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Será que a pessoa realmente acredita que sua nudez será capaz de mudar alguma coisa?
Será que a pessoa realmente acredita que sua nudez será capaz de mudar alguma coisa?| Foto: Reprodução/ Twitter

Em Teresina, durante as manifestações pelo impeachment de Jair Bolsonaro, uma moça se amarrou, envolveu os pés e as mãos em papel alumínio, como se fosse um peru de Natal, tapou a boca com uma maçã-verde, como se fosse um daqueles leitões de desenho animado, e, completamente nua, ofereceu-se em holocausto no altar da política.

Ao ver a foto, logo me lembrei de um texto memorável (tão memorável que me lembrei dele!) de Alexandre Soares Silva, escrito na época em que a Internet era tudo mato. Intitulado “Que espécie de argumento é uma bunda?”, o texto falava das pessoas que tiravam a roupa em protestos contra a invasão do Iraque (acho). E começa com uma afirmação incontestável: “Todas as causas que são defendidas por pessoas peladas em parques são erradas”.

Todas. Absolutamente todas. Repare (e aqui estou expandindo e reforçando os argumentos de Alexandre Soares Silva) que ninguém fica nu por causas louváveis. Ninguém fica nu pela diminuição do Estado, por exemplo. Ninguém fica nu pela, sei lá, meritocracia. Ninguém fica nu pelo fim da fome na África. Ninguém fica nu em solidariedade aos uigures.

Claro que há um bocado de narcisismo no gesto de se despir para defender uma causa vazia – dessas sempre à esquerda, sempre progressistas, sempre dramáticas e mal-informadas e quase sempre imorais. Fossem causas deveras importantes, daquelas que falam à alma e que mexem com valores e princípios inegociáveis, as pessoas não se contentariam em expor as partes pudendas. Os monges envoltos em chamas pelo Tibet que o digam.

Eu, que sou muito dado à imaginação (acho que vocês já repararam), consigo ver a moça tendo A Ideia. Ela não está sozinha no quarto, porque esse tipo de ideia só nasce em grupos. De repente, uma das amigas deixa o cigarro de lado e diz: “Duvido você tirar a roupa para derrubar o Bolsonaro”. A futura peladona não hesita e ainda dobra a aposta: “Vou pôr uma maçã-verde na boca”. Ao aceitar o desafio, a menina não pensa nas consequências. E por “consequências” me refiro à possibilidade de ter os vales e reentrâncias do seu corpo invadidos por formigas.

Além de se expor gratuitamente, ganhar uma notoriedade-relâmpago e receber a alcunha de “Peladona da Covid”, o que leva uma pessoa a fazer uma coisa dessas? Será que ela se pensa mesmo capaz de mudar os rumos da pandemia, de derrubar o presidente democraticamente eleito, de fomentar a revolução comunista? Será que ali, de pernas para o ar e lutando contra a vontade de dar uma mordidinha na suculenta maçã, a moça vislumbra o presidente reunindo todo o ministério, convocando uma coletiva de imprensa e dizendo: “É, não tem jeito, depois da Pedalona da Covid, vou começar a empacotar minhas coisas e renunciar”?

Outro personagem dessa história que me deixa bastante consternado é o pai. Ele não aparece na foto, obviamente, mas está por aí, em algum lugar. Talvez tenha até conta no Twitter e, entre um meme e outro, se depare com a imagem degradante da filha. Quantos “é só uma fase”, “deixa a menina ler o Gramsci” e “quem não é comunista aos 20 anos não tem coração” são necessários para que alguém chegue a esse ponto? E o que sente o pai ao ver a filha sacrificando a própria dignidade por... política?

Muitos são os pontos de interrogação neste texto. Porque não entendo mesmo o que leva alguém a passar esse ridículo. E olha que quem diz isso é uma pessoa que não vê problema nenhum em passar ridículo. Aliás, acaba de me ocorrer aqui outro “será”: será que, mais velha e toda orgulhosa, a Peladona da Covid reunirá os netos para contar que fez o que fez?

Concluo citando e plagiando respeitosamente Alexandre Soares Silva. A citação: “Regra número um da argumentação: primeiro põe a calça”. O plágio está em dizer que, neste exato momento, há milhões de pessoas se sacrificando para evitar o “genocídio”. Mas elas fazem isso discretamente, usando máscaras (apesar das dúvidas legítimas quanto à eficácia delas), se besuntando em álcool em gel, evitando aglomerações e até se submetendo às estúpidas medidas restritivas e ficando em casa. Peladas, talvez, mas em casa.

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