Estamos em janeiro. Ainda. E já tem pedido de impeachment do presidente Lula. Na verdade, dois. O primeiro foi feito pelo deputado Ubiratan Sanderson; o segundo, pelo também deputado Evair de Melo. Ambos têm como justificativa o revisionismo histórico de Lula, que insiste porque insiste que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe. Mas todo mundo sabe que os documentos praticamente iguais estão destinados ao fundo da gaveta o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Ao ler as petições quase infantis, dirigidas a Arthur Lira naquela linguagem entre a do cartorário e do escrivão de polícia, me veio à mente a figura sempre patética dos petistas que, a cada espirro de Fernando Henrique ou Temer, pediam o impeachment deles. Mas aí me segurei pelo colarinho e falei para mim mesmo com uma expressão de Dirty Harry: “Não era você mesmo que outro dia estava cobrando uma oposição dura a Lula?”.
Era. Digo, sou. Daí minha preocupação com essas traquinagens que fazem a festa dos ingênuos e dos oportunistas, ao mesmo tempo em que só servem para reforçar os falsos temores que emanam sobretudo do Supremo Tribunal Federal. O pouco de democracia que nos resta parece desaparecer quando oportunistas se aproveitam do picadeiro esvaziado para contar a piadinha sem graça do “impeachment precoce” ou do "mandato interrompido".
Como já diagnosticava alguém, o problema do Brasil não é nunca o governo; é sempre a oposição. Isso está claro desde os anos 1990, com a oposição burra e histriônica do PT aos Fernandos. Depois, com a oposição frouxa do PSDB aos intermináveis 16 anos do PT no poder. Em seguida, com a oposição do PT, acrescido de seus partidos-satélites e de uma imprensa cada vez mais antagonista (no pior sentido da palavra), a Temer e Bolsonaro.
Sei que essa oposição que está aí não é exatamente a mesma oposição que trabalhará de fato para proteger o Brasil dessa tragédia anunciada chamada Lula. Sei que até o dia 2 de fevereiro estamos numa espécie de limbo de representatividade, uma oferta da nossa mutcho loka legislação eleitoral – tão poderosa que em torno dela gravitam casos e mais casos de censura e até um permanente Estado de exceção. Coisas contra as quais, espero, a nova legislatura atue com um mínimo de dignidade. (É, minhas expectativas são bem baixas mesmo).
"Otaku, gamer e deputado"
Mas os sinais que vêm da dupla Sanderson & Melo, ambos reeleitos, são preocupantes e revelam uma oposição meramente oportunista, afoita e apaixonada pela própria imagem. Características, aliás, que se aplicam também à traquinagem do moleque e deputado federal Kim Kataguiri, em teoria do partido União Brasil, mas na prática um representante do MBL, aquele grupo que só quer ver o circo pegar fogo.
Pois não é que alguém soprou no ouvido de Kataguiri que seria uma boa ideia denunciar Lula por desinformação (novamente usando a história do “impeachment foi golpe”, na qual, aliás, de tanto repetirem estou começando a acreditar) ao imoralíssimo órgão de repressão criado pela AGU do eterno garoto de recados Bessias? Com isso, Kataguiri conseguiu o que queria: espaço no noticiário. Por causa essa brincadeirinha narcisista do “otaku, gamer e deputado”, agora corremos o risco de ver chancelada a existência do Departamento de Censura petista.
Uma oposição séria e razoavelmente adulta (não confundir com a oposição prudente & sofisticada das Joices e Frotas da legislatura passada) lutaria com todas as forças contra a criação do órgão de repressão. E não tentaria usá-lo infantilmente contra o governo totalitário que se insinua. Isso é coisa de moleque que gosta de bancar o espertalhão para, por uns poucos dias, receber o aplauso dos parvos, incautos e distraídos. Não se usa a força imoral do Estado contra o Estado; política não é judô.
As traquinagens dos três deputados servem apenas para corroer ainda mais a nossa débil cultura democrática – estratégia usada há décadas pelo PT e que, hoje, serve de justificativa tanto para as arbitrariedades do STF quanto para o desespero estúpido dos vândalos de 8/1. Pirotecnias talvez agradem o tuiteiro que esteja à toa na vida. Mas não se engane: essa banda que passa tocando refrões marxistas é muito mais perigosa do que a banda anterior, desafinada, mas bem-intencionada.
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