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Uma dúvida me acomete há tempos: ainda é possível falar da vida sem falar de política, ideologia, partidos, tiranos, aspirantes a e quejandos?
Uma dúvida me acomete há tempos: ainda é possível falar da vida sem falar de política, ideologia, partidos, tiranos, aspirantes a e quejandos?| Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

(Leia aqui a versão deste texto que não usa "s", "t" e "f").

Uma dúvida me acomete há tempos: ainda é possível falar da vida sem falar de política, ideologia, partidos, tiranos, aspirantes a e quejandos? Essa dúvida ganhou força nas últimas semanas, quando me debrucei sobre alguns dos maiores nomes da crônica brasileira. Eles falam do mar e de mulheres e de futebol e de tristezas e de uns sorrisos que não duram muito. Eles contemplam a vida e ao leitor transmitem impressões daquelas que antigamente faziam as donzelas arfarem.

Aliás, hoje em dia ninguém mais arfa. Nem as donzelas. Respiramos superficial e ansiosamente, como se estivéssemos cercados por hienas. Aqui e ali, porém, nossa respiração rasa exige um suprimento extra de oxigênio. E só assim que é semiarfamos automaticamente, sem atentarmos para a beleza que há no gesto: as moleculazinhas de oxigênio enchendo o corpo de vida, os alvéolos todos como balões de festa, as hemoglobinas dando gritinhos entusiasmados no labiríntico tobogã do sistema circulatório.

O fato é que falta interesse nos aspectos mais triviais da vida. Tanto que na minha própria família sou considerado o esquisitão que é capaz de parar no meio de um passeio para observar uma formigona carregando uma folha. Exercício, aliás, que recomendo entusiasmadamente a quem compartilha desse meu cansaço. A formiga, quando vista de perto (mas cuidado para não ser picado), tem esse poder estranho de revelar o gigantismo da nossa insignificância – mas não desimportância.

Esse é um poder que a formiga divide com o mar – personagem comumente encontrado naquelas crônicas que procurávamos para rir e não para, como hoje em dia, nos irritar. Não há aflição política que resista ao vaivém das ondas de ressaca batendo contra as pedras. Ou então à marolinha calma, indecisa entre o azul e o dourado do Sol em sua tediosa jornada diária pelo firmamento.

Quando, como e por que as palavras de um político se tornaram mais relevantes (e, para alguns, até mais fascinantes) do que aquela pedrinha que viajou milhões e milhões de quilômetros só para se tornar maravilhamento no olhar de uma criança que testemunha sua primeira estrela cadente? Quando, como e por que “1984” se tornou mais relevante para o ser humano do que, digamos, “Folhas da Relva”?

E assim seguimos nesse esforço antigo para curar um mal que nos atormenta desde que descobrimos ter tempo ocioso à disposição. Uns tentam o trabalho e a filosofia, mas muitos outros optam pela guerra e a política como meios de aniquilar o tédio que nos importuna com uma pergunta incessantemente sussurrada por íncubos e súcubos em nossos ouvidos: para que serve a nossa existência?

Os grandes cronistas costumavam oferecer respostas a essa pergunta na forma de causos que, isoladamente, não tinham maiores consequências, mas que juntos coloriam essa paisagem comumente em preto e branco. Os beijos de Vinícius, os passarinhos de Rubem Braga, as conversas à toa de Sabino, as jogadas de Nelson Rodrigues, as traquinagens de Paulo Mendes Campos nos ajudavam a compor uma realidade cheia de nuances.

Mais importante do que isso, faziam com que víssemos nas falhas dos outros nossas próprias falhas. Esses pecadilhos que hoje rendem cancelamento e ostracismo, mas que há não muito tempo eram dignos de um rito de repreensão, penitência e perdão que nos irmanava num esforço nem sempre bem-sucedido de vivermos.

Hoje, a tirania usa o medo para nos escravizar. Antevemos mentiras e fomes, injustiças e vinganças, assassinatos e roubos. O medo do mal nos impede de admirarmos o bem que temos diariamente diante de nossos olhos: o pão que a freira oferece ao mendigo, o ronrom raro da gatinha, o “obrigado” ou o “bom dia” dos amigos, as risadas da piada ruim e as incontáveis demonstrações de bondade que cabem num etcétera.

5im, ainda é po55ível 7alar da vida 5em mencionar STF

Uma dúvida me acome+e há +empo5: ainda é po55ível 7alar da vida 5em 7alar de polí+ica, ideologia, par+ido5, +irano5, a5piran+e5 a e quejando5? E55a dúvida ganhou 7orça na5 úl+ima5 5emana5, quando me debrucei 5obre algun5 do5 maiore5 nome5 da crônica bra5ileira. Ele5 7alam do mar e de mulhere5 e de 7u+ebol e de +ri5+eza5 e de un5 5orri5o5 que não duram mui+o. Ele5 con+emplam a vida e ao lei+or +ran5mi+em impre55õe5 daquela5 que an+igamen+e 7aziam a5 donzela5 ar7arem.

