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Clériston Pereira Cunha
Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, réu do 8 de janeiro, teve um ataque cardíaco fulminante durante o banho de sol no presídio da Papuda nesta segunda-feira, dia 20.| Foto: reprodução/despacho Vara de Execuções Penais

Todo mundo quando morre deixa alguma coisa inacabada. Planos, projetos, sonhos. Um livro a ser escrito. A expectativa de ver os filhos crescidos. Não é possível saber o que Cleriston ainda planejava fazer quando morreu, aos 46 anos, no pátio da penitenciária da Papuda, em Brasília.

Se um criminoso morre em uma cadeia brasileira a repercussão é grande. Associações de advogados protestam. Comitês de direitos humanos se mobilizam. Ouvem-se discursos no Congresso e em Assembleias Legislativas. O Ministério Público é envolvido. Parlamentares voam para Genebra e Washington para entregar denúncias a cortes internacionais. Ativistas protestam na ONU. As instituições de sempre exigem explicações em 24 horas. Deputados anunciam projetos de lei com o nome do falecido, para que isso nunca mais aconteça. A mídia mostra o sofrimento dos familiares do morto.

Onde estão os protestos que sempre acontecem quando um preso morre na cadeia? Onde estão os ativistas?

Essa semana descobrimos uma exceção a esse ritual. A exceção se chama Cleriston Pereira da Cunha. Cleriston não era um criminoso violento. Na verdade, ele era empresário, casado, com duas filhas. Cleriston teve um infarto fulminante no presídio da Papuda. Mas o que ele estava fazendo lá? Cleriston participara dos eventos de 8 de janeiro e havia sido denunciado por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Cleriston ainda não havia sido julgado.

Cleriston sofria de diabetes e hipertensão e tomava remédios controlados. Em maio, seus advogados pediram sua soltura devido ao seu estado de saúde. Em agosto a Procuradoria Geral da República recomendou a liberdade provisória. Mas Cleriston não foi solto. Na segunda-feira, dia 20 de novembro, por volta das 10 da manhã, Cleriston da Cunha passou mal no pátio do presídio. Ele foi atendido por equipes do SAMU e do Corpo de Bombeiros e morreu às 10h58.

Criminosos violentos e reincidentes gozavam da liberdade que foi negada a Cleriston.

Onde estão os protestos que sempre acontecem quando um preso morre na cadeia? Onde estão os ativistas? Onde estão as ONGs que faturam com a defesa de "melhores condições" para criminosos presos? Onde está o projeto de Lei Cleriston da Cunha?

De acordo coma denúncia da Procuradoria-Geral da República, Cleriston teria participado do grupo que invadiu o Congresso Nacional e quebrou móveis, obras de artes e câmeras de seguranças. Cleriston teria incendiado um salão da Câmara. Seu advogado negou as acusações. Segundo ele, Cleriston fez uma manifestação pacífica.

O Estado brasileiro criou a "audiência de custódia", um serviço de atendimento ao criminoso que precisa acontecer obrigatoriamente nas 24 horas seguintes à prisão. Essa “audiência” tem como único objetivo verificar o bem-estar do criminoso e a regularidade da prisão. Não são ouvidas as vítimas, nem as testemunhas do crime e nem os policiais. Apenas o criminoso tem a palavra.

A ideologia que domina o sistema de justiça criminal determinou o uso dessa “audiência” como instrumento de controle do número de criminosos presos. Como não se constroem novas vagas em presídios – os progressistas não permitem – e como o número de crimes é crescente, as prisões ficam cada vez mais cheias. Então – decidiram os mesmos progressistas – é preciso soltar criminosos, mesmo os violentos e perigosos, nas audiências de custódia.

Cleriston não era um criminoso violento ou perigoso.

Há uma semana, no Rio de Janeiro, um homem foi preso em flagrante por furto. Era um criminoso habitual, com seis anotações criminais. No dia seguinte, 18 de novembro, esse homem foi solto em uma audiência de custódia. A Justiça considerou que o crime havia sido cometido sem emprego de violência ou grave ameaça. Mas as anotações criminais do homem incluíam assalto e homicídio.

Homicídio.

Menos de doze horas depois de solto, o mesmo homem foi preso como suspeito de ter assassinado Gabriel Mongenot, de 25 anos, em Copacabana. Gabriel foi morto com uma facada no tórax. O suspeito agiu com dois cúmplices que, juntos, tinham quase 30 anotações criminais pelos crimes de receptação, furto, porte de arma de fogo, lesão corporal, assalto e homicídio.

Homicídio.

Criminosos violentos e reincidentes gozavam da liberdade que foi negada a Cleriston. O resultado dessa história foi um jovem assassinado a facadas em uma praia e um pai de família morto por enfarto no pátio de uma penitenciária.

Embora as relações de causa e efeito passem por decisões individuais de magistrados, é preciso ampliar o olhar: essas decisões são fruto de um sistema de justiça criminal disfuncional – um sistema contaminado pela ideia de que o criminoso é uma vítima e por isso não deve ser punido, mas acolhido.

Curiosamente, essa ideia foi esquecida no caso de Clériston. Para ele valeu um rigor só encontrado no direito penal do inimigo, segundo o qual certos elementos da sociedade são tão perniciosos que devem ser excluídos da proteção da lei. A lei que protege estupradores, assaltantes e homicidas deixou Cleriston morrer sozinho no pátio de uma penitenciária.

E isso é uma vergonha que não deve ser esquecida.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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