociais. Como pessoas que, cotidianamente, cometiam o horrível pecado de não quererem mudar o mundo para além do seu quintal.

Ao mesmo tempo, fomos ensinados a admirar, não, a amar e mimetizar (alô Unidos de São Girard!) quaisquer pessoas que realizassem feitos dignos de nota, como se eleger senador ou comprar uma casa de R$ 6 milhões, nem que seja em 360 prestações, nem que a casa tenha aquela arquitetura típica de um laboratório de análises clínicas, nem que a mansão jamais chegue a ser um lar.

Entrar para a história, nem que fosse pela porta dos fundos, era um imperativo. Ainda é. Deixar sua marca no mundo. Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho que perpetuasse essa adoração pelo memorável.

A rejeição ao homem comum e a exaltação do homem falsamente extraordinário causa um estrago enorme na alma. E um estrago igualmente enorme na convivência entre as pessoas. A vida deixa de se basear na busca pela indefinível felicidade e passa a se basear na ostentação de bens materiais, sim, mas também da opinião.

Os debates entre os “abomináveis” homens comuns, antes restritos às mesas dos bares ou à conversa com os taxistas, já não nos bastam. Queremos ser extraordinariamente extraordinários e, por isso, hoje precisamos correr para as redes sociais e anunciar nossa opinião sobre tudo – até sobre a casa do senador. Debater, debater, debater até esmagar o outro. E influenciar, maldita palavra!

Nobreza

Há, no homem comum de Chesterton, uma nobreza que falta a essa gente (entre as quais infelizmente me incluo ou incluía) que busca sempre algo que as faça se destacarem na multidão. É a nobreza retratada, por exemplo, na animação “Ethel & Ernest”, disponível na Netflix. Ou naquela música que fala da mulher que todo dia faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã.

Me refiro aqui não à falsa nobreza dos palacetes de R$6 mi, dos privilégios, dos carrões, da conta na Suíça, das fotos diante da Torre Eiffel ou do sítio em Atibaia. Nem das honrarias, dos Kikitos, dos PhDs. Muito menos à falsa nobreza dessa virtude woke que se arvora redentora do mundo, mas que não sobrevive sem a miséria que diz combater.

A nobreza do homem comum chestertoniano está na discrição e no sacrifício – características que nos legaram um mundo de abundância e comodidade. E que eram cobiçadas, veja só!, até mesmo por políticos.

Mas infelizmente a geração da fama pela fama aprendeu a desprezar a discrição. Daí porque não vê nada de mau em mostrar pornograficamente a alma maculada num reality show qualquer. E o sacrifício? Ah, o sacrifício é um conceito inconcebível para quem acha que a vida, o Universo ou o país lhe devem a felicidade de comprar uma mansão de R$6 milhões, a despeito das consequências reais e simbólicas disso.

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