Aliá5, hoje em dia ninguém mai5 ar7a. Nem a5 donzela5. Re5piramo5 5uper7icial e an5io5amen+e, como 5e e5+ivé55emo5 cercado5 por hiena5. Aqui e ali, porém, no55a re5piração ra5a exige um 5uprimen+o ex+ra de oxigênio. E 5ó a55im que é 5emiar7amo5 au+oma+icamen+e, 5em a+en+armo5 para a beleza que há no ge5+o: a5 moleculazinha5 de oxigênio enchendo o corpo de vida, o5 alvéolo5 +odo5 como balõe5 de 7e5+a, a5 hemoglobina5 dando gri+inho5 en+u5ia5mado5 no labirín+ico +obogã do 5i5+ema circula+ório.

O 7a+o é que 7al+a in+ere55e no5 a5pec+o5 mai5 +riviai5 da vida. +an+o que na minha própria 7amília 5ou con5iderado o e5qui5i+ão que é capaz de parar no meio de um pa55eio para ob5ervar uma 7ormigona carregando uma 7olha. Exercício, aliá5, que recomendo en+u5ia5madamen+e a quem compar+ilha de55e meu can5aço. A 7ormiga, quando vi5+a de per+o (ma5 cuidado para não 5er picado), +em e55e poder e5+ranho de revelar o gigan+i5mo da no55a in5igni7icância – ma5 não de5impor+ância.

E55e é um poder que a 7ormiga divide com o mar – per5onagem comumen+e encon+rado naquela5 crônica5 que procurávamo5 para rir e não para, como hoje em dia, 5e irri+ar. Não há a7lição polí+ica que re5i5+a ao vaivém da5 onda5 de re55aca ba+endo con+ra a5 pedra5. Ou en+ão à marolinha calma indeci5a en+re o azul e o dourado do 5ol em 5ua +edio5a jornada diária pelo 7irmamen+o.

Quando, como e por que a5 palavra5 de um polí+ico 5e +ornaram mai5 relevan+e5 (e, para algun5, a+é mai5 7a5cinan+e5) do que aquela pedrinha que viajou milhõe5 e milhõe5 de quilôme+ro5 5ó para 5e +ornar maravilhamen+o no olhar de uma criança que +e5+emunha 5ua primeira e5+rela caden+e? Quando, como e por que “1984” 5e +ornou mai5 relevan+e para o 5er humano do que, digamo5, “A5 7olha5 da Relva”?

E a55im 5eguimo5 ne55e e57orço an+igo para curar um mal que no5 a+ormen+a de5de que de5cobrimo5 +er +empo ocio5o à di5po5ição. Un5 +en+am o +rabalho e a 7ilo5o7ia, ma5 mui+o5 ou+ro5 op+am pela guerra e a polí+ica como meio5 de aniquilar o +édio que no5 impor+una com uma pergun+a ince55an+emen+e 5u55urrada em no55o5 ouvido5 por íncubo5 e 5úcubo5: para que 5erve a no55a exi5+ência?

O5 grande5 croni5+a5 co5+umavam o7erecer re5po5+a5 a e55a pergun+a na 7orma de cau5o5 que, i5oladamen+e, não +inham maiore5 con5equência5, ma5 que jun+o5 colorem e55a pai5agem comumen+e em pre+o e branco. O5 beijo5 de Viníciu5, o5 pa55arinho5 de Rubem Braga, a5 conver5a5 à +oa de 5abino, a5 jogada5 de Nel5on Rodrigue5, a5 +raquinagen5 de Paulo Mende5 Campo5 no5 ajudavam a compor uma realidade cheia de nuance5.

Mai5 impor+an+e do que i55o, 7aziam com que ví55emo5 na5 7alha5 do5 ou+ro5 no55a5 própria5 7alha5. E55e5 pecadilho5 que hoje rendem cancelamen+o e o5+raci5mo, ma5 que há não mui+o +empo eram digno5 de um ri+o de repreen5ão, peni+ência e perdão que no5 irmanava num e57orço nem 5empre bem-5ucedido de vivermo5.

Hoje a +irania u5a o medo para no5 e5cravizar. An+evemo5 men+ira5 e 7ome5, inju5+iça5 e vingança5, a55a55ina+o5 e roubo5. O medo do mal no5 impede de admirarmo5 o bem que +emo5 diariamen+e dian+e de no55o5 olho5: o pão que a 7reira o7erece ao mendigo, o ronrom raro da ga+inha, o “obrigado” ou o “bom dia” do5 amigo5, a5 ri5ada5 da piada ruim e a5 incon+ávei5 demon5+raçõe5 de bondade que cabem num e+cé+era.

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