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Brasil
Aí respeitosamente retruquei: mas o senhor precisa viver num país decente para fazer o bem?!| Foto: Paulo Polzonoff Jr. com IA

Não vou dourar a pílula. A coisa tá feia e só não vou dizer que tá preta porque a polícia do politicamente correto me proíbe. A coisa tá ruça. Se acompanhando o noticiário fecho os olhos por um segundo, sou capaz de imaginar o Brasil transformado numa Venezuela com ares de Cuba e até Coreia do Norte. Se os mantenho fechados por mais tempo, imagino coisa pior. Mas sou exagerado – nunca neguei.

Nessa situação, cair no desespero é fácil. Facinho, facinho. Basta um descuido. Você está com o celular na mão lendo este texto e, quando percebe, cataploft: caiu no desespero e agora está aí, todo ralado. Você queima neurônios pensando em saídas democráticas ou revolucionárias (enquanto pode) e paft: caiu no desespero de novo e ganhou um galo na cabeça. Você vê os petistas esfregando a “vitória” em sua cara e toinhonhóim (é que foi um tombo engraçado): caiu no desespero mais uma vez.

E nem adianta vir aqui falar para você manter a fé. Eu sei. Porque vivemos tempos impacientes e nossa esperança nos milagres perceptíveis anda escassa. No mundo da satisfação imediata, é normal que queiramos para ontem um sinal, qualquer sinal, de que viveremos para ver a Justiça sendo feita. De que testemunharemos a derrota dos nossos inimigos. Ou ao menos de que Alexandre de Moraes sossegue o facho.

Minha parcela de culpa

Mas estava aqui pensando na minha parcela de culpa nisso tudo. E não, não estou me referindo ao texto de ontem, em que expresso minha decepção com Sergio Moro, e que parece ter causado uma avalanche de tristeza e desespero neste espaço. Pelo que peço desculpas, aliás. Não foi minha intenção. Estou falando da minha parcela de culpa no sentido da nossa parcela de culpa. Da nossa culpa individual. Da porção que nos cabe na busca pela felicidade.

Nós, que nos últimos anos acabamos por estreitar nossos horizontes e nos transformamos em zumbis obcecados por escândalos políticos. Por episódios absurdos e inaceitáveis. Nós que nos lamentamos de tudo o que era lamentável. Nós que confiamos em (muitas aspas) heróis como se eles fossem santos. Não são. Por falar nisso, no texto de ontem faltou mencionar a célebre reflexão de São Josemaria Escrivá para os tempos de crise como o que vivemos: “Estas crises mundiais são crises de santos”. As nacionais também. As nacionais também.

Dizia eu, porém, que temos nossa parcela de culpa. E temos. Porque, ao estreitarmos nossos horizontes, acabamos por nos esvaziar da esperança que, tolice das tolices, depositamos aos pés de homens falhos. Suscetíveis ao pecado. Homens humanos. Como Sergio Moro, mas não só ele. Assim esvaziados, nos tornamos incapazes de perceber que a esperança está por aí, ao nosso redor. Em Deus, sim, mas também em nossos feitos, quando consagrados a Deus e realizados com retidão de intenção.

Uma vez esvaziados dessa esperança natural que, repito, por tolice depositamos aos pés de homens falhos, negamo-nos (uau, uma ênclise!) a cultivar uma vida interior que, para vicejar, não precisa de circunstâncias políticas ideais. Nada disso. Uma vida interior que tem suas raízes nas virtudes de que todos somos capazes. E não estou falando daquelas virtudes que se ostenta nas redes sociais. Bom, você sabe. Não sabe?

Parábola do Senhor Simpático

Outro dia fui à casa de um senhor muito simpático, que me recebeu como se eu fosse um czarzinho das araucárias. Ele se dizia – como é de se prever numa crônica sobre o assunto – desesperançado. “Não vou viver para ver o Brasil ser um lugar decente”, lamuriou-se ele, enquanto comíamos do bom e do melhor. Aí respeitosamente retruquei: mas o senhor precisa viver num país decente para fazer o bem?! Assim é muito fácil!

Como o senhor simpático não soubesse responder, apelei para a gratidão. Porque tendemos a nos ater ao que deve ser consertado e nos esquecemos do que já está... certo. Apontei-lhe a mesa farta. Ainda farta. Ele ignorou meu gesto e falou alguma coisa sobre Lula e Alexandre de Moraes e agora Flávio Dino e “nem no Moro dá para confiar”.

Nisso, dois dos netos do senhor simpático ficaram correndo ao redor da mesa, felizes numa diversão para mim incompreensível. Apontei-lhe as crianças e depois os amigos e a mesa e as crianças e os amigos... E se tivesse ali um álbum de fotografias lhe apontaria (quase escorreguei numa mesóclise aqui; não foi desta vez, Denise!) também.

À guisa de conclusão

Não estou sugerindo que você se aliene e volte a anestesiar os sentidos com futebol ou novela do Manoel Carlos (nada contra). Como era nem-tão-antigamente-assim. Minha sugestão aqui é bem clara e tão didática que pode soar dogmática: cultive a vida interior. Certifique-se de que suas intenções são retas, não aos olhos do mundo (isto é, dos seus parentes, amigos, colegas de trabalho e seguidores nas redes sociais), e sim aos olhos de Deus. Por fim, e se não for pedir demais, olhe ao redor e não deixe de perceber as muitas coisas boas que certamente o rodeiam. Pise descalço no gramado, por exemplo. Para mim, sempre funciona.

Tampouco estou dizendo para você ignorar os escândalos, os absurdos e tudo aquilo que é inaceitável e lamentável e está estampado diariamente aqui neste jornal. Afinal, c’est la vie. Aussi. Mas, como antídoto a esse mundo torpe e repugnante, sugiro que de vez em quando você se banhe na beleza abundante que nos cerca. Desvie o olhar do chiqueiro para descobrir ao seu redor catedrais imensas – como aquelas que habitam os corações de que fala Augusto dos Anjos. Logo quem.

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