O senador Eduardo Girão (Pode-CE) foi um dos responsáveis pela costura política da PEC 29/2015, mas tem sofrido críticas.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

Quando o Congresso Nacional, renovado, voltou a trabalhar no início de fevereiro, um dos primeiros projetos da “pauta de costumes” a ganhar destaque foi a PEC 29/2015, apelidada de “PEC da Vida”. Embora senadores do PT tenham tentado impedir isto, uma costura entre o senador Eduardo Girão (CD-SE) e a presidente da CCJ, Simone Tebet (DEM-MS), permitiu o desarquivamento da PEC pelo plenário do Senado, por ampla maioria. Em menos de dois meses, a relatora da PEC na CCJ, Selma Arruda (PSL-MT), apresentou um relatório favorável à proposta, mas foi aí que os problemas começaram.

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A ideia básica da PEC 29/2015 é explicitar, no texto da Constituição, que a vida começa na concepção. Por um lado, o clima era favorável ao assunto: nunca o Senado tinha sido tão simpático à causa da vida – pela primeira vez, nenhuma senadora da casa se declara favorável à legalização do aborto, um tema em que os parlamentares homens levam muito em conta a liderança das mulheres. Bolsonaro havia sido eleito pela “onda conservadora”. Também ajudavam as críticas ao ativismo judicial, já que uma das motivações da PEC é, na cabeça dos senadores, impedir que o STF avance na descriminalização do aborto pela via judicial.

Mas havia pedras no meio do caminho. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez saber que sua gestão não daria prioridade aos temas morais e de costumes. O próprio presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), Silas Câmara (PRB-AM), declarou que o momento era da reforma da Previdência e da pauta econômica. Além disso, o aumento da temperatura na relação entre os Poderes fez formar-se um pacto informal entre o presidente do STF, Dias Toffoli, a maioria do Congresso e o governo Bolsonaro contra a “CPI da Lava Toga”, e a preocupação com o ativismo judicial sumiu das manchetes.

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Tampouco o governo encampou com vontade a prometida luta pela agenda de costumes – nem o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), de Damares Alves, entrou de cabeça na luta contra o aborto e por uma ampla legislação pró-vida. Damares tem dito que o governo é a favor da vida desde a concepção e, com a ajuda do Itamaraty, deu sinais de que vai mudar concretamente posições do Brasil na arena internacional, mas parlamentares pró-vida ainda não sentem o apoio efetivo do governo para votar projetos no Congresso. O presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, deputado Diego Garcia (Pode-PR), tem vários na fila.

Seja como for, os senadores estavam dispostos a fazer a PEC 29/2015 avançar. Os problemas começaram com a apresentação do relatório da senadora Selma Arruda. Além de acrescentar “desde a concepção” ao direito constitucional à vida, a proposta de Selma leva à Constituição as duas excludentes de punibilidade ao aborto que hoje existem no Código Penal – estupro e risco de vida para a mãe. A mudança fez parte do acordo costurado por Girão para que a PEC pudesse voltar a tramitar, porque muitos senadores acreditam que inserir “desde a concepção” na Constituição revogaria as atuais excludentes.

Soou o sinal de alerta para grande parte dos movimentos pró-vida. Quando um grupo de senadores propôs também escrever na Constituição a exceção ao caso de fetos anencefálicos, criada pelo STF em 2012, Selma retirou o relatório de pauta para negociar uma solução, e os movimentos foram à luta. Alguns criticaram a proposta em público, outros se movimentaram nos bastidores. A maior parte das críticas foi dirigida à Girão, e a PEC ganhou o apelido de “PEC da Morte” na boca dos mais exaltados. Se quiser entender toda confusão jurídica quanto a esse ponto, esta reportagem explica o cenário.

Girão, que tem um histórico de atuação em favor da vida, sentiu o baque. Interlocutores próximos dizem que o “fogo amigo”, a traição e a virulência de alguns ataques desconcertaram o senador. Mas não foi só isso. A própria relatora, Selma Arruda, de quem depende o ritmo de tramitação do projeto na CCJ, foi pega de surpresa quando um conhecido professor pró-vida, que a ajudou a escrever o relatório, disse à senadora que a PEC 29/2015 teria grandes chances de proibir da pílula do dia seguinte no Brasil – já que ela evita ou adia a ovulação, caso ainda não tenha ocorrido, mas não deixa que se forme a camada que recobre o útero para receber o óvulo fecundado. Selma também pisou no freio.

Ao mesmo tempo, a discussão sobre ativismo judicial e pauta de costumes migrou para a criminalização da homofobia, novela que já ocupou cinco sessões do STF desde fevereiro e será retomada na próxima quinta-feira (13). Entenda em que ponto está essa discussão nas três reportagens abaixo (leia na ordem, se quiser detalhes, ou a última, se quiser apenas ter um panorama):

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Da mesma maneira, começou a ficar claro que, durante a Presidência de Toffoli, deve ser difícil a pauta do aborto avançar pelo Judiciário. Quando ele assumiu a Presidência, havia dúvidas sobre a questão: Toffoli vinha da esquerda, mas é católico e tem, inclusive, um irmão padre. Em dezembro, quando divulgou a pauta do primeiro semestre de 2019, resolveu colocar em discussão a ADI 5581, que pede a liberação do aborto em caso de grávidas contaminadas pelo vírus Zika. Mas, justamente pela novela da homofobia, Toffoli retirou a ADI de pauta, sem data para voltar.

Considerando que Rosa Weber ainda nem liberou para julgamento a ADPF 442, que pede a descriminalização irrestrita até a 12ª semana, o tema parece ter perdido urgência para muitos parlamentares – mas, cedo ou tarde, ele voltará à pauta. E, como no caso da homofobia, a tendência é o STF ter uma postura ativista no tema.