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Não está nada fácil ser “de direita” no Brasil de 2025. A não ser que você faça o tipo reaça, sectário e acrítico, do tipo que aplaude tudo e qualquer coisa que a direita diga. Já eu, que sou meio bocó mesmo, sofro com as decepções que a direita insiste em me proporcionar. No episódio de hoje, por exemplo, vou analisar três decepções recentes dessas. Envolvendo dois personagens. Dois campeões de votos. Duas esperanças da direita. E dois colunistas da Gazeta do Povo. O primeiro é o senador Sergio Moro e o outro é deputado Nikolas Ferreira.
Pois foi com algum espanto que li a coluna “Uma piada de mau gosto”, publicada pelo senador Sergio Moro aqui na Gazeta do Povo. O ex-juiz da Lava Jato gasta mais de mil palavras (1004, de acordo com o ChatGPT) para se justificar, apelando para a racionalidade jurídica (hahahaha!) e implorando o perdão do ministro Gilmar Mendes por uma piada de festa junina pela qual ele foi tornado réu. Uma piada de festa junina. De festa junina. Réu. Sergio Moro. Senador Contra um dos grandes vilões nacionais. Croac-croac!
O sapo não lava o pé, não lava porque não quer
Em vez de fazer uma defesa veemente e ousada da liberdade de expressão, talvez citando Esopo ou La Fontaine, o senador praticamente pede desculpas por existir. Por ter dito o que disse. “Reconheço que a brincadeira foi infeliz”, se curva ele. Reconhece mesmo? Pois então Moro não entende nada de humor, porque a piada foi ótima, excelente, magnífica, extraordinária. Tudo bem que o timing e o delivery não sejam comparáveis aos de um humorista profissional. Mas o punchline (“comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes” hahahhaaha) e a premissa que se ancora na percepção popular da corrupção que contaminou os membros do STF... Só me resta aplaudi-lo, senador!
Sei que o STF é todo-poderoso e que Moro teme perder o mandato. Sim, por causa de uma piada. Sei que isso é absurdo, revoltante e tudo o mais. Mas aí é que está. Defender a liberdade de expressão em tempos de democracia plena é fácil; difícil mesmo é defender essa mesma liberdade de expressão quando o solar, o radiante, o resplandecente ministro Gilmar Mendes usa o poder do Estado para perseguir um inimigo político. E é justamente nessas horas que a gente precisa de políticos inteligentes e destemidos (mas não temerários), capazes de defender princípios. Dentre eles o mais caro a uma democracia de verdade: a liberdade de rir dos anuros, digo, dos poderosos.
Casinhas
Deixo aqui toda a minha solidariedade ao senador Sergio Moro. Mas agora vou falar de Nikolas Ferreira, que andou dando ouvidos demais aos marqueteiros, trocou os pés pelas mãos na lama da demagogia, e se apequenou duplamente. Primeiro, ele fez o que nenhum ser humano deve fazer, ainda mais sendo político e cristão: com base em apenas uma foto que compara uma rua de Diadema em 2019 e 2025, ele julgou os moradores das casas humildes. Disse que as pessoas que deformaram a arquitetura do conjunto habitacional não têm caráter e que estão com o espírito adoecido. Pegou pesado, o Nikolas.
O contraste entre a rua toda bonitinha de casinhas coloridas e alinhadinhas em 2019 e as casas todas improvisadas, sem reboco e avançando pela calçada em 2025, é deveras deprimente. Mas Nikolas Ferreira conhece as circunstâncias que levaram os moradores a deformarem a paisagem? E se foi por alguma necessidade insondável? Como questionar assim, à toa e em público, o caráter de alguém que ignora o projeto arquitetônico para, sei lá, construir um puxadinho que vai abrigar um parente necessitado? O problema, Nikolas, é que a vida daquelas pessoas é muito mais complexa do que dá a entender um mero recorte fotográfico da nossa tragédia estética. É feio? É. Claro que é! Reprovável? Talvez. Mas quem sabe tenha sido o que eles puderam fazer de melhor. Além disso, vale a pergunta ao nobre deputado: em vez de simplesmente apontar o dedo acusador, o que eu e você podemos fazer para mudar a realidade daquelas pessoas?
Deu no que deu
Por fim, o mesmo Nikolas Ferreira, também aqui na Gazeta do Povo, estufou o peito para anunciar que aderiu à campanha de Elon Musk e cancelou a Netflix. Tudo porque o serviço de streaming tem em seu catálogo um, dois, dez, vinte, sei lá, duzentos produtos que servem à ideologia woke. E voltados para crianças, ainda por cima! Assim, o parlamentar, que já se fez chamar de Nicole, crê estar contribuindo para um mundo mais... Mais... Mais o quê?!
Viver é complicado, excelência. E criar filhos nesse mundo complicado é mais complicado ainda. É difícil demais. Desafiador, como preferem os coaches. Mas uma coisa é certa: nem o senhor nem ninguém conseguirá proteger totalmente seu filho dos perigos da vida. Cancelar a Netflix, portanto, pode até lhe render likes, mas é inócuo. Não vai resolver um problema que é ultracomplexo. Além disso, e com todo respeito, anunciar aos quatro ventos o cancelamento da Netflix não passa de populismo cultural barato. E perigoso. Do tipo que pressupõe um mundo de ideias rígidas, homogêneas, puritanas e moralistas, e uma vida vivida numa bolha supostamente ordeira, sem liberdade e por isso mesmo de beleza questionável. Isso já foi tentado antes, sem sucesso. Deu no que deu.




