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Ele quer golpe
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Não há mais espaço para meias palavras. Venho, ao longo dos últimos meses, fazendo uso deste espaço que a Gazeta do Povo me concedeu para alertar os assinantes deste veículo sobre as manobras e contradições de um governo que se diz liberal, mas atenta contra as instituições próprias da democracia; que se diz conservador, mas que joga a prudência no lixo e adota espírito revolucionário.

Bolsonaro e sua malta, hoje, lançaram mão de manifestações cuidadosamente calculadas. Espalhadas por diversas cidades, não eram numerosas, mas cheias de conteúdo simbólico. Alguns milhares pediam, às portas do comando militar do Nordeste, uma intervenção militar. Outros tantos agrediam mulheres em Porto Alegre. E grupo pequeno, instalado em frente ao Palácio do Planalto, contou com a presença do Presidente da República em pessoa que, a plenos pulmões, lhes garantia: eu estou com vocês! 

E o que pediam os caras-pálidas apoiados por Jair? Ora amigos, nada além do mesmo: Intervenção militar, fechamento de Congresso, “AI-5”, “cadeia” para governadores — todo receituário pregado por Olavo de Carvalho e seus influenciadores.

Tal intento soa estranho após os acontecimentos da última semana. Os governistas pareciam encolhidos diante da queda de popularidade na crise sanitária. Enfrentavam, de fato, um problema — um ministro —, e dele tinham que se livrar. E se livraram.

Pois não nos enganemos: o ministro da Saúde e o Coronavírus foram breve interregno no verdadeiro intento do presidente. Ele já havia convocado ato para 15/03, com intuito similar. Seus grupos satélites e parlamentares-escravos participavam da convocação, e apenas recuaram após pressão da sociedade civil. Ainda assim, o ato ocorreu, e o presidente estava lá, de braços abertos, recebendo seus seguidores.

É importante rememorar tal evento, pois em meio à massa, Jair não se fez de rogado: pulava e acenava enquanto o pequeno contigente cantava “AI-5!, AI-5”. O escândalo diante de tal postura foi encoberto pela chegada da COVID-19 e o início das quarentenas, mas serviu de alerta para os democratas que viam aquele ato com apreensão: o presidente da república partia, definitivamente, para o tudo ou nada.

E é isso que aqui alerto: o tudo ou nada. Bolsonaro inaugura um ataque inconteste às demais instituições — mormente o congresso — tendo como “vanguarda” sua massa de fanáticos espalhados pelo país. Não é um grupo numeroso, é apenas, como disse, uma vanguarda — composta majoritariamente por idosos e histéricos — cuja função neste tabuleiro não é a de conquistar e destruir. Seu intento, acima de tudo, é narrativo.

Bolsonaro não é suficientemente popular para solapar as instituições com seu personalismo — perigo que vivenciamos com Lula —, mas sabe que Congresso, STF e demais pilares da democracia o são ainda menos. Não há viva alma capaz de empreender apaixonada defesa de nosso parlamento para além de juristas e articulistas políticos. O povo, com razão, vê no Congresso um local de perfídia e defesa de privilégios —e quem há de discordar?

O problema, amigos, reside aí: instituições devem ser perenes, e não personalizadas. As falhas desta legislatura ou de anteriores não servem de escusa para eliminarmos a própria ideia de democracia. Ainda mais vindo de quem vem: de um homem que foi deputado por 28 anos e que  da democracia se valeu para ganhar (muito) dinheiro, eleger seus filhos e empregar aliados de origem duvidosa.

O presidente quer solapar as instituições, antes de tudo, simbolicamente. Quer o congresso humilhado, de joelhos, para que assim possa agir: ou partindo para a ruptura total, vencendo o debate interno com militares, ou impondo sua vontade de forma inconteste, como imagina em seus devaneios personalistas. Em ambos os casos, busca o golpe. É por isso que luta e trabalha.

Já ficou claro para todos que este não é um governo de “reformas” ou de “luta contra a corrupção”. Paulo Guedes e Sérgio Moro silenciam, de forma cúmplice, enquanto suas agendas são jogadas no lixo. Se seus defensores imaginam que suas teses foram sabotadas pelo “sistema corrupto” — quando o próprio governo fez uso de emendas e cargos para colocar Eduardo na embaixada —, é porque estão profundamente enganados: no que é prioridade para Jair, ele joga sujo, como qualquer “raposa” da “velha política”.

Basta ver o show de horrores deste último domingo: após cooptar o PTB da base de Rodrigo Maia, Bolsonaro passou a contar com a verve de Roberto Jefferson — sim, o próprio! — que, tal qual um varão de plutarco, passou a denunciar toda a “roubalheira” que curiosamente ignorava no Congresso Nacional. Roberto virou o novo símbolo da direita brasileira; sua live, amplificada pelo Presidente da República, alcançou mais de 150 mil espectadores.

Viveremos dias difíceis pela frente. Bolsonaro imagina que a crise sanitária será acompanhada de uma crise econômica. Teremos, possivelmente, saques, assaltos e violência. É na anomia que ele busca se afirmar. Tem na manga a carta do “estado de sítio”— assim como a certeza de que o congresso não lhe concederá tal status. A tensão que reside nesse conflito é a brecha que Jair procura: prepara o povo para atacar seu inimigo no momento em que clama por poder total.

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