Tudo seria muitíssimo diferente se fosse Lula, e não Bolsonaro, a fazer campanha pela PEC 135, a PEC do Voto Auditável.| Foto: Fotos Públicas
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Se fosse Lula pedindo o voto auditável, hoje ninguém estaria escrevendo longas e tediosas digressões sobre a diferença entre “provas” e “indícios”. E, diante do argumento de que é da natureza das urnas auditáveis não deixar rastros de fraude, daí a necessidade de uma comprovação física, todos estariam levando a mão ao queixo, aquiescendo e dizendo uns para os outros: “Como é que eu não pensei nisso antes?”.

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Se fosse Lula pedindo o voto auditável, todos estariam enaltecendo a honestidade e altivez de caráter de um presidente tão, tão, tão, tão democrático que só quer garantir a seu povo eleições limpas e que faz questão de frisar que, se o povo escolher por outro caminho, a vontade popular será respeitada. Se fosse Lula pedindo o voto auditável, nos dicionários sua foto apareceria ao lado do verbete "estadista".

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, meus colegas jornalistas não estariam rindo da ideia como se ela fosse uma conspiração de maus futuros perdedores. Não estariam desprezando o voto auditável como mais um capricho de um presidente narcisista. Nem estariam criando narrativas estúpidas, baseadas em clichês, como a de que o voto auditável favorece o voto de cabresto ou é uma cortina de fumaça.

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Se fosse Lula pedindo voto auditável, aliás, os tais “jornalistas de dados” estariam todos debruçados sobre os indícios, por mais estapafúrdios que fossem. Eles falariam em modelos matemáticos e explicariam tintim por tintim o que aconteceu nas eleições de 2014. Se fosse Lula pedindo voto auditável, o Sindicato dos Jornalistas brindaria seus associados com uma camiseta estampando a imagem do grande líder, juntamente com um sloganzinho manjado qualquer.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, ninguém questionaria o custo “altíssimo” da medida. Tampouco estariam por aí exaltando a infalibilidade da máquina como se fosse um dogma desse cientificismo aplicado ao processo eleitoral. Pelo contrário, se fosse Lula pedindo voto auditável, todos estariam empenhados em questionar o “progresso” hoje inquestionável.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, a inexplicável teimosia de Luís Roberto Barroso teria explicações melhores do que as de hoje. Aliás, se fosse Lula pedindo o voto auditável, os cientistas políticos e outras figuras do nosso folclore estariam dizendo que a política é a arte da negociação e que, para garantir a segurança de um dos pilares dessa nossa democracia de palafita, é preciso garantir que ao menos parte dos votos sejam auditáveis já nas eleições de 2022.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, o ministro Luís Roberto Barroso estaria pessoalmente empenhado em garantir a aprovação da PEC 135. Que, por sinal, receberia nomes fofos como PEC da Urna Confiável, PEC das Eleições Transparentes, PEC do Amor ao Voto ou PEC da Confiança. E haveria transmissão dos debates e das votações nas comissões e depois no Congresso e no Senado. E os deputados e senadores exigiriam voto nominal para poderem aparecer na televisão dizendo que “pela democracia, pelo futuro do país, em defesa do Estado Democrático de Direito, eu voto ‘sim’!!!!”.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, os sociólogos estariam falando desse que é o aspecto mais intangível da democracia, o vínculo de confiança entre o eleitor e o “sistema”, e ressaltando a ameaça representada pela quebra desse mesmo vínculo. Os menos exaltados estariam usando palavras como “golpe”. Os mais exaltados estariam criando alguma conspiração conservadora-direitista contra a vontade popular.

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Se fosse Lula pedindo o voto auditável, estaria todo mundo batendo palmas pela nomeação de um senador do Centrão para a Casa Civil. “Esse Lula é um baita enxadrista”, diria alguém. Enquanto outro diria que, veja bem, o Lula é o presidente de todos os brasileiros e que é importante respeitar o princípio da representatividade, não sei o quê, não sei o que lá. Ciro Nogueira seria recebido com flores. E entraria para os livros de história como O Verdadeiro Cirão da Massa.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável, haveria diariamente pesquisas de opinião sobre o voto auditável ou sobre a confiabilidade das atuais urnas. As redes noticiosas exibiriam longuíssimos programas de debate nos quais estatísticos, engenheiros, advogados, artistas e até esportistas pediriam ansiosamente a palavra para demonstrarem apoio ao voto auditável.

Se fosse Lula pedindo voto auditável, Chico Buarque e Zélia Duncan comporiam o Samba do Piririririm, a ser entoado nas enormes manifestações de 1º de agosto. Wagner Moura, Letícia Sabatella e José de Abreu estrelariam na Netflix um filme de ação no qual imperialistas malvados tentam impor ao povo brasileiro o Tirânico Voto Inauditável, até que as forças populares, lideradas por uma quilombola trans, se revoltassem.

Se fosse Lula pedindo o voto auditável...

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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